sexta-feira, 12 de novembro de 2010

CNJ pune juiz por negar aplicação à Lei Maria da Penha

            Em sessão do dia 09 deste mês, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, por 9 votos a 6, afastar por dois anos o juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas (MG) que considerava inconstitucional a Lei Maria da Penha, quando julgava ações movidas contra homens agressores de suas parceiras.

            Em 2007, o juiz proferiu sentenças, onde classificou a norma de "conjunto de regras diabólicas",  "monstrengo tinhoso" e em um de seus despachos afirmou que "as desgraças humanas começaram por causa da mulher".

            Em sessão plenária, os 15 conselheiros do CNJ foram unânimes quanto à necessidade de punir o magistrado, divergindo apenas quanto ao tipo de punição: seis deles votaram pela aplicação da censura, mas acabou prevalecendo o voto do relator Marcelo Neves no sentido de afastar o juiz de suas funções por usar em suas decisões uma linguagem discriminatória a preconceituosa. O relator comparou as declarações do juiz com o racismo: "Não se trata de um crime de racismo, mas há uma relação de analogia com esse tipo penal".

           Acompanhando o relator, o vice-presidente do CNJ, ministro Ayres Brito, foi enfático: "O juiz decidiu de costas para a constituição". Para o conselheiro Felipe Locke, o juiz mostrou ser uma pessoa "absolutamente preconceituosa" e "incompatível com o Estado democrático de direito". Argumentando sobre a falta de equilíbrio, a postura do magistrado também foi criticada pelo conselheiro Jeferson Kravchychyn. Já o conselheiro Marcelo Nobre disse lamentar que o magistrado "pense assim do gênero que lhe concedeu a vida".

            Com a decretação da pena de disponibilidade, prevista na Lei Orgânica da Magistratura, o juiz receberá no período salário proporcional ao tempo de serviço e poderá pleitear a volta ao trabalho após dois anos de afastamento.

            É de se lamentar, que após tanto esforço para a sua aprovação e apesar das medidas judiciais estabelecidas pela Lei Maria da Penha - classificada pelo Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher) como uma das melhores legislações do mundo - sua real aplicação ainda encontre resistência no sistema judiciário brasileiro.

            Esse comportamento vai na contra mão da postura mundial sobre o assunto, quando as causas e os efeitos da violência na vida das mulheres são questões de extrema preocupação e objeto de trabalho das Nações Unidas, redundando na recente criação da ONU Mulheres - Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres.

            Essa preocupação faz sentido também no Brasil onde o "Mapa da Violência 2010" feito pelo Instituto Sangari, registrou a média de dez assassinatos de mulheres por dia no Brasil, entre 1997 e 2007. De acordo com a Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), 45% das mulheres da região já foram ameaçadas, de alguma forma, por companheiros ou ex-companheiros.

             Na verdade, expostas às coações de seus agressores, as mulheres estão vulneráveis aos inoperantes mecanismos do Estado, que não lhes garante a proteção devida para que suas vidas sejam preservadas.

             A propósito, serve como exemplo o caso de Eliza Samudio, que, grávida, havia pedido proteção ao Estado 8 meses antes de desaparecer. Afirmando haver sido sequestrada por seu namorado, o goleiro Bruno, do Flamengo e temendo novas agressões, formulou pedido de proteção à Vara de Violência Doméstica em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. O pedido teve a seguinte  tramitação pela burocracia judiciária: de início, o caso foi considerado como não sendo de violência doméstica porque Bruno e Eliza não eram casados e foi enviado para a Vara Criminal. Remetido à Delegacia de Polícia, virou inquérito policial e foi ao Ministério Público, que deu o singelo despacho: "Junte-se aos autos". E assim, o caso continuou paralisado nos meandros da burocracia, até que a tragédia aconteceu. Indagado, o Delegado respondeu que não fora pedida urgência para o caso. E precisava?

             Esse triste exemplo, como tantos outros, mais uma vez demonstra o descaso com os pedidos de proteção para que a vida das mulheres sejam preservadas. O argumento de que não se tratava de violência doméstica não se sustenta. A Lei nº 11.340, de 2006 (Lei Maria da Penha), não foi criada apenas com o intuito de proteger a violência doméstica no sentido estrito. Seu artigo 5º é de uma clareza a toda prova ao esclarecer que "é considerada violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, praticado não apenas no âmbito da família ou da unidade doméstica, como também em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coação".

            Não deixa de ser louvável a atitude do CNJ ao punir o juiz, que além de se recusar a aplicar a lei fez contra ela críticas descabidas e preconceituosas, mas para o fim da violência contra as mulheres  torna-se  necessário uma mudança de postura da sociedade, principalmente dos homens.

            Nas palavras de Rebecca Reichmann Tavares, representante do Unifem Brasil e Cone Sul, "a violência contra as mulheres é inaceitável, indesculpável e intolerável".