quarta-feira, 27 de julho de 2016

O que é colaboração premiada

O que consiste a colaboração premiada?
Colaboração premiada é um instituto previsto na legislação por meio do qual um investigado ou acusado da prática de infração penal decide confessar a prática do delito e, além disso, aceita colaborar com a investigação ou com o processo fornecendo informações que irão ajudar, de forma efetiva, na obtenção de provas contra os demais autores dos delitos e contra a organização criminosa, na prevenção de novos crimes, na recuperação do produto ou proveito dos crimes ou na localização da vítima com integridade física preservada, recebendo o colaborador, em contrapartida, determinados benefícios penais (ex: redução de sua pena).
A nova Lei de Organização Criminosa ampliou o leque de opções de prêmios legais passíveis de concessão a quem realiza a colaboração premiada (colaborador).
A depender do caso concreto, a Lei 12.850/13 prevê os seguintes prêmios legais, que poderão ser concedidos mesmo no caso de inexistir a formalização de qualquer acordo de colaboração premiada:
  1. Diminuição da pena: máximo de 2/3 (é possível a redução na hipótese de a colaboração ocorrer após a sentença, sendo a pena reduzida até a metade).
  2. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos: independe dos requisitos do art. 44 do Código Penal.
  3. Perdão judicial: há a consequente extinção da punibilidade. Depende de requerimento do Ministério Público ou do Delegado de Polícia (o juiz não pode conceder o perdão judicial de ofício).
  4. Sobrestamento do prazo para oferecimento da denúncia ou suspensão do processo, com a consequente suspensão da prescrição: é possível a suspensão do prazo para oferecimento da denúncia ou do próprio processo por até 6 meses, prorrogáveis por igual período.
  5. Não oferecimento da denúncia pelo MP: é possível que o órgão ministerial deixe de oferecer denúncia. No entanto, nesse caso, deve ser observado dois requisitos: a) colaborador não seja o líder da organização criminosa; b) o colaborador seja o primeiro a prestar efetiva colaboração.
  6. Causa de progressão de regime: será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.
É relevante salientar que a gravidade em abstrato da infração penal não pode ser utilizada como óbice à concessão dos aludidos prêmios legais inerentes à colaboração premiada.
Qual o valor probatório da colaboração premiada?
Segundo o STF, se a colaboração estiver em consonância com as demais provas produzidas ao longo da instrução processual, adquire força probante suficiente para fundamentar um decreto condenatório.
Nesse contexto surge o que a doutrina denomina de regra da corroboração, ou seja, que o colaborador traga elementos de informação e de prova capazes de confirmar suas declarações.
Por fim, esse entendimento jurisprudencial acabou sendo positivado na Lei 12.850, cujo art. 4oparágrafo 16 dispõe: "Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador".
Bibliografia: Renato Brasileiro.
Artigo de autoria de Flávia T. Ortega, transcrito do site JusBrasil, de 27.07.2016.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Abusar do Supremo

Nos últimos cinco anos, a operadora de telefonia Oi levou 6.271 processos ao Supremo Tribunal Federal, noticiou o jornalista e colunista da Folha Elio Gaspari. Em média, mais de três processos por dia.
No universo de cerca de 10 mil decisões proferidas em todos esses processos, apenas 7 foram favoráveis à Oi. Ou seja, 0,07% de sucesso, segundo dados do projeto Supremo em Números, desenvolvido pela Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas.

Recorde mundial, com certeza. Inédito. Uma só empresa ocupa a mais alta corte de seu país com três processos por dia. Fato digno de registro no livro "Guinness".
Acesso ao Supremo deve ser raro e de interesse da nação. Algo está errado. Isto é bullying, assédio processual. É abusar do Supremo.
Para a Oi, inexiste a natural incerteza sobre a decisão judicial. Ao contrário, existe certeza. Perderá. E esse perder lhe é conveniente. Cerca de 20% dos processos referem-se a disputas sobre impulsos telefônicos. E 23% sobre assinatura básica mensal.

Além da judicialização da política, vemos agora a judicialização da ineficiência empresarial, já que os consumidores reclamam, e o Judiciário lhes dá razão.
Não é lógico, diriam, recorrer ao Supremo para perder. Por mais estranho que pareça, é sim. Basta que o custo de adiar o pagamento ao consumidor seja menor do que o de financiar investimentos para oferecer serviços eficientes e de qualidade.

Alguns dirão ainda: a Oi possui 70 milhões de consumidores. Não será um indicador de sucesso ter somente 6.271 processos? Não, não é.
A Oi, antes Telemar, foi pioneira nessa política empresarial de judicialização. O grupo econômico vencedor da privatização da telefonia, em 1998, não tinha recursos financeiros suficientes para o que se obrigara. A política de judicialização teve efeito cascata nas outras empresas reguladas ou concessionárias. Abriu caminho.

