sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Lewandowski entrega ao Congresso Nacional relatório anual do CNJ

O ministro Ricardo Lewandowski,Presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), entrega na segunda-feira (2/2) ao Congresso Nacional o relatório anual do CNJ, referente às atividades do Conselho em 2014. O documento traz o balanço dos programas e ações do órgão e sua movimentação processual no ano passado. A entrega do relatório ocorre durante a abertura da sessão legislativa, conforme estabelece o inciso VII do Parágrafo 4º do artigo 103-B da Constituição Federal. 

O texto relata, entre outros pontos, a realização de 25 sessões plenárias, sendo 20 sessões ordinárias e cinco extraordinárias, quando foram analisados 770 processos, entre atos normativos, pedidos de providências e procedimentos de controle administrativo. 

Em 2014, foram recebidos 7.088 processos e 8.424 foram arquivados. Tendo como missão constitucional aprimorar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, o CNJ expediu 14 Resoluções e quatro Recomendações a fim de que a prestação jurisdicional seja realizada com eficiência, efetividade e moralidade. Dentre as resoluções publicadas, está a de nº 197/2014, instituindo o Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e efetividade das demandas relacionadas ao tráfico de pessoas (FONATRAPE), para estudar e propor medidas mais eficientes em relação ao tema no plano judiciário. 

Também foi editada a Resolução 190/2014, permitindo a inclusão dos pretendentes domiciliados no exterior (brasileiros ou estrangeiros, devidamente habilitados nos tribunais estaduais) no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Já no campo das recomendações, o plenário do Conselho aprovou, dentre outras, a de nº 49, destinada a garantir a apuração de crimes de tortura em estabelecimentos prisionais e no sistema socioeducativo do País. 

O texto orienta os magistrados a observarem o cumprimento das regras do Protocolo de Istambul, da Organização das Nações Unidas (ONU), e do Protocolo Brasileiro de Perícia Forense, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).

Outra recomendação aprovada, a de nº 47, orienta juízes de direito e Tribunais de Justiça a promoverem mutirão para realização da Semana Nacional do Tribunal do Júri, especialmente com processos afetos ao alcance da Meta 4 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), que prevê o julgamento, até outubro de 2014, de todas as ações penais de homicídios dolosos que tenham recebido denúncia até 31 de dezembro de 2009.

No campo correcional, houve 10 correições ou inspeções visando a melhoria dos trabalhos em unidades judiciárias. Deram entrada na Corregedoria Nacional de Justiça 4.772 processos e finalizados 5.766. Seguem em tramitação no CNJ 2.953 ações. Foram punidos por decisão dos conselheiros, cinco magistrados, dos quais dois foram aposentados compulsoriamente, um punido com pena de disponibilidade e dois com advertência. 

Mutirões – Em 2014, o CNJ aprimorou o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), assim como o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), além de outros sistemas digitais de acompanhamento de trabalho. Os Mutirões Carcerários, projeto instituído desde 2008 e que promove a inspeção de estabelecimentos penais e de processos, visando o cumprimento da Lei de Execuções Penais, analisaram 4.816 processos em nove Estados, tendo concedido 1.444 benefícios. 

Também nesse ano o CNJ desenvolveu uma série de ações, dentre elas de capacitação voltada aos servidores do Poder Judiciário e também aos demais cidadãos brasileiros. Foram abertas 22.558 vagas em cursos a distância por meio do Centro de Formação e Aperfeiçoamente dos Servidores do Poder Judiciário (CEAJud). 

Na busca pela transparência, eficiência e modernização das Cortes brasileiras, o CNJ promove, há nove anos, a Semana Nacional de Conciliação. O esforço concentrado para conciliar o maior número possível de processos em todos os tribunais do País mobilizou mais de 17 mil pessoas, dentre magistrados, juízes leigos, conciliadores, servidores e colaboradores. Das 258 mil audiências ocorridas, foram conciliadas mais de 50%. Nesta edição, foram feitas parcerias com alguns grandes demandantes para incentivar um maior número de propostas conciliadoras. 

O CNJ também tem desenvolvido ações para sanar a morosidade, um dos principais problemas do Judiciário brasileiro. Entre essas medidas, destaca-se o Processo Judiciário Eletrônico (PJe). Em 2014, com a atuação da Comissão de Tecnologia da Informação e Infraestrutura, deu-se o início da implantação do sistema PJe em 13 tribunais estaduais, onde já tramitam, neste sistema, 330.000 feitos em 450 unidades judiciárias. 

A implantação do PJe no CNJ foi realizada com o objetivo de agilizar os trâmites judiciais e proporcionar maior segurança dos atos praticados. No âmbito do Conselho Nacional de Justiça, tramitam no PJe 50.756 processos, em 15 gabinetes. 

Publicação Anual – O relatório anual do CNJ, que funciona como uma espécie de "prestação de contas" de sua atuação, tem 188 páginas e traz um balanço dos programas e ações do órgão, sua movimentação processual no ano passado, e as principais atividades ao longo do exercício de 2014. 

Dividido em três partes, inicialmente apresenta a estrutura orgânica do Conselho, com a distribuição funcional das unidades que o compõem e uma síntese das atribuições de seus órgãos.

A seguir, o documento apresenta o Mapa Estratégico e os principais dados orçamentários do Poder Judiciário da União e do próprio CNJ, bem como da Justiça Estadual. Na terceira parte do relatório foram incluídas as principais ações desenvolvidas ao longo do ano.

As sessões ordinárias do Conselho Nacional de Justiça estão previstas para começar no dia 3 de fevereiro, um dia após a abertura do Ano Judiciário de 2015, que ocorre nesta segunda-feira, no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), e marca o início dos julgamentos dos processos neste ano. O Plenário se reúne na sede do CNJ, em Brasília, a cada 15 dias. 

Veja aqui a íntegra do Relatório Anual. 

Agência CNJ de Notícias.



