segunda-feira, 30 de outubro de 2017

CNJ divulga dados do Judiciário sobre violência contra a mulher

Em 2016, tramitaram na Justiça do País mais de um milhão de processos referentes à violência doméstica contra a mulher, o que corresponde, em média, a 1 processo para cada 100 mulheres brasileiras. Desses, pelo menos 13,5 mil são casos de feminicídio. Os dados foram apresentados nesta terça-feira (24/10) pela presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, durante a 261ª Sessão Ordinária do CNJ. A íntegra está disponível aqui.
A publicação, com dados relativos à estrutura e à litigiosidade nas unidades judiciárias especializadas em violência contra a mulher, está prevista na Portaria n. 15, de 2017 do CNJ, que instituiu a Política Nacional de Combate à Violência Doméstica no Judiciário. Entre as informações contidas no levantamento estão quantidade de varas especializadas; número e perfil de profissionais que integram as equipes multidisciplinares; quantidade de inquéritos instaurados, de sentenças, assim como de medidas protetivas.  Os dados são dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e ficarão disponíveis para consulta pública, no Portal do CNJ. 

Litigiosidade

De acordo com o Panorama da Política Judiciária de Enfrentamento à Violência Doméstica contra a Mulher, tramitaram na Justiça estadual 1,2 milhão de processos referentes à violência doméstica e familiar, o que corresponde, em média, a 11 processos a cada mil mulheres brasileiras. A região Nordeste é a que apresentou a menor demanda à Justiça, com média de 6,9 processos a cada mil mulheres residentes. Região Norte: 12,1 processos a cada mil mulheres; Região Sudeste: 12,4 processos a cada mil mulheres; Região Sul: 13,2 processos a cada mil mulheres residentes; Centro-Oeste: 19,3 processos a cada mil mulheres.

Congestionamento

O Judiciário foi capaz de decidir um número de processos superior à demanda de casos novos nesse assunto. Ingressaram nos Tribunais de Justiça 334.088 casos criminais novos em violência doméstica contra a mulher e baixados 368.763 processos, em 2016. Ou seja, em média, o índice de resposta do Poder Judiciário aos casos de violência doméstica contra mulher foi positivo. No entanto, há tribunais com números que revelam uma taxa de congestionamento alta nesse tipo de processo. É o caso do TJAL (94%), TJBA ((91%) e TJRS (89%). Já as três menores taxas de congestionamento foram verificadas no TJAP (0,3%), no TJSC (31%) e no TJDFT (46%).

Feminicídio

Ainda que alguns tribunais não disponham de estatísticas sobre o feminicídio (caso dos TJAP, TJAL e TJRN), a movimentação processual desse tipo de crime é expressiva. Em 2016 ingressaram 2.904 casos novos de feminicídio na Justiça Estadual do país; tramitaram ao longo do ano um total de 13.498 casos (entre processos baixados e pendentes) e foram proferidas 3.573 sentenças. Os estados com a maior número de casos novos em feminicídio são Minas Gerais (1.139), Pará (670) e Santa Catarina (287). 

Execução Penal

Em 2016 foram iniciados na Justiça Estadual 13.446 processos de execução penal em violência doméstica contra a mulher, tendo sido proferidas 16.133 sentenças em execução penal. Encontravam-se em andamento (pendentes) 15.746 casos de execuções penais em violência doméstica contra a mulher, tendo sido baixados 6.921 processos. 
Medidas Protetivas – Foram expedidas 195.038 medidas protetivas de urgência, em todo o país. Vale lembrar que as medidas são voltadas a providências urgentes e podem ser direcionadas ao agressor ou à vítima. Por exemplo, afastar o agressor do lar ou encaminhar a vítima para um programa de proteção ou atendimento.
O TJRS expediu a maior quantidade em números absolutos de medidas (31.044), seguido do TJMG (22.419) e do TJSP (20.153)  Os tribunais que expediram as menores quantidades de medidas protetivas foram os TJAC (181), TJRO (333 ), TJRR (799) e TJSE (1.123). O único tribunal que não prestou essa informação foi o TJAL.

Região

A Região Nordeste foi a que apresentou a menor demanda pela Justiça, com uma média de 6,9 processos a cada mil mulheres residentes. O Norte veio em seguida, com 12,1 processos a cada mil mulheres. Na sequência, a Região Sudeste apresentou demanda de 12,4 processos a cada mil mulheres, seguida da Região Sul, com média de 13,2 processos a cada mil mulheres residentes, e o Centro-Oeste, com maior número: 19,3 processos a cada mil mulheres. 
O TJSP tem  maior volume de processos (214.214), sendo responsável por 18% do total de casos, lembrando que o estado de São Paulo tem a maior população feminina do País (22% das mulheres brasileiras residiam em SP - dados de 2016/IBGE). O TJRJ vem logo na sequência, com um montante de 175.073 processos (15% do total), e a terceira maior população feminina do país (8% das mulheres brasileiras residiam no RJ - dados de 2016/IBGE). 
O TJMG é responsável pela terceira maior quantidade de processos referentes à violência doméstica contra a mulher: 12% do montante total, sendo que o estado mineiro tem a segunda maior população feminina do país (10% das mulheres brasileiras residiam em MG - dados de 2016/IBGE).

