quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O direito ao prazo razoável do processo

          A Constituição Federal diz em seu artigo 5°, inciso LXXVIII, que  " a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

          Esse vem sendo o desafio do Judiciário atualmente: assegurar a razoabilidade do prazo processual, pois até o momento não existem dados estatísticos do Conselho Nacional de Justiça que permitam avaliar a real duração dos processos na Justiça.

          Os efeitos da demora são devastadores, pois, além de aumentar os custos para as partes, pressionam os economicamente mais fracos a abandonar as suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito.

          Afirma Carnellutti que: "O valor que o tempo tem no processo é imenso e em grande parte desconhecido. Não seria imprudente comparar o tempo a um inimigo, contra o qual o juiz luta sem trégua". Para o Judiciário surge o novo conceito do "tempo inimigo" e dos "males do retardamento", que constituem o fundamento de todas as queixas que contra ele se erguem, conforme Cândido Dinamarco.

          A preocupação pela tempestividade, ou oportunidade da tutela jurisdicional, tem sido objeto de disposições internacionais, seja no continente europeu, seja no sistema interamericano de direitos humanos. A Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, no artigo 6° parágrafo 1°, dispõe que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de "um prazo razoável", termina sendo uma Justiça inacessível. O Pacto de São José da Costa Rica, que integra a ordem jurídica brasileira desde a edição do Decreto n°678, de 06 de novembro de 1992 (Constituição, art. 5º, § 2º), inclui entre as garantias judiciais a de um julgamento em prazo razoável (seja em matéria penal, seja civil).

         Um fato é incontestável: por mais que o Judiciário tenha se esforçado atualmente, não consegue decidir com a rapidez com que a sociedade demanda. É como se estivesse em crescimento uma bolha cheia de sentenças contidas que, à medida que cresce, diminui a confiança dos cidadãos na Justiça.

          O que se verificca pelo Relatório do Justiça em Números 2009, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é que houve crescimento de 25% no total de processos acumulados nos tribunais, de 2008 para 2009: 70,1 milhões de ações para 86,6 milhões. (Não entraram no levantamento dados dos Tribunais Superiores e da Justiça Eleitoral).  Embora 25,5 milhões de casos tenham chegado aos tribunais no ano de 2009, somente 29% dos processos pendentes foram julgados de forma definitiva.

          Também pesquisas feitas pelo CNJ e IC Brasil FGV,( embasadas em dados referentes ao terceiro trimestre de 2009, colhidos até 18 de dezembro desse ano e enviados pelos próprios tribunais Estaduais, Federais e do Trabalho), demonstram que apenas 53% dos 5,1 milhões de processos, distribuídos antes de dezembro de 2005, foram julgados em todas as esferas.

          Essa mesma pesquisa conseguiu identificar algumas das razões que impediam o andamento dos processos, estando a principal na primeira instância (local em que se iniciam as demandas), onde os juízes estão sobrecarregados e sem infraestrutura, enquanto alguns gabinetes de desembargadores contam com até 30 servidores. A eficiência não está diretamente relacionada com a quantidade de verbas no orçamento, demonstrando a falta de gestão e planejamento nos tribunais brasileiros. Sem que os juízes liderem um processo de modernização e gestão no Judiciário, dificilmente será prestada a jurisdição num prazo razoável.

          Outro impedimento ao prazo razoável do processo é decorrente da postura dos órgãos públicos ou prestadores de serviço de natureza pública. Nesse sentido, dados de outra pesquisa "Judiciário em Números", de 2003, demonstram que 90% dos 140.000 recursos recebidos pelo STF naquele ano foram de recursos repetitivos (já havia posição consolidada do tribunal sobre a matéria) e tinham como vencido, na maioria das vezes o Poder Público, que recorreu para adiar o cumprimento da sentença. Os dados revelam, ainda, que 80% das causas que tramitavam nos tribunais superiores envolviam a administração pública federal, estadual ou municipal.

          Em artigo publicado publicado na Folha de São Paulo, sob o título "Drama do prazo razoável", Walter Ceneviva  informa que, de acordo com estatística do Tribunal de Justiça de São Paulo, também naquele Estado, onde tramita o maior número de ações do país, a maioria dos processos, cuja decisão toma tempo mais do que razoável, é de órgãos públicos ou prestadores de serviço de natureza pública. Na capital a telefônica tem um saldo de 4.547 processos enfrentados. No interior a estatística é liderada pela Nossa Caixa, agora sob o controle do Banco do Brasil, seguida pelo Bradesco. Em segunda instância a Fazenda do Estado tem 255.388 processos contra 136.032 do INSS.  Os dados evidenciam que sem combater a taxa de recorribilidade (recursos repetitivos) e a postura do Poder Público (recorrer para protelar o cumprimento de suas obrigações) dificilmente se prestará jurisdição num prazo razoável.

         Como não existe uma única, mas várias causas para que a prestação jurisdicional não ocorra em prazo razoável, poder-se-ia começar combatendo as duas principais causas apontadas pelas pesquisas: choque de gestão  no Judiciário e elevada taxa de recorribilidade, principalmente pelo Poder Público.

         Já seria um bom começo!