Agência CNJ de Notícias

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Direitos do cidadão que viaja de avião

Lanche, telefonemas, milhas, diárias. Ao escolher viajar pelos ares, o cidadão brasileiro tem a seu favor algumas prerrogativas que o protegem em casos de alteração, atraso, interrupção ou cancelamento do voo contratado. Uma cartilha, elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na época da Copa do Mundo, fornece explicações simples e detalhadas sobre os direitos do passageiro. 



Problemas relacionados aos direitos dos consumidores de companhias aéreas podem ser resolvidos nos juizados especiais que alguns Tribunais de Justiça mantêm nos aeroportos. Atrasos de voos, overbooking e extravio de bagagem são algumas das situações mais comuns levadas a esses juizados. 



Entre os direitos dos passageiros, está o relacionado à comunicação, desde a primeira hora da ocorrência de um atraso no voo. A comunicação pode ser proporcionada pela internet ou pelo telefone. A partir de duas horas de atraso, a companhia aérea deve proporcionar aos passageiros alimentação adequada proporcional ao tempo de espera até o embarque (voucher, lanche, bebidas, etc.). 



Quando o atraso supera quatro horas, é possível requerer acomodação em local adequado (espaço interno do aeroporto ou ambiente externo em condições satisfatórias para aguardar reacomodação) ou hospedagem e transporte ao local da acomodação. 
Leia com atenção as situações que podem ocorrer com o passageiro e seus direitos aqui.



Conciliação e indenização – O atendimento no Juizado Especial é gratuito e tem por objetivo solucionar questões que envolvam valores de até 20 salários mínimos, sem a necessidade de advogado. Cada juizado possui uma equipe de funcionários e conciliadores sob a coordenação de um juiz, que tentará solucionar os conflitos por meio de um acordo amigável entre os viajantes e as companhias aéreas ou órgãos do governo.



Se não houver conciliação, o processo é encaminhado e redistribuído ao Juizado Especial Cível da comarca de residência do passageiro para prosseguimento e julgamento.



Vale lembrar, no entanto, que o consumidor pode se dirigir primeiramente à empresa aérea contratada para reivindicar seus direitos. Afinal, com a compra da passagem aérea, fica estabelecido entre a empresa e o cidadão um contrato de transporte. 



Também é possível registrar uma reclamação contra a empresa aérea na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que pode aplicar sanção administrativa à empresa, caso seja constatado o descumprimento das normas da aviação civil.



Para reivindicar indenizações por danos morais ou materiais, o consumidor deve consultar os órgãos de defesa do consumidor ou se dirigir aos juizados especiais cíveis. Nestes casos, é importante guardar o comprovante do cartão de embarque, os comprovantes dos gastos eventualmente realizados (alimentação, transporte, hospedagem e comunicação) ou documentos relacionados à atividade profissional que seria cumprida no destino.



Criados em 2007 para agilizar o atendimento de demandas dos passageiros de empresas aéreas, os juizados especiais dos aeroportos são operados pelos Tribunais de Justiça estaduais. 



Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias (com informações da ANAC)




Confira abaixo a localização e os contatos dos juizados dos aeroportos:



Bahia
Aeroporto Internacional de Salvador
Local: Saguão de Desembarque – Térreo
Horário: 7h às 19h
Telefone: (71) 3365-4468

Distrito Federal
Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília
Local: Próximo aos estandes de venda de passagens aéreas, no 1º andar.
Horário: Todos os dias, das 6h às 0h.
Telefone: (61) 3365-1720

Mato Grosso
Aeroporto Marechal Rondon, em Cuiabá
Local: Térreo, ao lado da casa de câmbio.
Horário: Segunda a sexta, das 8h às 19h.
Telefone: (65) 9239-3315

Minas Gerais
Aeroporto de Confins 
Local: Setor Comercial, sala 11, Ala Internacional do Aeroporto.
Horário: Todos os dias, das 7h às 18h.
Telefone: (31) 3689-2802

Pernambuco
Aeroporto Internacional do Recife / Guararapes - Gilberto Freyre
Local: 1º andar, Ala Sul (próximo ao Check-In Sul)
Horário: Funcionamento: de domingo a domingo, das 7h às 19h
Telefone: (81) 3181-9139

Rio de Janeiro
Aeoporto Internacional Tom Jobim / Galeão
Local: 3º andar, em frente ao check-in da TAM internacional.
Horário: Todos os dias, 24 horas.
Telefone: (21) 3353-2992

Aeroporto Santos Dumont
Local: Prédio de embarque em sala situada próximo à área de check-in e ao posto médico.
Horário: Todos os dias, das 6h às 22h.
Telefone: (21) 3814-7763

Rio Grande do Norte
Aeroporto Internacional de Natal / São Gonçalo do Amarante
Local: Subsolo do aeroporto.
Horário: 10h às 21h. 
Telefone: (84) 3343-6287

São Paulo
Aeroporto Internacional de Guarulhos / Cumbica
Local: Terminal 1, Asa B, no corredor atrás dos balcões de check-in das empresas aéreas e ao lado do posto médico.
Horários: De segunda a sexta, das 11h às 22h. 
Sábados, domingos e feriados das 15h às 22h.
Telefone: (11) 2445-4728

Aeroporto de Congonhas
Local: Mezanino do saguão principal do aeroporto, ao lado do posto dos Correios.
Horários: De segunda a sexta, das 10h às 19h. 
Sábados, domingos e feriados das 14h às 19h.
Telefone: (11) 5090-9801/ 9802/ 9803

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Novo CPC: mudança na orientação do ensino do Direito