Varas Exclusivas

Em uma década, entre a edição da Lei Maria da Penha, em 2006, até dezembro de 2017, o número de varas e juizados exclusivos em violência doméstica e familiar passou de 5 para 111. Se contabilizar o número de varas especializadas, esse número sobe para 134. Além do aumento, também houve a instalação de setores psicossociais especializados no atendimento à vítima em 17 tribunais. Ao todo, em 2016, havia 65 unidades judiciais com setores psicossociais e 49 unidades com setores psicossociais especializados no atendimento à vítima.  

Equipes Multidisciplinares

Ao todo, há 411 profissionais atuando na área judiciária nas varas e nos juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher. 
Agência CNJ de Notícias

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Pesquisa indica uso de ações coletivas para defesa de direitos individuais

No Brasil, as ações coletivas são usadas estrategicamente para a defesa de direitos individuais homogêneos ou mesmo só de direitos individuais. Essa é uma das conclusões de estudo desenvolvido pela Sociedade Brasileira de Direito Público que investigou como se dá a formação, o julgamento e a execução de ações coletivas no País.
O levantamento, que integra a 2ª edição da Série Justiça Pesquisa, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi feito em 14 tribunais de diferentes estados, regiões, ramos de Justiça e portes.
A pesquisa “Ações coletivas no Brasil: temas, atores e desafios da tutela coletiva” buscou justamente traçar um desenho sobre a tutela coletiva em seus diversos estágios. Nesse contexto, analisa desde a formação das demandas, passando pela tramitação dos processos até o efetivo cumprimento das decisões judiciais e acordos homologados para a proteção de direitos coletivos.
O estudo faz parte da 2ª edição da série Justiça Pesquisa, idealizada e custeada pelo CNJ, que abordou seis temas relacionados ao Judiciário brasileiro. Os resultados dessas pesquisas foram apresentados nesta quinta-feira (19), no Supremo Tribunal Federal (STF), durante o Seminário Justiça Pesquisa 2017, organizado pelo CNJ.
O levantamento foi dividido em três frentes, em que a primeira delas o exame de 52 mil ações coletivas e processos que utilizam essas ações como precedente nos sites dos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho) e de seis tribunais estaduais (Alagoas, Ceará, Goiás, Pará, São Paulo e Rio Grande do Sul). A segunda e terceira fase incluíram entrevistas com operadores do sistema de justiça sobre a tutela coletiva no país, como valiam sua eficiência, como fazem uso dos instrumentos legais e processuais, além de problemas e diagnósticos 

Formação das demandas

O uso estratégico de ações civis públicas para a defesa de direitos individuais homogêneos ou mesmo só individuais foi revelado pela análise dos dados. No tema saúde, por exemplo, prevaleceu a busca por satisfação de demandas pontuais. Na amostra analisada, não houve sequer uma ação que pretendesse reforma estrutural da política, como a incorporação ao SUS de medicamento, insumo ou serviço. A pesquisa mostrou que a jurisprudência dos tribunais analisados facilita este tipo de demanda, uma vez que deixa a critério do autor a vinculação à ação coletiva em trâmite.   
Segundo o estudo, o principal problema dessa estratégia é que ela distorce um instrumento voltado à defesa de direitos coletivos em sentido estrito ou difusos e enfraquece as possibilidades de diálogo e mobilização social. A ampliação da publicidade da tutela coletiva é apontada como uma possível solução para esse problema. Além disso, a mudança na concepção dos próprios magistrados sobre o assunto também se faz importante, uma vez que a maioria dos juízes entrevistados (62%) responderam que ações individuais têm mais chance de sucesso do que as coletivas. (Confira gráfico)
Ainda em relação à fase de formação de demanda, houve destaque para a controvérsia sobre a necessidade de supervisão judicial do inquérito civil. Os críticos desse instrumento argumentam que o MP abusa da ferramenta para obter extrajudicialmente resultados que não alcançaria pela via judicial. Grande parte dos juízes entrevistados (83%), no entanto, discordam dessa avaliação. Os termos de ajustamento de conduta e os inquéritos civis, em especial, são vistos como instrumentos que comportam diferentes usos estratégicos por parte de promotores (nos dois casos) e de defensores (somente no segundo caso). A conclusão é que, para essas instituições submeterem esses mecanismos ao controle judicial, significaria um grande revés.  

Tramitação 

Nesta fase, merece destaque a fragilidade percebida pelos próprios juízes a respeito do conhecimento que possuem sobre direitos coletivos, uma vez que 89,3% dos respondentes não consideram plenamente adequada a formação da magistratura em temas relacionados aos direitos coletivos e processuais. A pesquisa sugere a necessidade da implantação de políticas para tutelar tais direitos. A falta de estrutura do Judiciário foi apontada como uma das causas da dificuldade de processamento das ações coletivas, uma vez que são mais complexas e despertam na sociedade anseios de uma justiça rápida e eficaz. 
O levantamento listou ainda fatores de desestímulo a demandas coletivas que envolvam questões ambientais ou relacionadas à improbidade administrativa. Ficou claro que a possibilidade de êxito em tais ações está muito ligada à capacidade do demandante de produzir provas técnicas e materiais do dano ambiental, no caso da ação ambiental, e do elemento subjetivo do agente público (dolo) no caso da improbidade.

