sábado, 3 de dezembro de 2016

Não se pune um abuso com outro abuso, diz presidente do IDDD

O IDDD (Instituto do Direito de Defesa) atacou tanto a Lava Jato que já foi chamado de marionete de empreiteiras.
Nesta quinta (1º), porém, o instituto criado por criminalistas do porte de Márcio Thomas Bastos (1935-2014) e José Carlos Dias emitiu nota criticando o projeto de lei aprovado na Câmara que prevê a punição de juízes e procuradores, numa posição similar à da força-tarefa da Lava Jato.
Em entrevista, o presidente do IDDD, Fábio Tofic Simantob, ataca o projeto por não definir com clareza quais seriam os crime de juízes e procuradores: "Não se pode punir abuso com outro abuso".
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Folha - O IDDD sempre atacou as Dez Medidas, mas agora critica a decisão da Câmara de criminalizar condutas de juízes e promotores. Por que o instituto mudou de posição?
Fabio Tofic - Não mudamos de posição. É preciso pensar em formas de coibir abusos cometidos na Justiça criminal, mas de forma séria e refletida. O projeto aprovado prevê tipos abertos demais, o que dá margem para subjetivismo, arbítrio e injustiça.
Dá para citar exemplos?
As previsões da Câmara são vagas demais, punem o juiz que age de modo incompatível com a dignidade ou decoro ou julga por motivação político-partidária. São expressões muito vagas, que permitem que qualquer coisa seja considerada crime. Isso fere o direito de defesa. Daí a nossa preocupação. O juiz precisa de liberdade, tem de estar certo de que nem ninguém vai recriminá-lo. O projeto relativiza esta garantia.
Que tipo de abuso de autoridade deve ser criminalizado?
Isso é algo que a sociedade precisa discutir de forma ampla e democrática. Mas a seara penal deve ser reservada para graves violações de direitos e garantias fundamentais. Uma prisão manifestamente ilegal e arbitrária ou uma prova obtida de forma ilícita são atos graves, e os agentes responsáveis devem responder por isso. Essas condutas não podem ficar de fora de um projeto que pune abusos. Mas os tipos devem ser fechados, com previsão de condutas claras e precisas para que não sejam instrumento de abuso e vingança. Não se pode punir abuso com outro abuso.
O que achou da atitude da força-tarefa neste episódio?
Parece que pela via errada, a força-tarefa despertou para um problema que advogados alertam há anos: o risco de uma criminalização de tudo, de usar o direito penal como panaceia para todos os males. Alguns setores do Ministério Público nunca se preocuparam com tipos abertos e arbitrários de leis penais. Todas as vezes que a advocacia denunciou esse tipo de previsão legislativa, que afeta o cidadão comum, eles estavam do lado contrário. O mal precisou bater à sua porta para que acordassem para esse movimento de arbítrio penal. Mas nunca é tarde para ter a força-tarefa como aliada na luta por um direito penal mais justo, democrático e mais racional.
Advogados estão dizendo que o IDDD se rendeu à força-tarefa da Lava Jato. É isso?
Quando ocorreram violações de direito de defesa na Lava Jato, e não foram poucas, o IDDD foi o primeiro a se manifestar contra. Mas nem por isto vamos compactuar com a violação do direito de defesa de quem amanhã for acusado de cometer crime de abuso de autoridade. Defendemos um princípio, o direito de defesa, de qualquer um.
Qual a posição do IDDD sobre o projeto aprovado na Câmara?
A força-tarefa aproveitou o prestígio da Lava Jato e tentou emplacar um pacote de medidas autoritárias, que amplia demais os poderes dos investigadores, como aceitar prova ilícita, e elimina instrumentos de defesa. A força-tarefa está vendo o autoritarismo penal se voltar contra a própria instituição. O IDDD sempre alertou para risco de legislações penais de pânico, oportunistas, feitas no calor do momento, e a reboque dos acontecimentos. Quem sabe agora eles resolvam nos ouvir.
(Transcrito do jornal Folha de São Paulo, de 03 de dezembro de 2016)