NOVO CPC PODE CONTRIBUIR PARA MUDANÇA NA ORIENTAÇÃO DO ENSINO DO DIREITO
Por Rafael Tomaz de Oliveira
A aprovação do Novo Código de Processo Civil pelo Senado Federal, no crepúsculo da sessão legislativa de 2014, foi certamente o principal assunto jurídico a movimentar esse início de 2015. Esta ConJur publicou, quase diariamente, manifestações de juristas que teceram críticas ao texto aprovado ou especulam sobre o futuro da nova codificação — que ainda precisa ser sancionada e promulgada pela Presidente da República para se tornar, formalmente, lei.
Minha intenção com a coluna deste sábado é realizar algum prognóstico com relação às possíveis alterações que o advento desta nova ordenança processual pode provocar em nossa sedimentada cultura de ensino do direito. Dito de outro modo, existem determinadas disposições do novo CPC que tendem a forçar os limites daquilo que tradicionalmente se ensina a respeito de alguns conceitos fundamentais para nossa cultura jurídica, tais quais, jurisdição, jurisprudência, fundamentação das decisões etc.
Essa análise terá como foco os aspectos que considero acertados e que me fazem ver com bons olhos a nova codificação que está por vir. Esse dado inicial não exclui, contudo, eventuais críticas pontuais que, como disse no início, estão sendo apontadas por diversos juristas.
De um modo geral, o aparecimento dessa nova legislação processual dá continuidade à reforma do judiciário que, em sede constitucional, foi levada a cabo em 2004. Muito antes disso já se afirmava que a chamada “crise do judiciário” apresenta/apresentava ao menos três facetas: a) institucional; b)funcional; e c) processual. As faces institucional e funcional foram, de algum modo, enquadradas pela Emenda Constitucional 45/2004. Seu sucesso, em verdade, ainda é questionável. A face processual, de outra banda, vinha sendo implementada à conta gotas, há muito tempo. Primeiramente, por meio de reformas parciais. Agora, intenta-se enfrentar o problema a partir de um reforma total (de fato, para muitos, o CPC/1973 já não era, exatamente, o CPC/1973, mas, apenas, uma frouxa colcha de retalhos, despida de “unidade principiológica”).
Com efeito, quando o navio começa a “fazer água”, melhor trocá-lo por outro do que continuar a fazer pequenos consertos em seu casco. Mas essa troca exige um ajuste básico de premissas. Como se sabe, mudar a lei não resolve problemas da realidade. Mas, evidentemente, mantê-la como está também não. Portanto, para que haja mesmo alguma alteração na rota, é preciso que haja, juntamente com a mudança legislativa, uma mudança de imaginário capaz de alterar alguns padrões culturais sedimentados. E, obviamente, essa mudança começa no banco das universidades. Não adianta absolutamente nada o esforço de se alterar um Código se, no momento seguinte, continuamos a retratá-lo para os nossos alunos do mesmo modo que o fazíamos com CPC/1973. E os acadêmicos precisam igualmente se esforçarem para encontrar novos níveis de leitura que possam ser aplicados à nova legislação.
Tenho, aqui, alguns pontos que me parecem importantes de serem destacados a título de uma compreensão global do novo CPC e que refletem, inexoravelmente, em outras disciplinas jurídicas.
O primeiro ponto diz respeito a uma alteração de coordenadas com relação ao conceito de jurisdição. No Direito brasileiro, tradicionalmente, prevalece uma cultura estatalista em torno da jurisdição. Nesse sentido, em sendo a jurisdição uma manifestação da soberania estatal em sua dimensão deimperium, só haveria jurisdição onde houvesse Estado (daí a regular referência em nossa processualística à figura do estado-juiz). O alto grau de judicialização que pode ser percebido em nossa sociedade bebe dessa fonte. Aprendemos, nos bancos da faculdade, que o monopólio da solução dos conflitos é do Poder Judiciário. E, em consequência, o desenvolvimento de culturas alternativas de solução de conflitos sempre foi relegado a um segundo plano. Aliás, na maioria dos currículos universitários atuais, disciplinas que abordem com profundidade as figuras da arbitragem e da mediação, continuam inexistentes. Quando muito, figuram como matérias ou atividades optativas.
O novo CPC, por seu turno, procura dar destaque a tais mecanismos, mencionando-os já em seu artigo , parágrafos 1º e 3º. É verdade que, no artigo 16, o Código afirma que a “jurisdição civil” é exercida por “juízes e tribunais”. Mas, é preciso ler tal disposição a partir de um contexto mais amplo. Como lembra Francisco Borges Motta, se a jurisdição vinha sendo tradicionalmente tratada pela doutrina ora como um poder-dever, substitutivo das partes, de aplicação do direito objetivo ao caso concreto (na linha de Chiovenda), ora como a atividade de justa composição da lide (seguindo Carnelutti), é chegada a hora de pensá-la a partir de uma visão constitucional, que estabelece um dever de produção de decisões legítimas que devem ser confirmadas de dois modos: por um lado, deve ser produto de um procedimentoconstitucionalmente adequado, por meio do qual se garanta, aos interessados,participação; por outro, a decisão deve estar fundamentada numa interpretação dirigida à integridade (dupla dimensão da resposta correta).[1]
De outra banda, como corolário do que foi dito acima, existe uma necessidade maior de atenção, qualitativa, às decisões judiciais. Com efeito, o artigo 486, parágrafo 1º estabelece analiticamente os requisitos para que uma decisão possa ser considerada fundamentada. Trata-se de um elemento que deverá transformar o ensino do direito uma vez que, no contexto atual, não possuímos padrões normativos claros para estabelecer o que significa uma decisão fundamentada de modo a dar efetividade ao artigo 93IX da Constituição de 1988.
Além disso, o artigo 10 consagra a dimensão dinâmica do contraditório — na linha do que já vinha decidindo o STJ com relação à proibição de decisão surpresa — dando maior dimensão de controle das decisões judiciais.
Por certo, tais dispositivos não podem levar à conclusão de que o novo CPCapequena o Poder Judiciário ou que, de igual forma, estaria retirando-lhe poderes constitucionais. Pelo contrário, o novo CPC nos livrará de alguns fósseis jurídicos (como é o caso do livre convencimento motivado, retirado do texto a partir de uma batalha de Lenio Streck), e, ao mesmo tempo, dará maior dimensão pública às decisões judiciais. Os poderes instrutórios do juiz, em grande medida, permanecem (v. G. 386, parágrafo único). O que se modifica é a dimensão democrática que reveste tais decisões: ao invés de um ato isolado do juiz, a decisão sobre tais matérias passa a ser fruto de um diálogo efetivo com as partes; fruto de efetiva oportunidade de participaçãono procedimento.
O código também trará uma regulamentação inédita sobre a jurisprudência e os tais “precedentes”. Independentemente das críticas que podem ser oferecidas a alguns pontos específicos dessa regulamentação, o fato é que tais disposições devem impulsionar as universidades e os professores das disciplinas de introdução ao estudo de direito ou de teoria do direito em dar maior atenção ao estudo das famílias ou culturas jurídicas e a tendência de aproximação entre os modelos do common lawe do civil law.
Ao mesmo tempo, será preciso maior atenção com relação a uma preocupação da teoria jurídica de países do common law, na medida em que o código apresenta, na cabeça de seu artigo 924, a necessidade de manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente, em nova emenda que teve a ativa participação de Lenio Streck (para uma explicação pormenorizada, cliqueaqui).
Esses três pontos, em conjunto, parecem-me determinar, necessariamente, mudanças substanciais no modo como estudamos e ensinamos o Direito. Há outros aspectos relevantes nesse sentido. Porém, nos limites dessas reflexões, estou contente com estes. O que será feito de tais disposições, dependerá, diretamente, do agenciamento de novas estratégias de pesquisa e ensino. Envolverá uma maior engajamento, tanto dos docentes quanto dos discentes. E não podemos agir tal qual os professores e alunos daquele curso de ética uma vez sugerido, ironicamente, por Woody Allen: “O imperativo categórico e seis maneiras de fazê-lo funcionar a seu favor”.
[1] MOTTA, Francisco José Borges. Ronald Dworkin e a construção de uma teoria hermeneuticamente adequada da decisão jurídica democrática. Tese de doutoramento defendida na Unisinos-RS, 2014. Cf., também, STRECK, Lenio Luiz, Verdade e Consenso. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, passim.
Revista Consultor Jurídico