Execução

Nesta etapa, são apontadas dificuldades diversas para execução da sentença judicial. Para 98,5% dos entrevistados, a estrutura do Judiciário é insatisfatória de alguma maneira. Outra conclusão diz respeito ao acompanhamento e fiscalização do cumprimento dos acordos e decisões, especialmente pela ausência de mecanismos institucionais voltados para tal propósito. 
Muitos atores ouvidos no estudo defenderam a necessidade de um Código de Processo Coletivo que seja capaz de harmonizar o conjunto de leis e de procedimento nessa área. Especificamente em relação às ações de improbidade administrativa, duas propostas de aperfeiçoamento da legislação emergiram como raros consensos entre juízes e promotores. A primeira seria a eliminação da fase de notificação preliminar em ação de improbidade, podendo o requerido ser citado sem apresentação de defesa prévia. A segunda, introduzir a possibilidade de firmar acordos de leniência com pessoas físicas e jurídicas no âmbito deste tipo de processo civil.
Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Maiores litigantes: Bancos e empresas de Telecomunicações

Os bancos e as empresas de telecomunicações são os setores mais acionados na Justiça em processos sobre Direito do Consumidor, de acordo com pesquisa divulgada na quinta-feira (19/10) pelo Conselho Nacional de Justiça. O estudo Os Maiores Litigantes da Justiça Consumerista: mapeamento e proposições foi encomendado à Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), que analisou dados da movimentação processual de sete tribunais de Justiça em 2015.
A ABJ elaborou uma lista das pessoas jurídicas mais acionadas em cada um dos sete tribunais pesquisados: Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Distrito Federal. Nos rankings estaduais, sempre há, pelo menos, um banco e uma telefônica entre os cinco mais demandados. Nos processos do TJ-SP, por exemplo, quatro instituições financeiras e uma empresa de telecomunicações respondem por 31,5% das demandas de consumidores.
No campo do direito consumerista, a pesquisa constatou repetir-se uma conclusão obtida em estudos anteriores do próprio CNJ. Grande parte dos processos no Judiciário envolve um número restrito de instituições – notadamente o Poder Público – quando se considera o conjunto da movimentação processual no Judiciário. Delimitada a abrangência da avaliação ao conjunto de processos movidos por consumidores, ficou comprovada a hipótese inicial dos pesquisadores.
As demandas estão concentradas em poucas empresas: os 30 maiores litigantes foram acionados em mais da metade dos 4,7 milhões de processos analisados no estudo. Em quatro dos sete tribunais pesquisados, dez empresas concentravam, em 2015, metade dos processos movidos por consumidores insatisfeitos – um banco em especial aparece em todas as sete listas.
Outros setores também se destacam nas listas de maiores litigantes. Concessionárias de serviços básicos (energia elétrica e água) e companhias de seguro figuram entre os três segmentos mais acionados em pelo menos dois rankings estaduais.
A ABJ utilizou como base o Relatório Justiça em Números 2015, que apontou para a necessidade de se ter como foco central da pesquisa a Justiça Estadual, ramo do Poder Judiciário que concentra os maiores índices de litigância. Naquele ano, os tribunais de Justiça receberam 70% das ações apresentadas e neles tramitaram 80% dos processos que chegaram ao fim do ano sem julgamento.
Os pesquisadores da associação decidiram analisar processos que tramitavam em tribunais de estados representativos da realidade brasileira em 2015. As escolhas de cortes levaram em conta abrangência geográfica – pelo menos um em cada região do País –, os diferentes portes dos órgãos judiciárias e estados com alta incidência de litigância. Ao todo, 4.697.195 ações passaram pela análise da equipe de pesquisadores.
  1. Os dados foram extraídos de diferentes fontes de informação: o sistema de tramitação eletrônica de processos dos tribunais, informações prestadas diretamente pelos tribunais e números produzidos pelo CNJ.
A pesquisa integra a 2ª Edição da Série “Justiça Pesquisa”, organizada pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ. Foram selecionadas instituições para produzir estudos sobre questões relacionadas a dois eixos: "Direitos e Garantias fundamentais" e "Políticas Públicas do Poder Judiciário".
Os objetos dos estudos foram as audiências de custódia, os grandes litigantes da Justiça, as ações coletivas, o Processo Judicial Eletrônico (PJe), a justiça restaurativa, método alternativo de solução de conflito que pode ser utilizado em qualquer etapa do processo criminal, e a violência contra a mulher. 
Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.