Ações sobre direito do consumidor são das que mais crescem no Judiciário. No Tribunal de Justiça de São Paulo, as empresas de telefonia perdem em mais de 80% dos casos, por exemplo.
Não existe ação judicial grátis. Abusar do acesso à Justiça, recorrendo para perder, impõe, unilateralmente, custos ao consumidor e ao orçamento público. Salários de juízes, procuradores, defensores, serventuários, aposentadorias, despesas com imóveis, custeio de tecnologias e por aí vamos.
Esses custos aumentam o deficit público e são, indiretamente, transferidos aos contribuintes. Mais um fator que ajuda a explicar a crescente irritação e desilusão popular com a qualidade dos serviços públicos, a apropriação privada da política e a lentidão da Justiça.

A judicialização até o Supremo é desmobilizadora. A mensagem aos consumidores é clara: você irá ganhar, mas vai demorar muito e será muito caro ir até Brasília.
Estamos diante de um paradoxo. O atual modelo de privatização estimula o abuso empresarial do acesso à Justiça e provoca a obstrução da mesma para milhões de cidadãos.
A atual janela de oportunidades, que tem sido usada para revigorar a economia, poderia tentar criar um novo modelo de privatização dos serviços públicos, considerando o custo das externalidades judiciais que provoca. Como preveni-las e evitá-las?
As privatizações, para empresas e políticos, devem fazer dos consumidores e juízes seus principais aliados.

JOAQUIM FALCÃO,,71, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e doutor em educação pela Universidade de Genebra, é professor da
Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas

Transcrito do Jornal Folha de São Paulo, de 22.07.2016

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Justiça une esforços contra trabalho infantil

Criado pelo Conselho Nacional de Justiça no mês de junho, o Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj) vai unir esforços de órgãos do Judiciário e demais instituições do Sistema de Justiça contra o trabalho infantil. De acordo com informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2014, no Brasil trabalham cerca de 3,3 milhões de crianças e adolescentes com idades entre 5 e 17 anos. Como a maioria absoluta delas (2,8 milhões de meninos e meninas) trabalha de maneira informal, o Estado tem dificuldade em fiscalizar e coibir a prática.
Criado pela Resolução 231/2016, o Foninj terá entre suas funções “propor medidas visando à execução de políticas públicas de infância e juventude no âmbito do Poder Judiciário”. Na avaliação do conselheiro do CNJ ministro Lelio Bentes, em seu voto no pedido de providências que culminou na edição do ato normativo, a medida contribui para articular iniciativas dos órgãos que compõem o Sistema de Justiça e para reforçar o compromisso do Estado brasileiro com a população de crianças e adolescentes, segmento que deve ser tratado com prioridade de acordo com a Constituição Federal de 1988.

Diversos órgãos, atentos ao problema do trabalho infantil, já se mobilizam para erradicar a exploração do trabalho de crianças e adolescentes de forma irregular. Em setembro do ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT 1), o Ministério Público do Trabalho do Estado do Rio, a Defensoria Pública regional e a seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ) formalizaram uma parceria para erradicar do trabalho infantil no estado e regularizar atividades trabalhistas exercidas por adolescentes. A ideia era articular os esforços já realizados por cada uma das entidades que assinaram o protocolo de intenções.


O Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Eleitoral de Roraima firmaram um Termo de Ajuste de Conduta com 22 partidos políticos para evitar o trabalho infantil nas campanhas eleitorais de 2014. Pelo acordo, as agremiações se comprometeram a não contratar cabos eleitorais com menos de 16 anos nem envolver menores de idade em atividades da campanha “em ruas, avenidas e outros logradouros públicos ou locais” que implicassem “situações de risco ou perigo” bem como “trabalho noturno, penoso, perigoso ou insalubre”.

Em 2015, o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) contratou serviços de operador de máquinas fotocopiadoras e vigilância institucional exigindo da contratada jamais ter sido condenada pelas “leis de combate à discriminação de raça ou de gênero, ao trabalho infantil e ao trabalho escravo”. A restrição, que também se estendia aos dirigentes da empresa, baseou-se no Guia de Contratações Sustentáveis da Justiça do Trabalho. Publicado pela primeira vez em 2012, o documentou tornou-se referência os demais ramos do Judiciário ao consagrar a redução do impacto humano e o respeito aos direitos humanos como princípios a serem seguidos nas contratações públicas.
Segundo a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa Oliveira, a defesa e a proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes pelo Poder Judiciário, conforme prevê a Constituição Federal, é condição para acabar com o trabalho infantil no país. “A Justiça é fundamental no combate ao trabalho infantil, pois responde por cumprir o artigo 227 da Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Não há possibilidade de eliminar o trabalho infantil sem garantir prioridade absoluta a esse segmento da população, conforme preconiza o texto constitucional”, afirmou.

