A possibilidade de remição de pena pela leitura começa a virar realidade para os presos da Penitenciária Semiaberta de Vila Velha (PSVV), localizada no Complexo Prisional do Xuri, no Espírito Santo. Por meio do projeto “Virando a página”, a primeira turma de vinte presos do regime semiaberto poderá diminuir até 48 dias de pena por ano, com a leitura de 12 livros. Outra turma deverá ser aberta em trinta dias.
O projeto segue a Recomendação n. 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que propõe a implantação, nos presídios estaduais e federais, de projetos específicos de incentivo à remição pela leitura. Desde a recomendação, iniciativas nesse sentido foram implantados em quase todos os estados do país.
No Espírito Santo, a possibilidade de remição pela leitura estava aberta apenas para detentos do regime fechado da Penitenciária Regional de São Matheus, no norte capixaba. Agora, o objetivo é estender para todos os presídios estaduais, masculinos e femininos. O projeto, liderado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), foi proposto pela Defensoria Pública do Espírito Santo e terá a participação de professores de Letras das Faculdades Integradas Espírito-Santenses (Faesa).
Tempo vago
Na penitenciária de Vila Velha há 1.050 presos, dos quais apenas 400 trabalham ou estudam. De acordo com a juíza Patrícia Faroni, titular da Vara de Execuções Penais de Vila Velha, a participação no projeto é voluntária e os critérios para escolha foram a maior extensão da pena e a menor oportunidade de trabalho ou estudo. “Temos oito salas de estudo e biblioteca dentro da unidade, mas não é suficiente para atender a demanda e há muitos que estão ociosos”, diz a magistrada.
Ao progredirem para o regime semiaberto, os presos têm o direito de trabalhar ou estudar. No entanto, a maioria não tem essa oportunidade por falta de vagas. Conforme documento da Defensoria Pública para elaboração do projeto “Virando a página”, é notório que, na realidade do sistema carcerário, não há, na maioria das vezes, atividades que propiciem a efetivação de uma das finalidades declaradas da pena: a ressocialização.
Além disso, o tempo em que o indivíduo permanece recolhido no cárcere é predominantemente marcado pela ociosidade e por diálogos permeados pela revolta diante das condições precárias da estrutura física e de funcionamento das instituições estatais. “A ocupação do tempo é um grande benefício, além da oportunidade que a leitura dá de autoconhecimento, mudança de visão do mundo e de ressocialização”, diz a juíza Patrícia.
A maioria dos presos possui baixo grau de escolarização e pertence às camadas menos favorecidas da sociedade. Por isso, segundo o documento, projetos de ressocialização são relevantes quando englobam o resgate da autoestima, o desenvolvimento do respeito próprio e às demais pessoas, o aprimoramento da comunicação e a construção de conhecimento.
O Pequeno Príncipe
O primeiro livro a ser lido pelo grupo de vinte detentos será “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry. Os presos têm um mês para ler o livro, marcado ao meio por uma oficina coordenada pelos professores universitários para discutir a obra.
Para verificação da leitura, será considerado o grau de instrução e as possibilidades de cada indivíduo. Assim, os presos que possuem apenas o Ensino Fundamental concluído deverão fazer um resumo do livro, enquanto aqueles que já têm o Ensino Médio farão uma resenha, com uma visão mais crítica da leitura.
O trabalho produzido pelo preso será avaliado por uma comissão formada principalmente pelo professor e seus alunos, que avaliarão o entendimento que os internos tiveram da obra. Caso apresente o mínimo de 60% de aproveitamento, o preso pode conseguir a remição de quatro dias de pena.
Após a avaliação, o trabalho ficará anexado ao processo penal para manifestação do Ministério Público e da defesa do preso. Em seguida, haverá a deliberação judicial sobre a remição de pena por leitura.
Educação e remição
A Lei n. 12.433/2011 alterou a Lei de Execução Penal (LEP) – a Lei 7.210/84 –, para possibilitar a chamada remição de pena pelo estudo de condenados presos nos regimes fechado e semiaberto. Após a mudança, a primeira iniciativa de âmbito nacional para permitir a remição da pena por meio da leitura foi a Portaria Conjunta 276/2012, do Conselho da Justiça Federal (CJF) e da Diretoria Geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, que disciplinou o projeto de remição pela leitura para os presos de regime fechado custodiados em penitenciárias federais de segurança máxima.
No ano seguinte, o CNJ, considerando a portaria já existente, editou a Recomendação n. 44, que trata das atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece critérios para a admissão pela leitura. A edição da recomendação foi solicitada ao CNJ pelos ministérios da Justiça e da Educação, pois, como a LEP não detalhou quais seriam as atividades complementares que possibilitariam a remição, havia entendimentos distintos na esfera judicial.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias
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