Problemas e soluções para temas do Poder Judiciário

Os resultados dos estudos apresentados no Seminário Justiça Pesquisa 2017, realizado nesta quinta-feira (19/10), apontam para a importância de debater entre pesquisadores os problemas estruturais e conjunturais do Poder Judiciário em busca de aprimoramento e soluções. Esta foi a análise da diretora do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Maria Tereza Sadek, ao final do evento sediado em Brasília. “Essas pesquisas trataram de temas muito importantes e as apresentações dos trabalhos foram muita produtivas. O estudo sobre ações consumeristas, por exemplo, traz indicações muito precisas e que podem nos ajudar muito”, disse.   
Os seis projetos executados foram desenvolvidos de acordo com o segundo edital da série Justiça Pesquisa, aberto em 2015, sobre temas como utilização do Processo Judicial Eletrônico (PJe), os maiores litigantes em Direito do Consumidorpanorama da tramitação das ações coletivas. As íntegras dos trabalhos resultantes da série serão disponibilizadas em breve no Portal do CNJ. 
No período da tarde, o seminário contou com a apresentação de três estudos. Desenvolvida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a pesquisa “Audiência de custódia, prisão provisória e medidas cautelares: obstáculos institucionais e ideológicos à efetivação da liberdade como regra” analisou dados relativos aos tribunais do Distrito Federal, do Rio Grande do Sul, da Paraíba, de Tocantins, de Santa Catarina e de São Paulo, entre 2015 e 2017. 
Além de acompanhar 955 audiências nas capitais dos seis estados, os pesquisadores fizeram entrevistas com juízes. “Uma das surpresas foi a grande abertura da magistratura para o nosso trabalho”, observou Rodrigo Ghiringhelli, um dos responsáveis pela pesquisa.
O projeto Audiências de Custódia foi adotado em 2015 em cumprimento a determinação do CNJ que, por meio da Resolução n. 213, normatizou a exigência para que a pessoa presa em flagrante seja apresentada a um juiz em até 24 horas, permitindo a análise sobre a aplicação de penas alternativas e a apuração de denúncias de maus tratos por parte da polícia. 

Violência doméstica

Elaborado pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), a pesquisa “Entre práticas retributivas e restaurativas: a Lei Maria da Penha e os avanços e desafios do Poder Judiciário” fez uma ampla análise sobre a aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/2006) nos casos de violência doméstica que tramitam na Justiça do país. O levantamento foi realizado em sete capitais brasileiras: Recife, Maceió, João Pessoa, Belém, São Paulo, Porto Alegre e Brasília.
Além de entrevistar vítimas, juízes e servidores que atuam nas equipes multidisciplinares dos tribunais, os pesquisadores analisaram cerca de 1.750 decisões judiciais: uma média de 250 processos por cidade. A ideia central do levantamento era entender como a Justiça vê e decide sobre a violência doméstica contra a mulher.
De acordo com a professora Fernanda Rosenblatt, apesar de muitos avanços nos 10 anos desde a promulgação da lei, ainda há muito a avançar. “Criou-se a especialização das varas, sem os especialistas”, afirmou. Dos 24 magistrados de varas especializadas entrevistados, apenas quatro tinham algum tipo de capacitação na área. Para a pesquisadora, isso impacta no tratamento recebido pelas vítimas, familiares e autores de violência nas unidades judiciárias.

Justiça Restaurativa

Último estudo a ser apresentado, a pesquisa “Pilotando a Justiça Restaurativa: o Papel do Poder Judiciário”, desenvolvida pela Fundação José Arthur Boiteux (Universidade Federal de Santa Catarina), traçou um panorama do uso da Justiça Restaurativa no Brasil.
O levantamento identificou e mapeou a existência de programas em dezenove estados do país, além de estados em que os programas se encontram em fase preparatória. A partir deste recorte, selecionaram sete estados da federação: Rio Grande do Sul, São Paulo, Distrito Federal, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Santa Catarina, num total de 16 municípios e mais de 20 unidades jurisdicionais ou polos visitados.
De acordo com os pesquisadores, a Justiça Restaurativa passa por progressiva expansão e vive uma caminhada de aprendizado, mas encontra resistências para implementar suas metas de participação, reparação de danos e redução das violências. “Houve uma grande expansão desse trabalho pelo País com a edição da Resolução CNJ n. 225/2016, que institucionalizou a política como método de resolução de conflitos”, afirmou Vera Andrade, professora responsável pelo estudo.
Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Bancos e telefônicas são os mais acionados por consumidores na justiça

Os bancos e as empresas de telecomunicações são os setores mais acionados na Justiça quando a ação envolve Direito do Consumidor, de acordo com pesquisa divulgada nesta quinta-feira (19/10) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O estudo “Os Maiores Litigantes da Justiça Consumerista: mapeamento e proposições” foi encomendado à Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), que analisou dados da movimentação processual de sete tribunais de Justiça (TJs) em 2015.  
A ABJ elaborou uma lista das pessoas jurídicas mais acionadas em ações relativas a Direito do Consumidor em cada um dos sete TJs pesquisados: Amazonas (TJAM), Bahia (TJBA), Mato Grosso (TJMT), Rio de Janeiro (TJRJ), Rio Grande do Sul (TJRS), São Paulo (TJSP), Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Nos rankings estaduais, sempre há, pelo menos, um banco e uma telefônica entre os cinco principais demandados. Nos processos do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por exemplo, quatro bancos e uma empresa de telecomunicações respondem por 31,5% das demandas de consumidores levadas ao Judiciário.  