domingo, 25 de janeiro de 2015

Juizados Criminais associam redução da criminalidade ao consenso

Estatísticas indicam que a criminalidade não para de subir, e quer somente a condenação não é suficiente para resolver o problema. Com o surgimento dos juizados criminais, a partir da Lei nº 9.099/1995, o tratamento das infrações de menor potencial ofensivo ganhou perspectiva mais educativa que punitiva, apontando que o consenso pode ser a melhor solução para evitar novos delitos. 


De acordo com o juiz Guilherme Madeira, especialista em processo penal, não se pode comparar macrocriminalidade com infrações de menor potencial ofensivo. “É razoável tratar esses autores de maneira diferente”, ponderou ele, ao tratar sobre o tema na TV Justiça. De acordo com o magistrado, os juizados introduziram o conceito da Justiça consensual, por meio da qual o acusado tem várias chances de fazer acordos com o Ministério Público. “O objetivo do legislador com os juizados criminais é evitar que o autor seja condenado, que ele perca a primariedade”, observa.

Ex-presidente do Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje) e titular do Juizado Especial Criminal de Cuiabá, o juiz Mario Kono de Oliveira acredita que a busca de consenso revolucionou a forma de resolver os conflitos criminais. “O instituto da conciliação e da transação traz, muitas vezes, a pacificação social, a indenização da vítima e afasta a impunidade, que era bem mais elevada ante os efeitos da prescrição”, avalia. 

Competência – São competências dos juizados criminais todas as contravenções penais (Lei nº 3.688/1941) e os crimes cujas penas máximas não superem dois anos. Entre os casos analisados pelos juizados estão lesão corporal simples, omissão de socorro, ameaça, violação de domicílio ou de correspondência, ato obsceno, charlatanismo, desobediência, constrangimento, delitos de trânsito (com exceção do homicídio culposo e participação em rachas), uso de entorpecentes, e crimes contra a honra.

Nos juizados criminais, não existe inquérito policial e o objetivo é resolver a questão de forma rápida, com o menor dano possível aos envolvidos. Também são oferecidas diversas possibilidades para evitar o trâmite judicial e a condenação. “A lei só dá benefício. Quer evitar condenação porque infrações menores todos estamos sujeitos a cometê-las. Caso não haja acordo, tudo ocorre na mesma sessão, inclusive a sentença”, explica o juiz Guilherme Madeira. 

Qualquer pessoa pode acionar os juizados criminais, inclusive menores de idade acompanhados de representante legal. As reclamações só podem ser direcionadas contra pessoas físicas, com exceção dos crimes contra o meio ambiente, que podem resultar em acusação de pessoa jurídica. Em geral, não há cobrança de custas processuais e a vítima não precisa de advogado.

Drogas – De acordo com o juiz Mario Kono de Oliveira, o tema mais recorrente nos juizados criminais é o uso de drogas. “Infelizmente, o País enfrenta um grande problema social que cresce em proporções geométricas sem que se tenha encontrado, querido e desenvolvido, programas sociais eficazes para o seu enfrentamento”, observa.

Para enfrentar a questão, ele sugere o fortalecimento de núcleos de atendimento psicológico e de assistência social aos usuários e familiares – que também podem auxiliar na atenção a portadores de transtornos mentais, atores recorrentes nos juizados. O magistrado também sugere parceria com órgãos em regime de mútua ajuda, como hospitais, comunidades terapêuticas, grupos de autoajuda e prestadores de cursos profissionalizantes. 

O artigo 41 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, editada em 2006) excluiu a possibilidade de aplicar o rito dos juizados criminais em qualquer tipo de violência doméstica e familiar envolvendo mulheres. Isso significa que, mesmo nos casos de menor potencial ofensivo, haverá abertura de inquérito policial e trâmite regular do processo. 


Agência CNJ de Notícias

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Juizados Especiais democratizam o acesso à Justiça

Um dos principais conceitos da Constituição de 1988 - a democratização de acesso à Justiça - chegou a um novo patamar com a criação dos juizados especiais. Quase 20 anos depois da lei que inaugurou o sistema (Lei nº 9.099/1995), esse ramo especializado deixou de ser coadjuvante e responde por grande fatia dos processos em tramitação no Judiciário. 