Mobilização – O Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), como forma de estimular o engajamento da Justiça do Trabalho na luta pela erradicação do trabalho infantil, e buscando cumprir o compromisso assumido pelo Brasil diante da comunidade internacional, de extinguir as piores formas de trabalho infantil até 2015, e quaisquer formas até 2020, criou o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem. No site da Programa, é possível acessar os representantes de cada tribunal da Justiça do Trabalho, notícias veiculadas a respeito da temática, conhecer boas práticas na área, as campanhas promovidas, além de denunciar casos de exploração do trabalho de crianças e adolescentes.

Restrições – Além de proibir trabalho para menores de 16 anos, exceto para os aprendizes com pelo menos 14 anos de idade, a Constituição Federal de 1988 veda trabalho noturno, perigoso e insalubre para pessoas com menos de 18 anos. No plano internacional, o Brasil é signatário de tratados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que protegem direitos das crianças e adolescentes.
Foninj – Criado pela Resolução 231/2016 do CNJ, o Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj) foi instituído pelo CNJ, em caráter nacional e permanente, com a atribuição de elaborar estudos e propor medidas para a coordenação, elaboração e execução de políticas públicas, no âmbito do Poder Judiciário, concentrando especialmente as iniciativas nacionais de aprimoramento da prestação jurisdicional na área da Infância e da Juventude. O fórum será composto por conselheiros do CNJ nomeados pelo presidente do órgão, ministro Ricardo Lewandowski, e por magistrados de diferentes segmentos do Poder Judiciário.

 Agência CNJ de Notícias




quarta-feira, 13 de julho de 2016

Mediação e arbitragem são saída para congestionamento processual

O conflito entre seres humanos sempre foi motivo de abalo da paz, e o antigo sonho da harmonia nas relações sociais e políticas ocasionou inúmeros avanços em nossa civilização. No Brasil, o acesso à Justiça se revelou uma das grandes conquistas da Carta Constitucional de 1988, garantia que não se limita ao simples ajuizamento de uma demanda perante o Poder Judiciário mas também possibilita a entrada e saída em um processo justo e adequado à solução do conflito.
Recentemente, uma série de leis busca tornar mais real a promessa constitucional. A utilização da arbitragem como meio extrajudicial ágil de solução de litígios, principalmente em demandas empresariais, iniciada em 1996 e ampliada pela lei 13.129 em 2015, quando partes em conflito escolhem, de comum acordo, um ou mais árbitros privados para tomar a decisão, colocou o Brasil em outro patamar na economia global.
Essa segurança jurídica consolidou a arbitragem e atraiu investimentos de grandes empresas, dando ensejo ao surgimento de entidades especializadas nesse segmento e em outros instrumentos de composição e prevenção de litígios.
No âmbito dessas instituições, a mediação também ganhou destaque, por ser método que aproxima as partes e facilita o diálogo entre elas, a fim de que compreendam a origem e as facetas de suas posições antagônicas, permitindo que construam por elas mesmas a resolução do embate, sempre de modo satisfatório e preventivo.
O sucesso desse instituto sensibilizou o Congresso para a criação do Marco Legal da Mediação, que se concretizou com a promulgação da lei 13.140, de 2015.
Nessa linha, o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor no início deste ano, valoriza esses e outros avançados mecanismos que precisam ser difundidos pela sociedade, pois previnem e promovem, a um só tempo, a eficaz pacificação social e carregam perspectiva de racionalidade para a jurisdição estatal, hoje assoberbada pela expressiva quantidade de processos (quase 30 milhões de novos casos por ano, com taxa de congestionamento superior a 70%).
Com esses mecanismos, pode-se resolver de pequenos problemas até questões complexas na sociedade civil. É possível utilizar a normativa para promover a resolução de conflitos, por via da negociação e do diálogo. A Lei da Mediação soluciona muitos dos casos e desafoga uma parte do Judiciário.
Assim, com o objetivo de promover e estimular essas soluções, o Centro de Estudos Judiciários (CEJ), em parceria com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), realizará a primeira Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígio, em 22 de agosto deste ano, em Brasília.
A participação de interessados na jornada se efetiva mediante a apresentação de proposições de enunciados que tratem da interpretação de normas jurídicas ou que orientem a adoção de políticas públicas, assim como práticas no setor privado, relativas à prevenção e solução extrajudicial de litígios (veja pelo site www.cjf.jus.br).
Os enunciados propostos, uma vez discutidos e aprovados pela correspondente comissão científica e pela votação plenária final, serão publicados e amplamente divulgados, estimulando práticas extrajudiciais de prevenção e solução de litígios no poder público e na iniciativa privada.
Ao apoiar a jornada, o Superior Tribunal de Justiça mais uma vez demonstra sua vocação para o título de Tribunal da Cidadania, contribuindo de forma reflexa para tornar mais eficiente a prestação jurisdicional estatal.
Luiz Felipe Salomão
Ministro do Superior Tribunal de Justiça
Revista Consultor Jurídico, 19 de junho de 2016