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No campo do direito consumerista, a pesquisa constatou repetir-se uma conclusão obtida em estudos anteriores do próprio CNJ. Grande parte da litigância no Poder Judiciário envolve um número restrito de instituições – notadamente o Poder Público – quando se considera o conjunto da movimentação processual no Judiciário. Delimitada a abrangência da avaliação ao conjunto de processos movidos por consumidores, ficou comprovada a hipótese inicial dos pesquisadores. 

As demandas estão concentradas em torno de poucas empresas: os 30 maiores litigantes foram acionados em mais da metade dos 4,7 milhões de processos analisados no estudo. Em quatro dos sete tribunais pesquisados pela ABJ, dez empresas concentravam em 2015 metade dos processos movidos por consumidores insatisfeitos – um banco em especial aparece em todas as sete listas. 
Além dos bancos e das telefônicas, alguns setores se destacam nas listas de maiores litigantes. Concessionárias de serviços básicos (energia elétrica e água) e companhias de seguro figuram entre os três setores mais acionados em pelo menos dois rankings estaduais.  

Amostra representativa 

A ABJ utilizou como base o Relatório Justiça em Números 2015, que apontou para a necessidade de se ter como foco central da pesquisa a Justiça Estadual, ramo do Poder Judiciário que concentra os maiores índices de litigância. Naquele ano, os tribunais de Justiça receberam 70% das ações apresentadas e neles tramitaram 80% dos processos que chegaram ao fim do ano sem julgamento.

Metodologia

Os pesquisadores da ABJ decidiram analisar processos que tramitavam em tribunais de estados representativos da realidade brasileira em 2015. As escolhas de cortes levaram em conta abrangência geográfica – pelo menos um em cada região do país –, os diferentes portes dos órgãos judiciárias e estados com alta incidência de litigância. Ao todo, 4.697.195 ações passaram pela análise da equipe de pesquisadores.  
Foram considerados processos novos e ações pendentes não criminais que se encontravam na primeira instância ou em Juizado Especial em 2015. Os casos de execução fiscal, em que são cobradas dívidas relacionadas a tributos, foram excluídos da análise.    
Os dados foram extraídos de diferentes fontes de informação: o sistema de tramitação eletrônica de processos dos tribunais, informações prestadas diretamente pelos tribunais e números produzidos pelo CNJ. 

Justiça Pesquisa 

A pesquisa “Os Maiores Litigantes da Justiça Consumerista: mapeamento e proposições” integra a 2ª Edição da Série “Justiça Pesquisa”, organizada pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ). Foram selecionadas instituições para produzir estudos sobre questões relacionadas a dois eixos: "Direitos e Garantias fundamentais" e "Políticas Públicas do Poder Judiciário". Os objetos dos estudos foram as audiências de custódia, os grandes litigantes da Justiça, as ações coletivas, o Processo Judicial Eletrônico (PJe), a justiça restaurativa, método alternativo de solução de conflito que pode ser utilizado em qualquer etapa do processo criminal, e a violência contra a mulher.   
Manuel Carlos Montenegro 
Agência CNJ de Notícias 

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Trabalho escravo: causas levam em média três anos e meio na Justiça