Pensados como uma alternativa fácil, célere e barata de solução de conflitos, os juizados hoje correspondem a 27% dos 17,6 milhões de casos novos que chegam ao Judiciário Estadual, segundo a última edição do Relatório Justiça em Números, produzido anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na Justiça Federal, a quantidade de casos novos nos juizados já passou os registrados pela Justiça comum: 1,3 milhão contra 971 mil em 2013, quase 60% da demanda.

“Quando os juizados foram criados, esperava-se que fossem desviar ou reduzir o volume na Justiça comum, mas eles abriram uma porta para quem antes não tinha recurso para o Judiciário. Era uma demanda reprimida”, aponta o ex-conselheiro do CNJ José Guilherme Vasi Werner, juiz titular de juizados especiais no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). 

Além da facilidade de acesso, o modelo dos juizados foi responsável por inovações no tratamento do conflito, privilegiando a conciliação e o consenso para evitar a judicialização e a punição em questões de menor complexidade. A ideia deu tão certo que a conciliação ganhou status de protagonista também na Justiça comum, com previsão expressa no texto do novo Código de Processo Civil, aprovado pelo Senado no final de 2014.

Crescimento – A expectativa é que a importância dos juizados cresça ainda mais. Segundo o Justiça em Números 2014, enquanto o número de processos novos na Justiça comum de primeiro grau subiu 0,6% entre 2012 e 2013, a porcentagem nos juizados subiu 13,5% no mesmo período. Na Justiça Federal, o acréscimo foi de 0,5% nas varas comuns e de 18,6% nos juizados. 

Para o conselheiro do CNJ Guilherme Calmon, ex-coordenador dos Juizados Especiais Federais da 2ª Região, o sistema está tão sobrecarregado que corre o risco de não atender aos objetivos e às finalidades para os quais foi concebido. “Os juizados foram pensados como forma mais rápida, informal e eficaz de acesso à Justiça, mas, na prática, há exemplos de juizados que estão mais congestionados que as unidades judiciárias tradicionais”, pondera. 

Mesmo com problemas pontuais, o sistema é considerado um sucesso. Em artigo, a corregedora nacional de Justiça, Nancy Andrighi, chegou a afirmar que os juizados são um “divisor de águas” na história do Judiciário. “As mudanças trazidas por essa lei são de tamanha monta que se constituem não apenas na criação de mais um procedimento no ordenamento processual, mas institui uma nova Justiça no País”, avaliou.

A opinião é compartilhada pelo juiz Vasi Werner. “Mesmo com todas as questões que precisam de atenção, só o fato de ter aberto uma porta para que consumidores pudessem reclamar – porque antes não reclamava porque era caro – é um grande avanço”, analisa.

Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Nalini: Pessoas podem resolver melhor seus conflitos que o Judiciário

Desde que assumiu a Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, em fevereiro de 2014, o desembargador José Renato Nalini tem insistido na tese de que é preciso criar alternativas à via judicial para a solução de litígios na sociedade. Para ele não se trata apenas de uma solução para a demanda por Justiça que o Judiciário assumidamente não consegue atender. Em São Paulo, tramitam 25 milhões de processos.
Para Nalini essa é uma questão de cidadania, antes de mais nada. Em sua opinião, o cidadão está mais apto a resolver os litígios com seus concidadãos do que o Estado-juiz, um elemento estranho à causa. "Quando você participa, você é protagonista da solução.Você tem que transigir, mas você vai entender porque transigiu. A solução vai ser mais legítima".
Em entrevista para a revista Consultor Jurídico, concedida em dezembro de 2014 aos jornalistas Giuliana Lima, Paula Andrade e Mauricio Cardoso, o desembargador fez um balanço otimista de seu primeiro ano na Presidência da maior corte do país. Um dos principais êxitos, em sua visão, foi a inauguração da primeira Unidade de Processamento Judicial (UPJ), o “Cartório do Futuro”. A unidade centraliza em um único espaço as atividades de cinco cartórios do Fórum João Mendes Júnior — da 41ª à 45ª Vara Cível. “É um cartório único, todos processos vão tramitar ali, ganhar racionalidade, rapidez, uma gestão mais racional. Com isso, a tendência será a multiplicação da capacidade produtiva de cada magistrado”, comemora.
Crítico à ideia do “agigantamento de um poder” em detrimento da construção da cidadania, o desembargador pensa que quanto mais encargo se cria para o Judiciário, maior é a tutela sobre a população. “A Justiça pode implementar e aperfeiçoar a democracia, fazer com que a República atinja um grau de maturidade, ou ela pode atravancar, ser um fator impediente de que a cidadania adquira maturidade”, afirma.
Leia trechos da entrevista, onde aborda a importância da autocomposição dos litígios:
ConJur — Ano passado foi de quanto o orçamento do  Tribunal? 
Renato Nalini — Foram R$ 7 bilhões. O mínimo que nós precisaríamos era de R$ 8,3 bilhões. Então, nós continuamos com a total impossibilidade de novos impactos financeiros.

ConJur — Mas cortar despesas, simplesmente, também não é a solução?
Renato Nalini  A iniciativa mais importante dessa gestão foi tentar despertar a atenção da sociedade civil. O Judiciário sempre foi considerado um assunto de especialistas, da comunidade jurídica. Eu comecei falando o que eu acredito e repito sem me cansar: Justiça é assunto para todas as pessoas, para toda a sociedade, para os outros poderes, para o empresariado, para as organizações não governamentais, para a universidade, para todos os setores. A Justiça pode implementar e aperfeiçoar a democracia, fazer com que a República atinja um grau de maturidade, ou ela pode atravancar, ser um fator impediente de que a cidadania adquira maturidade. Nós vínhamos em uma tendência de considerar que a ampliação das atribuições da magistratura representasse um fortalecimento do Poder Judiciário. Quanto mais atribuição, quanto mais encargo, quanto mais ambiente você se assenhorear mais importante o Judiciário é. Isso pode convir de imediato ao crescimento, ao agigantamento de um poder, mas pode ao tempo apequenar a cidadania.