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Novo CPC foi a pá de cal na 'ideologia coletivizante' das ações coletivas

Novo CPC foi a pá de cal na 'ideologia coletivizante' das ações coletivas

Por Pedro Canário
Os recursos repetitivos e o instituto da repercussão geral nasceram a partir de problemas reais do Judiciário. A Justiça estava tratando demandas idênticas de maneiras opostas, ao mesmo tempo em que o Superior Tribunal de Justiça, responsável pela uniformização da interpretação da lei federal, e o Supremo Tribunal Federal, intérprete da Constituição, tinham na pauta muito mais processos do que se cogitou que pudessem julgar. Em 2007, ano em que passou a valer a repercussão geral, por exemplo, o STF tinha mais de 100 mil processos pendentes de julgamento.
A criação dos dois institutos foi um passo importante para tentar resolver os dois problemas. Deu aos tribunais ferramentas para definir até milhares de processos, decidindo em apenas um recurso. E pela tese.
Mas estas foram soluções pragmáticas para problemas que estavam levando ao colapso do sistema judicial. Por isso, o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, foi buscar formas de dar um “vocabulário doutrinário a uma questão prática”, conforme contou em entrevista à revista Consultor Jurídico. Os estudos iniciais foram transformados em sua tese de doutorado, transformada no livro Teoria Geral dos Recursos Repetitivos, publicado há um ano e meio.
No início deste ano, Dantas passou dois meses nos Estados Unidos estudando questões ligadas às ações coletivas. Ano passado, passou um mês no país, em Nova York. Membro da comissão de juristas que escreveu o anteprojeto de reforma do Código Processo Civil – e que resultou no novo CPC –, ele lembra que o modelo das ações coletivas dos EUA era tratado como coqueluche por alguns integrantes da comissão. O que ele descobriu em sua viagem foi que o modelo norte-americano está em crise, porque hoje cria mais problemas que soluções.
No Brasil, esse problema se traduziu no que Dantas chamou de “ideologia coletivizante”: interesses diferentes são agrupados em demandas coletivas “artificiais”. “Isso criou um problema grave, de sentenças coletivas de difícil execução e liquidação. Muitas vezes, a liquidação era mais difícil que o processo em si”, analisa.
O ministro Bruno Dantas voltou de viagem com material para novas publicações. Já conseguiu a aprovação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) para transformar suas conclusões num artigo sobre a crise do modelo de ações coletivas.
Também entrou em contato com o American Law Institute, uma instituição criada para congregar advogados, juízes, promotores e professores para publicar trabalhos com o intuito de “esclarecer, modernizar e melhorar o Direito”. Dantas será o responsável por traduzir um compêndio de artigos e trabalhos de professores sobre as ações coletivas, ou class actions, que tem sido encarado como uma espécie de carta de princípios processuais, quase um código de processo, o que é incomum num país que segue o sistema jurídico da common law, ou do Direito de Princípios.
Bruno Dantas é ministro do TCU, professor de Direito Processual Civl e integrou a comissão de juristas presidida pelo ministro Luiz Fux, do STF, para elaborar novo CPC. Ostenta o título de único membro do TCU com uma conta ativa na rede de microblogs Twitter. Também já foi do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.
Leia a entrevista:
ConJur — Qual foi o objeto da sua pesquisa nos Estados Unidos?
Bruno Dantas —
 O processo coletivo, ou a class action, como eles chamam. Começou, na verdade, com a minha pesquisa de doutorado, que virou o livroTeoria Geral dos Recursos Repetitivos, que foi mostrar, dentro da teoria geral dos recursos, como se encaixariam os recursos repetitivos. Só que já durante a pesquisa percebi um fenômeno interessante: no Brasil, se falava muito que o processo coletivo podia ser uma das soluções, mas não tínhamos feito, de maneira satisfatória, a crítica do processo coletivo. E é essa a crítica que os americanos estão fazendo. Dois anos depois, já aqui no TCU, comecei a estruturar minha cabeça e refletir sobre se o processo coletivo era essa maravilha toda. E comecei a pesquisar na doutrina e na jurisprudência norte-americana, porque o modelo de processo coletivo mais tradicional do mundo é o de lá.
ConJur — Crítica em que sentido? O modelo passa por problemas?
Bruno Dantas —
 Não é unanimidade. A Inglaterra, por exemplo, que é muito conservadora e presa muito pela autonomia privada, não admite que alguém represente um grupo, excluindo de uma pessoa o seu direito do que eles chamam de “his day in court”, ou o princípio de estar perante de um juiz. É o mesmo que temos aqui, consagrado na Constituição como o direito a um julgamento justo. A Alemanha também não aceita processo coletivo. E veja, são sistemas diferentes, um é common law e o outro, civil law. E pensei: se no mundo já há resistência ao modelo, vou ver como os EUA estão lidando com isso. E há muitos doutrinadores dizendo que as class actions estão em crise.