Quase 130 anos após a promulgação da Lei Áurea, o trabalho escravo ainda é uma realidade no Brasil e levantamento do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que o tempo médio de tramitação de um processo relacionado ao tema é de 3,6 anos. O estudo, que reuniu dados de 17 tribunais, analisou os casos que tramitavam na Justiça em dezembro de 2016.
Na Justiça Estadual, o levantamento inclui informações dos tribunais do Acre, do Amazonas, do Amapá, do Ceará, do Espírito Santo, de Goiás, do Maranhão, de Minas Gerais, do Mato Grosso, do Pará, da Paraíba, de Pernambuco, do Piauí, do Paraná, do Rio de Janeiro, de Rondônia, de Roraima do Rio Grande do Sul e de Tocantins. Da Justiça Federal, estão dados relativos a processos de trabalho escravo nos tribunais da 2ª Região (Espírito Santo e Rio de Janeiro), da 4ª região (Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná) e da 5ª Região (Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe). Ações que tramitaram no Superior Tribunal de Justiça (STJ) também fazem parte do levantamento. Em todos esses estados, houve constatação indícios de situações análogas ao trabalho escravo.
O tempo médio de tramitação dos casos pendentes representa o tempo decorrido entre a data da distribuição e a data de referência (dezembro de 2016), nos casos ainda não solucionados. Como explorar trabalho em condições análogas à escravidão é crime federal, esse delito é de competência da Justiça Federal que, em média, tem processos pendentes há 3,4 anos. Processos relativos a trabalho escravo podem ingressar na Justiça Estadual em razão de autuações realizadas pelas polícias civis. Entre os tribunais estaduais, esse tempo ficou em 4,3 anos. No STJ, o índice atingiu 2 anos.
Processos relativos a trabalho escravo podem ingressar na Justiça Estadual em razão de autuações realizadas pelas polícias civis de cada estado; porém, crimes contra a pessoa e contra a organização do trabalho são de competência da Justiça Federal, conforme Art. 109 da Constituição Federal de 1988. Grande parte dessas ações são encaminhadas a instâncias superiores.
O trabalho desenvolvido pelo DPJ não contemplou dados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, do Tribunal de São Paulo, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte e dos Tribunais Regionais Federais da 1ª Região e da 3ª Região. Em breve, uma pesquisa com os dados de todos os tribunais brasileiros será divulgada.
Compromisso internacional
Desde 1940, o Código Penal brasileiro já previa a tipificação do trabalho degradante. Em 1957, o Brasil ratificou a Convenção n. 29/1930 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e, com isso, assumiu internacionalmente o compromisso de enfrentar o trabalho escravo. No mesmo ano, a OIT aprovou a Convenção n. 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado, ratificada pelo Estado Brasileiro em 1965.
Somente 38 anos depois, o Brasil editou novas normas sobre o tema. A Lei n. 10.803/2003 atualizou a tipificação do crime, introduziu as expressões “condições degradantes” e “jornada exaustiva” e estabeleceu penas de reclusão, de dois a oito anos.
Na sequência, por meio do Decreto n. 5017/2004, o Brasil ratificou e promulgou o Protocolo de Palermo. Em 2016, a Lei n. 13.344 atualizou a legislação que trata de diversas formas de exploração, entre elas a remoção de órgãos, a adoção ilegal, o trabalho escravo e a servidão.
Na última segunda-feira (16/10), o Diário Oficial da União trouxe a publicação da Portaria n. 1129, do Ministério do Trabalho, que alterou os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins de concessão e seguro desemprego.
A norma determina, entre outras novidades, que, para configurar a ocorrência de trabalho degradante, será preciso comprovar que o trabalhador era impedido de se deslocar e que havia segurança armada no local para vigiá-lo. Além disso, a divulgação do nome de empregadores que sujeitam trabalhadores a essas condições será feita pelo próprio ministro do Trabalho e não mais pelo corpo técnico do ministério.
Atuação do CNJ
No Poder Judiciário, o trabalho escravo é monitorado pelo Fórum Nacional para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (Fontet), criado pela Resolução CNJ n. 212/2015, e pelo Comitê Nacional Judicial de Enfrentamento à Exploração do Trabalho em Condição Análoga à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas do CNJ criado pela Portaria n. 5/2016.
Outra iniciativa do CNJ, em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, foi a criação do Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos. A primeira edição ocorreu em 2016 e premiou sentenças que protegiam os direitos de vários segmentos da população e que reconheçam decisões que resguardem direitos como a diversidade religiosa, ou combatam crimes como tortura, trabalho escravo e tráfico de pessoas.
Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

terça-feira, 17 de outubro de 2017

As inscrições para fazer pesquisas do Judiciário vão até 25/10

Termina dia 25 de outubro o prazo de inscrição em edital do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para contratar pesquisas sobre temas como judicialização da saúde, impunidade em crimes de corrupção, trabalho escravo, entre outros. 
Podem disputar instituições de ensino e pesquisa sem fins lucrativos. A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) é parceira do projeto. O objetivo das pesquisas é subsidiar as políticas públicas do Judiciário.  
O CNJ deseja identificar fatores para a alta de ações do tipo e quais soluções — processuais ou gerenciais — têm sido adotadas. Deve-se mapear as demandas médicas nos tribunais, bem como traçar o perfil dos litigantes e dos pleitos — individuais e coletivos. É necessário indicar padrões de resposta judicial e comparar casos oriundos da Defensoria Pública aos demais. A análise deve incluir Justiça federal e estadual.
Em outra área, o conselho busca aferir a impunidade em crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa. O estudo pretende mapear o fluxo e os tempos dos processos — da investigação até a denúncia, do início da ação penal até a sentença. Devem ser identificadas prescrições, recuperações de valores e fatores que ajudem a compreender padrões de impunidade. Exige-se avaliar tribunais estaduais (SP, RS, RJ e DF) e federais.
Por que certas unidades judiciais conciliam mais do que outras? A pergunta orienta um dos campos. Para tratar da questão, é preciso considerar os órgãos que mais (ou menos) chegam a acordo ao investigar o fluxo e gestão dos processos. O trabalho deve abordar o 1º grau dos tribunais estaduais de CE, SP, PR e PI.
Prevista em lei e no Código de Processo Civil, a prioridade de causas de idosos e pessoas com deficiência também será abordada. A intenção é apurar se a primazia tem sido aplicada e se produz efeito relevante. Além da análise dos demandantes e das demandas, devem ser examinadas a Justiça federal e estadual, com variedade regional.
O perfil das vítimas nos processos de exploração do trabalho em condição análoga à escravidão é outro tópico. O CNJ espera panorama detalhado das demandas e tempos de trâmite (da investigação à denúncia, ao início da ação penal, até o julgamento). Problemas sistêmicos no fluxo processual e no desfecho das ações devem ser avaliados. A pesquisa deve tratar, necessariamente, dos TRF1 (com jurisdição em 14 estados) e TRF3 (SP e MS).
O edital quer, ainda, estudo de como o Judiciário trata direitos da criança. É preciso apurar como tem sido a oitiva de crianças na justiça. São exemplos casos de menor vítima ou testemunha de violência, destituição familiar, guarda e adoção. A pesquisa deve incluir tribunais estaduais, com escolha justificada.
Agência CNJ de Notícias