ConJur — Como assim?
Renato Nalini  Você vai fazendo com que a população seja cada vez mais tutelada, puerilizada, precise sempre de alguém que pegue na sua mão e traga ao Estado-juiz para resolver questões que, pelo princípio da subsidiariedade, a pessoa poderia resolver, depois a família, o grupo, o bairro. Mas hoje isso não acontece: a primeira busca é pelo Judiciário.

ConJur — Seria melhor que as pessoas não recorressem tanto ao Judiciário, então?
Renato Nalini — Não é tanto pelo fato de aliviar o Judiciário dessa excessiva, fenomenal e estupenda carga de processos. Isso pode ser um subproduto; não é desinteressante pelo que vai significar em economia. Mas o mais importante é formar uma cidadania madura, capaz de entender o que está acontecendo em relação a questões singelas, ouvir a parte contrária, exercer um contraditório. Entender o que a parte contrária quer, expor seus pontos de vista e depois chegar a uma solução muito mais ética do que aquela ditada pelo Estado-juiz. Porque o Estado tem uma atuação heterônoma, ou seja, é alguém de fora que vai decidir qual é o valor da sua dor, do seu prejuízo, do seu sofrimento, da sua angustia. Quando você participa, você é protagonista da solução. Você pode ter ficado insatisfeito porque teve de ceder, porque sem ceder em algo não há acordo. Você tem que transigir, mas você vai entender porque transigiu. A solução vai ser legítima. Você vai ter presente quais as razões que levaram a outra parte a procurar pela solução judicial ou pelo acordo. Você vai ser dono do seu destino. Eu acho que se a gente contribuir com isso, dentro de algum tempo a cidadania também vai estar apta para participar da gestão da coisa pública. Se ela sabe resolver um problema menor que a atormenta, ela vai adquirir treino para discutir questões maiores, vai saber escolher, fiscalizar. Nós vamos poder implementar a democracia participativa.

ConJur — Neste primeiro ano de gestão, o senhor já obteve alguma resposta nesse sentido?
Renato Nalini — Já. São coisas tópicas, pequenas. Quando nós começamos a disseminar essa ideia e multiplicar os Cejuscs [Centro Judicial de Solução de Conflito e Cidadania], incrementando o OAB Concilia, o Necrim [Núcleo Especial Criminal] da Polícia Civil, a mesma estratégia da Polícia Militar, chamando alunos das faculdades de direito para fazer conciliação em vez de fazer júri simulado, houve alguns elogios, algumas respostas. A constatação foi de que está dando certo. Houve sinais de que não foi uma pregação no deserto. A receptividade foi muito melhor do que eu pensei.  Para todas as comitivas que vinham aqui e falavam: “Preciso de mais vara”, eu tive que responder “Infelizmente não, tudo que for impacto financeiro não vai ter condições de fazer.”

ConJur — E como se faz para sobreviver nessa situação de penúria? 
Renato Nalini — Nós exercemos a criatividade. O Cartório do Futuro é um exemplo. É uma nova mentalidade, muito difícil de ser construída, porque nós vamos inverter aquela cultura patrimonialista que é tradicional, mais do que secular:  eu sou juiz e tenho o meu cartório, meus escreventes, meus oficiais de justiça, meu chefe, meu diretor, meu escrivão, meu oficial maior, minha sala de audiência, meu gabinete, meu isso e meu aquilo. A idéia do Cartório do Futuro é compartilhar os equipamentos que podem ser compartilhados.

ConJur — Como está a implantação do projeto? 
Renato Nalini — Nas cinco últimas varas cíveis do João Mendes, da 41ª até a 45ª, são dez juízes. Esses dez juízes passaram a trabalhar em um cartório único. Então, é uma equipe de produção que vai cuidar da tramitação dos processos em todas as varas, com uma gestão mais racional e com maior rapidez. Um dos juízes será o corregedor do cartório, mas nove outros vão ficar dedicados exclusivamente a decidir. A tendência é que o gabinete desses juízes se aproxime do padrão de funcionamento do gabinete dos desembargadores. Então, aquele pessoal que antes fazia serviço burocrático, administrativo, vai cuidar de elaborar minutas, de fazer pesquisas, de preparar decisões, preparar despachos. Com isso, a tendência será a multiplicação da capacidade produtiva de cada magistrado.

ConJur — Os gabinetes vão funcionar como uma assessoria do juiz?
Renato Nalini — Sim. O juiz só vai ter que decidir. O juiz não vai ter que cuidar de funcionário que faltou, de férias, de material. Aliando essa tendência à continuidade da informatização, que é irreversível, nós podemos prever que vamos conseguir inverter o rumo da coisa.

ConJur — Em que ponto está a informatização?
Renato Nalini — Está bem adiantada: 50% da primeira instância está informatizada. É difícil avançar porque, infelizmente, a Justiça criminal depende de inquérito policial feito em papel. A Secretaria da Segurança não investiu nada em informatização. Então nós não podemos fazer um sistema híbrido que transforme o inquérito de papel em processo judicial criminal eletrônico. As varas cumulativas, que tem tanto civil quanto criminal, ficam prejudicadas, e as varas criminais totalmente prejudicadas. É um discurso que a sociedade também tem que fazer. O inquérito policial é uma peça totalmente dispensável. Na fase judicial, o juiz não pode citar o inquérito, é como se ele não existisse. Então é um gasto desnecessário, que precisaria ser repensado.

ConJur — Qual a saída? 
Renato Nalini — Uma solução é transformar a polícia judiciária no juizado de instrução, como existe na França – o inquérito já é uma peça judicial, e o delegado seria o que eles chamam de petit judge, o pequeno juiz, que é o juiz de instrução. Mas aí já tem o Ministério Público e o advogado trabalhando ao lado. Quando termina o inquérito, ele já vai para o juiz decidir, não repete. Porque hoje é uma irracionalidade, uma coisa insana. Eu fui juiz criminal e há 30 anos eu já via o desperdício, a coisa totalmente irracional que é o inquérito policial. Se a oitiva na polícia já valesse como prova, já observasse o contraditório, era só encaminhar o inquérito para o juiz e pronto. Se o promotor denunciou, já vai para o juiz e é só sentenciar, porque a prova já foi feita. A Justiça ganha, você valoriza o delegado e dá uma função para o inquérito. Se não quiserem fazer isso tem que acabar com o inquérito.

