quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A manipulação do Judiciário pelos planos de saúde

            Anthony Pereira, PhD em Harvard, estudioso do Brasil desde 1984, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, de 03 de outubro deste ano, página A9, afirmou que: "A ditadura militar brasileira, que teve um alto grau de judicialização se comparada às do Chile e da Argentina, deixou como um dos mais fortes legados a manutenção do autoritarismo no Judiciário. Para ele: "Não há Estado de Direito. Isso por causa das desigualdades extremas em termos de tratamento das pessoas dentro da lei. É uma espécie de autoritarismo social, não somente em termos de sistema político".

            Indagado se o autoritarismo no Judiciário é um legado da ditadura, respondeu que o Judiciário autoritário é o legado mais forte; que as Forças Armadas e o Judiciário não mudaram sendo preservados durante a transição e que certamente há uma insatisfação grande com a Justiça.

            No que se refere à relação entre o autoritarismo e ineficiência da Justiça, disse que o frustrante para os brasileiros é a observação de que as pessoas com poder econômico, advogado talentoso, podem manipular o sistema.

            A confirmar as palavras do brasilianista, notícia do mesmo jornal, de 06.10.10, informa que, embora o ressarcimento ao SUS (Sistema Único de Saúde) esteja previsto no artigo 32 da Lei 9.656, de 1998, os planos de saúde têm recorrido a ações judiciais para não fazerem o reembolso, quando se utilizam dos seus serviços. Argumentam que a lei é inconstitucional, já que a saúde é um "direito de todos" e um "dever do Estado". Segundo a notícia, só um escritório de advocacia de São Paulo já ajuizou 5.000 ações a favor de operadoras de várias regiões do Brasil, utilizando-se destes argumentos.

            O inusitado é que desde 1998, a Confederação Nacional de Saúde ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin 1931) contra a aplicação da lei, mas o Supremo Tribunal, passados 12 anos, não a julgou até hoje.

            Valendo-se dessa indefinição, as operadoras dos planos de saúde,  têm ajuizado inúmeras ações, abarrotando o Judiciário, para não ressarcirem o SUS, nos casos em que a lei determina.

             Embora sete ações, envolvendo sete diferentes operadoras, já tenham sido julgadas pelo Supremo determinando aos planos de saúde que reembolsem o SUS (Sistema Único de Saúde), o fato é que não foi elaborada nenhuma Súmula Vinculante sobre o assunto, o que obrigaria as instâncias inferiores a decidirem no mesmo sentido.

             Sem o Supremo Tribunal Federal se utilizar da Súmula Vinculante, mecanismo que lhe foi assegurado pela Emenda Constitucional nº45 e que tem por objeto "a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre os órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica" e sem julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade, o impasse continua. Com isto, segundo o Tribunal de Contas da União, os planos de saúde deixaram de pagar R$2,6 bilhões ao SUS entre 2003 e 2007, valor suficiente para comprar os remédios do programa brasileiro de Aids por quase três anos. Isso sem falar nos ônus trazidos aos serviços do SUS, em detrimento daqueles que, de fato, deles necessitam.

            Esta postura do Judiciário e dos planos de saúde, infelizmente, só faz reforçar a conclusão de Anthony Pereira: " No Judiciário brasileiro, as pessoas com poder econômico, advogado talentoso, podem manipular o sistema".