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Limites constitucionais do voto de qualidade do presidente do STF

No processo decisório judicial, o voto de qualidade é a prerrogativa que o Regimento Interno do tribunal confere ao seu presidente (ou ao vice-presidente no exercício da presidência) de desempatar alguns julgamentos, votando duas vezes. É comum que o voto de qualidade seja equivocadamente confundido com o voto de minerva, cujas distinções delinearemos nas linhas seguintes.
O voto de qualidade encontra previsão no regimento interno de todos os tribunais brasileiros, desde os tribunais de justiça, os tribunais regionais do trabalho, os tribunais regionais federais, o Tribunal Superior Eleitoral, o Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Superior do Trabalho, inclusive no julgamento de ações rescisórias originárias. Nesse texto trataremos da utilização do voto de qualidade pelo Supremo Tribunal Federal, à luz dos precedentes RE 630.147 e RE 631.102.
Revisitando princípios
A amplitude da controvérsia explicitada e a compreensão de seus meandros perpassa o radical de princípios assentados ainda na Grécia Antiga, como o in dubio pro reo. De igual forma, o non liquet, a coisa julgada e o devido processo legal são princípios cuja ponderação há de se levar em consideração na presente temática.
Os contornos do princípio do in dubio pro reo foram delineados ainda no areópago, que sagrava vencedor todo acusado que obtinha um empate no julgamento: o mesmo número de votos pela sua condenação e pela sua absolvição. Como descreve Aristóteles, em passagem acerca da constituição de Atenas[1], o areópago era um conselho decisório formado por 12 aristocratas gregos que observava o rito segundo o qual cada julgador recebia duas pedras diferentes, uma significando o voto pela absolvição e outra a condenação, sendo que o empate favorecia sempre o réu.
Da mitologia grega colhemos o registro do voto de minerva que é tido como um marco da passagem do matriarcado para o patriarcado, mas, também, como a consagração do princípio do in dubio pro reo.
No julgamento de Orestes, que vingara a morte do seu pai, Agamemnon, matando a sua própria mãe e o amante (Clitemnestra e Egisto)[2], a deusa grega Palas Atena (Minerva para os romanos) proferiu o voto de minerva, desempatando o julgamento a favor da absolvição de Orestes, reafirmando o princípio do in dubio pro reo. Diante do empate ao qual chegara o júri dos 12, Atena proferiu um único e decisivo voto, que inocentou Orestes. Veja que nem mesmo Atena votou em dobro, o seu voto apenas confirma o princípio do in dubio pro reo diante do empate do areópago.
Ainda que se possa identificar, no voto de minerva, as origens do voto de qualidade, as duas figuras decisórias são bastante distintas. Isso porque, no voto de minerva, o ‘presidente’ vota apenas em caso de empate, proferindo um único voto. Já no voto de qualidade, o presidente sempre vota e, excepcionalmente, tem a peculiar prerrogativa de votar duas vezes, situação na qual o seu voto tem um peso em dobro.
Contudo, saliente-se que apesar de o voto de qualidade significar semanticamente a atribuição de um poder decisório diferenciado a um dos julgadores, seu sentido teleológico não pode dissociar-se de seu radical histórico, vocacionando-se a sua aplicação como um critério para dirimir o impasse, a dúvida, sempre em prol do acusado[3].
No direito romano, a expressão non liquet é abreviação da frase iuravi mihi non liquere atque ita iudicatu illo solutus sum, que representa o juramento proferido pelo juiz ao abster-se de julgar por entender que a causa não estava suficientemente clara[4]. Embora a expressão in dubio pro reo não fosse empregada de modo expresso no direito romano, é possível observar certa correlação entre o princípio in dubio pro reo e o non liquet. A existência de outras figuras análogas ao benefício da dúvida, juntamente com a possibilidade de decretação do non liquet, evidenciam que, no caso de dúvida razoável, deveriam ser aplicadas as consequências menos gravosas e mais benignas às partes[5].
Ainda no direito romano, a coisa julgada possui raízes eminentemente práticas: para que a vida social se desenvolva segura e pacífica é necessário imprimir certeza ao gozo dos bens da vida e, sobretudo, garantir o resultado do processo (a res in iudicium deducta). O processo, por sua vez, é um conjunto de regras (devido processo legal) que devem ser entendidas como um instituto público destinado à atuação da vontade lei, culminando na pronuntiatio iudicis: que condena ou absolve, reconhece ou desconhece, mas, sobretudo, garante a segurança e perenidade do bem disputado[6].
A título meramente exemplificativo, temos a utilização do voto de qualidade nos julgamentos de ações rescisórias: em se tratando de rescisão de coisa julgada, chegando o colégio decisório a um empate (vale dizer, a falta de clareza acerca da possibilidade ou não de desconstituição da coisa julgada), qual a solução menos gravosa às partes e à ordem jurídico-constitucional? Preservar a coisa julgada ou rescindi-la? Ao conferir ao presidente do tribunal a prerrogativa de votar em dobro em caso de empate, o Regimento Interno está a autorizar o prejuízo do réu da ação rescisória e a desconstituição da coisa julgada material? Nunca é demais lembrar que a nossa Constituição protegeu a coisa julgada da incidência prejudicial das leis e, até mesmo, das emendas à constituição, o que dizer da proteção contra o empate conjuntural no julgamento de ação rescisória.
São muitas indagações às quais pretendemos lançar algumas luzes nas linhas subsequentes.
O voto de qualidade na jurisprudência do STF: análise dos precedentes RE 630.147 e RE 631.102.
No julgamento do RE 630.147, o Plenário do STF emitiu tese acerca dos limites constitucionais para utilização do voto de qualidade do presidente.
O apelo extremo versava sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa já nas eleições de outubro próximo, tema constitucional de altíssima envergadura que, literalmente, dividiu o Pleno do STF, sendo que a sociedade ansiava por uma pronta resposta do guardião da Constituição.
Entretanto, essa resposta jurisdicional foi sustada, toldando-se o debate acerca da questão e fundo (aplicação da ficha limpa) pela celeuma em torno dos limites constitucionais e democráticos nos quais o presidente do STF poderia usar o voto de qualidade e votar em dobro.
Após 10 horas de julgamento, o colégio pleno do STF havia chegado a insuperável empate, já que o tribunal estava excepcionalmente com a composição paritária, em decorrência da demora da Presidência da República na indicação de um novo ministro, que viria a ocupar a vaga proveniente da aposentadoria do Min. Eros Grau. Travou-se o debate cuja transcrição se segue:
“O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, somente um aspecto. Gostaria de saber em que situação concreta de julgamento poderá ser aplicado o inciso IX do artigo 13 do Regimento Interno?
‘Art. 13 (...) IX - proferir VOTO DE QUALIDADE nas decisões do Plenário, para as quais o Regimento Interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de Ministro em virtude de:’ (...)
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (RELATOR) – Onde está dito que prevalece a decisão dos cinco, de Vossa Excelência?
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI – A presunção é de equívoco no empate? Num Tribunal Superior integrado por três Ministros da Suprema Corte? Data vênia!
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE) – Ministro, não está dito em lugar nenhum, porque está empate.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Não houve número suficiente para derrubar o acórdão, permanece hígido, portanto, o ato.
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (RELATOR) – Onde está dito que prevalece o voto de Vossas Excelências, que formam o bloco dos cinco?
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE) – Não há voto para reformar e não há voto para manter o acórdão. Há empate. (...)
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (RELATOR) – Mas qual é a intenção de Vossa Excelência se houver novo empate? Vossa Excelência pretende desempatar? (...)
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE) – Ministro, vamos partir do seguinte pressuposto: EU NÃO TENHO NENHUMA VOCAÇÃO PARA DÉSPOTA, NEM ACHO QUE O MEU VOTO VALHA MAIS DO QUE QUALQUER DOS OUTROS MINISTROS, PORQUE, SE VALESSE, CINCO MINISTROS NÃO TERIAM DISCORDADO DO MEU VOTO!
O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (RELATOR) – Excelente.
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – Se subsistir o empate, e desde que o eminente Ministro Presidente já afirmou que não irá exercer a prerrogativa de proferir o voto de qualidade, a única solução será suspender-se e aguardar-se a nomeação e posse do novo Ministro.” (destaques atuais)