ConJur — Isso chegou a ser discutido no novo CPC, não?
Bruno Dantas —
 Havia uma discussão e uma divisão muito séria entre os doutrinadores que defendem, quase de maneira absoluta, que a grande solução para o Brasil é o processo coletivo, e os mais céticos, que não acham que o processo coletivo seja a cura para todos os males. Lá no [grupo que estudou a reforma do] CPC, a gente percebeu que o processo coletivo, como pensado por muitos doutrinadores de altíssimo nível, como a professora Ada Pellegrini e o professor Aluísio Mendes, foi rejeitado pelo Congresso em 2009 ou 2010.
ConJur — No âmbito do próprio CPC?
Bruno Dantas —
 Era o projeto de nova Lei da Ação Civil pública, de autoria do Executivo. Portanto, o Congresso já tinha emitido uma sinalização inequívoca de que não pretendia aprovar uma nova lei de processo coletivo para o Brasil. Veio, então, o dilema de como fazer um novo CPC sem enfrentar o problema gravíssimo do contencioso de massa.
ConJur — O processo coletivo era posto como uma solução para o excesso de demanda judicial?
Bruno Dantas —
 Uma solução possível era essa, mas o Congresso já a havia rejeitado. Houve sugestões para que o novo CPC tivesse um capítulo falando das ações coletivas, mas discutimos isso na comissão e afastamos a possibilidade.
ConJur — Por quê?
Bruno Dantas —
 Primeiro, porque entendíamos que a base principiológica do processo civil ordinário, clássico, é direcionada para aquele tipo de litígio individual. Colocar tudo no mesmo diploma legal poderia criar problemas. O outro problema foi de ordem pragmática. Se colocássemos no CPC uma proposta para o processo coletivo, atrairíamos para o projeto toda aquela oposição que já havia rejeitado o projeito da nova ação civil pública. Mas também não estávamos satisfeitos em fazer um projeto que fechasse os olhos para o contencioso de massa.
ConJur — Qual foi a solução no anteprojeto?
Bruno Dantas —
 A boa solução foi dar atenção ao que eu chamei no meu livro de “tutela plurindivdual”. É aquela tutela que não é nem a individual clássica, do processo de Tício contra Caio, com direito subjetivo, partes muito bem definidas e legitimidade muito bem delimitada, nem aquela tutela para direitos coletivos strictu sensu. Entre um e outro, o sistema tinha que ter uma sistemática aplicável para aqueles casos que discutem direitos individuais homogêneos. Portanto, o novo código veio para tratar dessa tutela plurindividual, que é o julgamento de casos repetitivos por meio de dois grandes institutos: o julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas e o julgamento de recursos especiais e extraordinários. Foi daí que veio a minha tese, porque no Brasil o processo coletivo nunca chegou a ser popular, e os artigos 543-B e 543-C do antigo CPC surgiram dos tribunais. A questão era essa: como dar tratamento teórico a uma questão prática?
ConJur — Essa foi a pergunta respondida lá nos EUA?
Bruno Dantas —
 Estávamos, aqui, um grupo representativo e importante de juristas brasileiros, discutindo um modelo de processo coletivo como uma grande solução para o Brasil enquanto lá estão discutindo a crise do modelo de class action, justamente o que estávamos buscando nos espelhar. Por isso decidi preparar um projeto para discutir, numa faculdade chamada Cardozo Law School, a possibilidade de dialogar com professores que dedicaram a vida a isso. E lá eles têm um centro de estudos das class action muito interessante, com alguns professores muito tradicionais, como Tony Sebok, que me recepcionou lá, David Rudenstine e as professoras Myriam Gilles e Kate Shaw.
ConJur — Todos eles especialistas em class action?
Bruno Dantas —
 Sim. E aproveitei que estava lá e entrei em contato com professores da New York University e de Columbia. Da NYU, falei com o Samuel Issacharoff, um dos maiores especialistas no assunto lá dos EUA. Da Columbia, tive a oportunidade de conhecer o professor John Coffee Jr., que é autor de um livro extraordinário chamado Entrepeneural Litigation, algo como “a litigância como empreendorismo”.
ConJur — Ou seja: como ganhar dinheiro com litígios coletivos.
Bruno Dantas —
 No fundo, ele mostra o dilema das class actions nos Estados Unidos que levou a Suprema Corte a limitar muitíssimo as possibilidades de certificação de ações coletivas.
ConJur — Limitar em que sentido?
Bruno Dantas —