ConJur — Voltando à informatização: o TJ-SP vai ter de aderir ao sistema único de informatização proposto pelo CNJ?
Renato Nalini — A informatização é irreversível, vai continuar. Nós estamos muito felizes porque não somos obrigados a seguir o modelo único do CNJ, do PJE. O ministro Lewandowski entendeu que São Paulo é outra realidade.Investiu-se muito, hoje todos estão acostumados e satisfeitos – os advogados, os servidores, os juízes. É lógico que passar da cultura analógica para cultura digital aporta uma mudança de paradigma, causa uma turbulência. Superada essa fase, essa resistência inicial, o SAJ [Sistema de Automação da Justiça] mostrou que dá certo. Esse é o futuro.

 ConJur — Algumas câmaras do TJ já adotaram as sessões virtuais. o que o senhor pensa disso?
Renato Nalini Nós precisamos incentivar a intensificação do julgamento virtual, fazer com que cada vez haja menos necessidade de reunião do colegiado. Em uma situação em que temos 100 milhões de processos, acho que a sociedade quer resultado, quer solução em lugar de teatro. Mas se a parte quiser fazer sustentação, tem que fazer a sessão física. Agora, aquele que tem razão quer a Justiça mais rápida. Ele não quer procrastinação. A lentidão da Justiça parece servir mais a quem não quer cumprir a obrigação. A Justiça passa a ser o refúgio daquele que quer ganhar tempo e não é bom que seja assim, porque aí ela está favorecendo a injustiça. É uma questão de mudar a mentalidade. É por isso que o Conselho Consultivo Interinstitucional é formado por pessoas de todos os segmentos, com formações das mais diversas. A Justiça é serviço público? É. É serviço essencial? É. Quem paga? O povo. Então, o povo tem não só o direito, mas a obrigação de verificar se o dinheiro está sendo bem aplicado, como pode ser aperfeiçoada a prestação jurisdicional, como podemos adotar gestões mais inteligentes, mais racionais, como nós podemos chegar a um resultado em menor tempo, menor dispêndio de energias, menor dispêndio de angústia. Quem é que vai calcular quanto custa o sofrimento de aguardar uma decisão em uma Justiça que tem quatro instâncias e mais de 80 recursos?

ConJur — O senhor é a favor da redução da possibilidade de recursos?
Renato Nalini — Sim. A gente tem que valorizar o primeiro grau de jurisdição. É o lugar em que se faz a justiça mais adequada. Tudo está ali mais próximo: o fato está mais próximo, as testemunhas estão mais próximas. A partir do segundo grau nós discutimos tese, teoria, Direito. Fica uma coisa diletante, muito gostosa para quem faz, mas não tem vinculação obrigatória com o justo, o concreto. É por isso que o CNJ está insistindo na valorização do primeiro grau, é por isso que nós estamos fazendo o Cartório do Futuro. É por isso que nós estamos investindo em home office, em tentar que o funcionário em uma cidade insensata como São Paulo, que gasta quatro horas por dia entre ir e voltar, possa ficar dois dias por semana em casa.

ConJur — Está funcionando?
Renato Nalini — Em um projeto piloto está. Conseguiu-se uma produtividade bem maior, tanto que todo mundo está pedindo. Agora, não é fácil. Você tem que mudar a cultura do juiz que está acostumado a ter o seu pessoal ali em tempo integral; das chefias para que elas confiem no funcionário, do próprio funcionário, para reconhecer que isso é uma via de mão dupla. Em troca ele tem que fazer a mais no tempo que ele vai economizar. Tudo isso tem que ser traduzido em um plus na produtividade. Há todo um treinamento, mas o pessoal que está fazendo está gostando.

ConJur — A Escola do Servidor contribui para esse tipo de mudança?
Renato Nalini — A Escola do Servidor é uma coisa espetacular. A escola não é só treinar, fazer curso, ela é um laboratório para redesenhar a estrutura da Justiça. Nós não podemos ignorar que o mundo mudou, que tem a tecnologia da informação, da comunicação. Não é usar o computador como máquina de escrever, é usar todas as funcionalidades de uma nova era, do ciberespaço que abre inúmeras possibilidades de fazer melhor, mais rapidamente, com maior eficiência. Temos que treinar o pessoal a ser mais conciso, mais objetivo, mais claro, a perder a prolixidade. Nós temos que investir nas técnicas de argumentação, de persuasão, de convencimento, para mostrar que o litígio pode não ser uma solução, mas uma forma de afligir ainda mais quem já está aflito. Os antigos falavam que mais vale um mal acordo do que uma boa demanda, e eles tinham razão! Porque, você sabe quando começa o processo, mas não sabe quando nem como ele termina. A técnica processual se sofisticou de tal forma que você tem uma percentagem imensa de decisões meramente processuais, meramente epidérmicas, periféricas. Ou seja, o juiz tranquilamente indefere uma inicial por inépcia, reconhece carência de ação, ilegitimidade de parte, acolhe uma preliminar, acolhe uma arguição de suspeição ou de uma exceção qualquer. O processo termina e o advogado não sabe nem como explicar o que aconteceu para a parte. Nós formos transformados na “república da hermenêutica”. É só você interpretar, tem jurisprudência à la carte, para todo gosto. Então a gente precisa educar a sociedade para que ela veja a Justiça como um equipamento dispendioso, lento, complexo, sofisticado, que tem que ser usado quando não houver alternativa.

Conjur — Chegam cinco milhões de casos por ano na primeira instância e no Tribunal chegam 500 mil... 
Renato Nalini — Não tenho os números, mas precisaríamos, além de valorizar o primeiro grau, adotar estratégias que nos permitissem deixar de conferir um trâmite normal a aquilo que é repetitivo. Por que temos que fazer cada juiz repetir aquilo que, de certa forma, já foi decidido, existe jurisprudência predominante ou uma orientação que poderia servir? O juiz teria que julgar só novidades. O que os tribunais superiores conseguiram, com a repercussão geral e os recursos repetitivos, deveria, de alguma forma, ser aplicado na primeira instância. Nós vamos enfrentar o dogma do juiz natural, que quer decidir e não abre mão.