 O tribunal começou a perceber que as class actions não estavam sendo úteis para os jurisdicionados, estava criando prejuízos tremendos para as empresas e só quem estava ficando rico eram os advogados. Havia escritórios especializados em desenvolver teses para acionar judicialmente grandes empresas, e nichos muito específicos de ação. Esses advogados peticionavam no interesse de grupos e cada membro desses grupos recebia US$ 1mil ou US$ 2 mil e os advogados recebiam US$ 60 milhões. Então era uma ameaça às empresas, os jurisdicionados não recebiam indenização satisfatória e o advogado recebia milhões de dólares.
ConJur — E o livro trata disso?
Bruno Dantas — 
John Coffee percebeu como estava havendo uma tensão entre essa litigância de interesse público, mas patrocinada por particulares que, claramente, têm interesses financeiros. Portanto, a minha proposta de pesquisa foi essa, de buscar no sistema norte americano as razões que tinham levado as class actions — depois de ter chegado ao auge nos anos 1980 e 1990 — a essa crise. E, aí, em 2005, veio uma lei chamada Class Action Fairness Act (Cafa), algo como “Lei da Justeza das Ações Coletivas”.
ConJur — Lei federal?
Bruno Dantas —
 Sim, não é comum o Congresso americano fazer uma intervenção tão drástica na federação. Mas o Congresso detectou o seguinte: alguns estados estavam se notabilizando como uma espécie de ímã para ações coletivas, porque a suprema corte daquele determinado estado é liberal, pró consumidor. E aí, todo mundo vai para aquele estado obter sentenças favoráveis. Aqui, a legitimidade para propor ações civis públicas é delimitada, é alguém que a lei reconheceu como representante adequado. Lá, não. Por isso, lá essa lei foi um tiro de canhão nas class actions.
ConJur — E qual foi a intervenção da Suprema Corte?
Bruno Dantas —
 Foram dois casos. Amchem Products vs Windsor, de 1997, e Ortiz vs FibreboardCorp, de 1999. São casos seminais no estudo das class actions, porque foi neles que a Suprema Corte identificou o problema que eu apontei no meu livro: quando não se tem uma técnica que conduza à proteção de determinados direitos, o que o advogado faz é tentar encaixar o problema de maneira artificial na técnica que existe. Estava havendo uma homogeneização artificial de grupos de pessoas para se poder ajuizar uma ação coletiva. Ou seja, nem todo mundo tinha uma demanda parecida, havia subclasses no grupo. E a lei levou em consideração essas decisões por entender que havia demandas que estavam sendo sufocadas dentro daquele grupo. E lá nos EUA, isso é um problema grave, porque a coisa julgada impede que sejam propostas ações individuais.
ConJur — Como a lei contribuiu para a solução desses problemas?
Bruno Dantas —
 A lei trouxe duas inovações muito importantes. A primeira foi a fase de negociação coletiva, que não é judicial, mas é reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência. A segunda foi uma limitação muito rigorosa da certificação da class action, que envolve o reconhecimento do autor da ação como representante adequado do grupo. Teve outra novidade importante, que foi a chamada MDL, ou Multi District Litigation. São cortes que julgam casos que envolvem conflitos que ultrapassam as fronteiras de um estado, e isso resultou em críticas muito severas por lá por causa do federalismo, que eles levam muito a sério. O problema lá é que esse mecanismo só se instala em cortes federais, deslocando a competência da Justiça Distrital para a Justiça Federal, o que eles entendem que viola a cláusula federalista da Constituição.
ConJur — Agora, se os problemas americanos são os mesmos que os brasileiros nesse tema, como eles usam muito mais as ações coletivas do que aqui?
Bruno Dantas —
 Lá, como tinham um sistema de class actions consolidado, em vigor desde os anos 1950, com a a Rule 23, que existe desde os anos 1960, foi modificada nos anos 1970 e depois drasticamente mudada em 2005 pela Cafa (Class Action Fairness Act) e antes pela Suprema Corte. Mas a realidade mostra que a vida das ações coletivas nos Estados Unidos não tende a ser fácil. E justamente por criar um contencioso como profissão. O sujeito tem como profissão fabricar um contencioso. E aqui aderimos à solução inglesa e à solução alemã.
ConJur — Como são essas soluções?
Bruno Dantas —
 Na Inglaterra, eles têm o Group Litigation Order, que chamam pela sigla, GLO. A corte expede uma ordem para que um grupo de pessoas litigue conjuntamente. E aí, a partir dessa ordem, o juiz está autorizado a escolher um caso piloto, que eles chamam de test claim, uma ação teste, ela é julgada e as questões de fato e de direito dessa test claimprojetam eficácia na outras ações idênticas.
ConJur — E na Alemanha?
Bruno Dantas —
 Foi a mesma coisa. Começou com o contencioso de massa do mercado de capitais, por conta daquela fraude do balanço da Deutsche Telekom. Houve uma maquiagem no balanço, aquilo foi descoberto dois anos depois e deu um tremendo prejuízo aos acionistas minoritários. Resultou numa chuva de 16 mil ações individuais. Como lá eles têm uma regra de prevenção mais específica do que aqui, todas as ações foram para um juízo empresarial para disputas societárias de Frankfurt. Então, só para o juiz expedir todos os mandados de citação e intimação das defesas foram meses e meses. Isso levou um grupo de advogados a levar a questão à Corte Constitucional para dizer que aquela situação violava a constituição alemã por denegação de justiça. O pedido era para declarar o estado de inconstitucionalidade daquela situação.
ConJur — Mais uma solução pela Corte Constitucional?
Bruno Dantas —
 Na verdade, a corte, ao julgar essa representação, entendeu que não seria o caso de condenar o Judiciário e o Legislativo – porque lá a Corte Constitucional não faz parte do Judiciário, ela é meio que um poder moderador que paira sobre os demais. Mas entendeu que a situação tenderia à inconstitucionalidade, a uma violação de garantias fundamentais previstas no texto constitucional. Só que antes de o julgamento acabar, o Parlamento alemão se antecipou e aprovou uma lei de julgamentos piloto no mercado de capitais.
ConJur — Com essa especificidade?
Bruno Dantas —
 Veja que os alemães têm tanta cautela com o processo coletivo que criaram uma lei com prazo de validade só para resolver aqueles casos pontuais. E só no mercado de capitais. Não se tratava de processo coletivo, se tratava de uma técnica parecida com o nosso incidente de demandas repetitivas. É diferente de um cara chegar lá e substituir todo mundo.
ConJur — Isso tudo foi discutido no CPC?
Bruno Dantas —
 Esse foi um tema muito debatido na comissão, e ainda bem que tínhamos juristas muito bem preparados, que conhecem muito de direito comparado, como o José Miguel Medina, Thereza de Arruda Alvim Wambier, Paulo César Pinheiro Carneiro, para discutirmos em alto nível. Mas na raiz disso tudo estava a nossa convicção de que deveríamos fugir do que chamei num artigo recente de “idelogia coletivizante”.
ConJur — A que se referiu, nesse artigo?
Bruno Dantas —
 Criei essa expressão para dizer que havia um movimento doutrinário no Brasil para querer que todos os nossos problemas fossem resolvidos pelo processo coletivo. Mas o Congresso rejeitou essa solução e, nessa pesquisa criteriosa que eu fiz, mostrei que os Estados Unidos estão com dificuldade com essa ideologia coletivizante. O maior problema é o do modelo que não cabe numa roupa. Se ele não cabe, você começa a cortar os braços, as pernas, mas não dá para fazer isso. E era o que estava acontecendo no Brasil: ações coletivas criadas artificialmente, chamando de homogêneos direitos individuais que não eram tão homogêneos assim. Isso criou um problema grave, de sentenças coletivas de difícil execução e liquidação. Muitas vezes a liquidação era mais difícil que o processo em si.
ConJur — Isso chegou a acontecer?
Bruno Dantas —
 Há muitos casos. E era um processo inútil, essa é a verdade. Porque tem uma sentença coletiva que define responsabilidades, mas a liquidação de sentença coletiva ou é por artigos ou é por arbitramento. Se fizer por artigo, tem que ter cognição, tem que alegar e provar determinadas circunstâncias fáticas. Se fizer por arbitramento, tem que ter um perito, assistentes periciais, alguém vai ter que arbitrar etc. A sentença coletiva passa a ter pouco valor.
ConJur — Então todas essas questões acabaram resolvidas no CPC?
Bruno Dantas —
 No fundo, o que eu fui fazer nos Estados Unidos foi investigar minha inquietação de doutrinador, porque a solução dogmática foi dada pelo CPC, que foi criar o incidente de resolução de demandas repetitivas. E, mais importante, nos afastando dessa ideologia coletivizante, dessa homogeneidade artificial que se pretendia fazer aqui no Brasil.
ConJur — Isso inclusive chegou a passar no novo CPC, com a possibilidade de o juiz transformar a ação individual em coletiva, de ofício, não foi?
Bruno Dantas —
 Aquilo era um intervenção brutal do estado na autonomia privada e, felizmente, foi vetado. Era o artigo 333, que foi vetado pela presidente Dilma. Foi a pá de cal na ideologia coletivizante no Brasil. Cheguei a chamar esse instituto de desapropriação do direito do cidadão de propor sua ação individual.
ConJur — A ideia dele era justamente dar meios para os cidadãos terem seus direitos representados perante grandes empresas ou o Estado.
Bruno Dantas —
 É fácil pensar no coitadinho que vai brigar com uma empresa e é incluído numa ação coletiva, mas esse exemplo é inadequado.
ConJur — Qual seria o adequado?
Bruno Dantas —