Conjur — A descentralização do TJ é uma boa ideia? 
Renato Nalini — Gostaria que o tribunal tivesse câmaras no interior, já que muitos desembargadores moram fora. Há dez regiões dentro do estado e pelo menos três ou quatro têm número de desembargadores suficientes para funcionar lá, como Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Santos, São José dos Campos. 

ConJur — Outra carga de trabalho imensa para o Judiciário é a execução fiscal. 
Renato Nalini — Nós precisamos livrar o Judiciário do julgamento das execuções fiscais. Cobrar dívida ativa da União, dos estados e do município, e não é atribuição do Poder Judiciário. Se não houver essa desjudicialização da execução, precisamos encontrar uma fórmula de a União, os estados e os municípios indenizarem o Judiciário pelo uso gratuito que eles fazem no equipamento estadual, que é a justiça comum.

Conjur — Os municípios também transferem para o Judiciário a tarefa de cobrar suas dívidas?
Renato Nalini — Eles também não pagam nada e despejam milhões de ações de execução fiscal nos tribunais. Nós tentamos convencer os municípios a utilizar o cartório de protesto, que é muito mais eficaz como forma de cobrança. As pessoas têm mais medo de ser protestadas do que executadas. Alguns municípios conseguiram, outros enfrentaram problemas porque os procuradores não abrem mão da verba de sucumbência, e há os que incluíram na lei local que a parte que for protestada paga também a sucumbência dos procuradores. Mas são paliativos. Na verdade, nós precisaríamos desjudicializar a execução.

Conjur — Como estão as relações com a OAB e o MP?
Renato Nalini — Excelentes. Estamos em lua de mel com a OAB, o MP e a Defensoria.

Conjur — O MP foi despejado?
Renato Nalini — Não. Nós administramos todas as situações para não jogar uma instituição contra a outra. Visito muito as comarcas do interior e uma das perguntas que sempre faço é: “Vocês estão se dando bem?”. O juiz e o promotor são sempre amigos, principalmente nas comarcas menores. Quando existem brigas, é o povo quem perde. Então, não há, graças a Deus, problema nenhum. A Assembleia Legislativa poderia ter sido melhor com a gente, mas só aprovou três projetos. O presidente da Assembleia Legislativa, Samuel Moreira me ligou: “Estou tão constrangido de não ter conseguido aprovar mais projetos”. É muito difícil mostrar para a Assembleia que, por exemplo, sem aprovar um projeto de custas que melhore um pouco o ingresso de recursos financeiros para o fundo de despesas não dá para aumentar a despesa.

Conjur — Esse projeto de custas seria semelhante ao do Rio?
Renato Nalini — Não. Seria bom que a gente tivesse um sistema como aquele. O Rio conseguiu muito mais fácil, porque houve acordo com o governo, e as custas e emolumentos de lá eram destinados diretamente para o caixa geral do próprio estado. Aqui há uma distribuição um pouco complexa, porque uma parte vai para a despesa do oficial de justiça, outra para a Santa Casa, outra parte vai para carteira da OAB. Se quiséssemos direcionar tudo para o Poder Judiciário enfrentaríamos resistência dos beneficiários. Então, esse processo não andou muito, como não andou a destinação de um percentual fixo. Mas temos que continuar. Tenho que fazer esse discurso de que está faltando dinheiro. Não fui eu que deixei o Tribunal deste tamanho. Tudo o que se cria é por iniciativa nossa, que passa pela Assembleia e depois o governador sanciona. Então, não é geração espontânea. O Tribunal não cresceu como um tumor, foi por lei. Agora, precisa sustentar.

Conjur – O que é mutirão de desaforamento?
Renato Nalini — Os homicídios, os crimes dolosos contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri, por disposição constitucional. O Júri é um julgamento sofisticado, que demanda pessoas de fora, não é monocrático. Isso faz com que não seja fácil levar todos os acusados de homicídio a julgamento. Se fizermos uma análise, se a pessoa não for diferenciada, é muito difícil conseguir vaga para ser julgada no Tribunal do Júri, porque ele não dá vazão. Um juiz pode julgar dez réus em um dia se quiser, começa de manhã, pega o processo, sentencia. O Júri não, ele tem todas aquelas e tapas, convocação, sorteio de jurados, palavra do promotor, palavra da defesa, oitiva de testemunha, interrogatório do réu e pode passar de um dia para outro. O que isso significa? O mundo quando vê o número de homicídios praticados no Brasil e o número de sentenciados pode fazer a leitura de que o maior valor lesado, que é a vida, pode levar ao maior número de prescrições. Se você não é Nardoni, Richthofen, Gil Rugai, Pimenta Neves, pode ficar sem julgamento. Como o maior número de homicídios acontece na região metropolitana da capital, que tem 22 milhões, metade da população do estado de São Paulo, não há condições de julgar todos. Então, a ideia que tivemos foi distribuir esses processos por todas as comarcas do estado.

Conjur — Há quantas varas na capital e no estado inteiro?
Renato Nalini — Toda comarca tem pelo menos uma vara do júri, então nós teríamos 367 varas. A capital deve ter sete.

Conjur — Com o desaforamento, a capital ganha 367 varas.
Renato Nalini — Os juízes querem fazer júris. Fui promotor por quatro anos, sou juiz há 38 e nunca consegui fazer um júri. A função do juiz do júri é a melhor possível, porque só coordena, preside. Quem julga são os cidadãos. Isso seria uma resposta para o mundo, essas entidades internacionais falam muito que no Brasil o bem menos protegido é a vida, porque aqui há uma possibilidade muito grande de não haver julgamento e de haver prescrição.

Extraído da Revista Consultor Jurídico de 18 de janeiro de 2015.