 Imagine uma empresa que tenha uma área grande no setor urbano aqui de Brasília cujo valor seja estimado em R$ 50 milhões. Aí o Distrito Federal resolve construir um aterro sanitário ao lado do terreno dessa empresa, o que vai afetar diretamente o valor de seu terreno. Ela vai tentar impedir que o aterro seja feito ali, contratar a melhor banca de advocacia que ela encontrar, pagando honorários caríssimos, contratar peritos muito bem remunerados e ajuizar uma ação individual. E aí o juiz resolve dizer: “Entendo seu argumento, mas esse aterro não interfere só no valor das suas terras, também fere o direito das comunidades carentes que são vizinhas. Então, vou converter essa ação individual em coletiva e passar isso para o Ministério Público”.
ConJur — Sai de um escritório para um promotor.
Bruno Dantas —
 Claro que o Ministério Público ainda tem mais estrutura que a Defensoria, mas imagine um promotor de Justiça que tem lá em seu escaninho outras 400 ações coletivas e compare com o grande escritório muito bem remunerado que a empresa acabou de contratar para tentar resolver o problema dela. Essa empresa vai ser patrocinada pelo MP? Nem acho que essa transformação da ação individual fosse criar problemas para a massa de cidadãos, mas havia um germe ideológico perigosíssimo nesse dispositivo.
ConJur — Dá pra concluir que o objetivo da viagem foi, então, suprir uma falta de vocabulário doutrinário e acadêmico sobre essas questões.
Bruno Dantas —
 O problema é que a gente estuda pouco Direito Processual americano. Essa é que é a verdade. Temos pouca gente escrevendo e estudando sobre Direito americano, e precisamos olhar um pouco mais para os Estados Unidos, porque eles têm uma visão muito pragmática do processo. Há uma anedota do professor italiano Michele Taruffo, ídolo de todo processualista brasileiro, que, certa vez, perguntado por estudantes no que eles deveriam prestar atenção, disse: “Se vocês querem estudar o futuro do processo, têm de ir para os Estados Unidos”. Um italiano falando isso.
ConJur — A que o senhor se refere quando diz que os Estados Unidos têm uma visão pragmática do processo?
Bruno Dantas —
 Por exemplo, ao efeito da coisa julgada. Aqui no Brasil, a gente tem uma regra de ouro, que é a limitação objetiva da coisa julgada. Ou seja, só se sujeita à coisa julgada aquilo que está delimitado no pedido, porque existe o princípio da congruência ou da correlação entre o pedido e a sentença. Como o juiz só pode decidir aquilo que o autor pediu, a coisa julgada só abrange aquilo que foi pedido. Portanto, se o autor pede uma coisa com uma razão de pedir e perde, pode, tranquilamente, pedir a mesma coisa com outra causa de pedir.
ConJur — E nos EUA não existe isso?
Bruno Dantas —
 Os americanos têm resistências tremendas a isso. Eles não enxergam a causa de pedir, mas o conflito material que está apresentado no processo. Então, se o conflito é único, ainda que você tenha dez causas de pedir, quando o Judiciário decide aquele conflito, não pode usar as outras nove causas de pedir para propor nove ações. Aqui é muito comum pegar um conflito único e propor uma ação com base numa causa, depois outra com outra causa e aquilo sai do controle. É o que a professora Thereza Wambier chama de ação que tem filhotes. Até tentamos resolver isso no CPC, criando uma regra preclusiva para a coisa julgada e de ampliação dos limites objetivos para ela. Isso se estenderia também para questões incidentais, às questões prejudiciais discutidas na sentença, mas desapareceu na Câmara.
ConJur — Muitos juristas têm apontado que o Brasil caminha rumo ao common law. O próprio ministro Teori Zavascki, processualista de formação, já disse isso. Concorda?
Bruno Dantas —
 Concordo. Mas a visão dele está correta sob o prisma brasileiro. Tem um professor americano chamado Guido Calabrese, da Universidade Yale, que escreveu um livro chamado Common Law for the Age of Statute, ou seja, common law para a era dos estatutos, ou das leis escritas. Portanto, não é só o civil law que se aproxima do common law. O contrário também acontece. Tanto é que na Inglaterra foi aprovado um código de processo civil, e há um movimento do American Law Institute — uma congregação de advogados de todo o Estados Unidos, talvez equivalente a um Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) — para a estruturação dos princípios dos processos coletivos, princípios disso e daquilo outro. São princípios do direito das obrigações que, no fundo, são estruturados em forma de lei. Embora não sejam textos legais, estão organizados como se fossem códigos. Então, o ministro Teori vai na mosca quando fala isso.
ConJur — Mas a recíproca é verdadeira.
Bruno Dantas —
 Claro. Isso também está sendo dito pelos americanos. Diversos estados de lá estão editando códigos por entender que leis escritas dão mais estabilidade ao direito. Numa era em que você precisa de decisões rápidas, é mais fácil ter uma matriz de onde irradia um padrão decisório, que é a lei.
Revista Consultor Jurídico, 3 de julho de 2016.