Em que pese o objeto estrito do referido recurso (afastar a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa) a perspectiva aberta da causa de pedir no controle de constitucionalidade exercido por esse E. STF amalgama a ratio decidendi e obiter dictum proferidos nas decisões do STF.
De outro giro, o desenvolvimento dos pronunciamentos, as teses emitidas e a dimensão do impasse que se instalou, a partir do empate decisório, conduzem à conclusão de que a questão procedimental ultrapassou, em muito, um mero obiter dictum.
Configurou-se um momento ímpar na jurisprudência do E. STF, no qual os ministros, dentre eles o presidente do tribunal, estabeleceram limites recíprocos de atuação constitucional e de aplicação do voto de qualidade.
Se a questão acerca da solução do empate no julgamento fosse meramente procedimental, um simples obiter dictum, a decisão constitucional de fundo (objeto central do recurso extraordinário) jamais teria sido sustada pelo empate e pela consequente dificuldade em superá-lo.
Inobstante a previsão regimental, a aplicação do voto de qualidade não pode divorciar-se dos contornos constitucionalmente fixados para o desenvolvimento válido do devido processo legal, do princípio da colegialidade e do juiz natural que, no caso, é o colégio decisório, e não o presidente do tribunal.
Operou-se verdadeiro impasse no tocante ao procedimento que seria adotado para a resolução do empate, já que o Min. Cesar Peluso, então presidente do STF, se recusava a valer-se do voto de qualidade e votar em dobro, ocasião na qual proferiu a célebre frase: “Eu não tenho nenhuma vocação para déspota, nem acho que meu voto valha mais do que qualquer dos outros Ministros”.
O pedido de desistência na candidatura do recorrente no RE 630.147 e a consequente perda de objeto do recurso acabaram por postergar a solução do empate. Entretanto, a absoluta e inafastável excepcionalidade do uso do voto de qualidade, apenas em situações de insuperável empate foi a nota marcante dos debates, tendo o tema voltado à baila menos de um mês depois.
Tamanha a seriedade e envergadura constitucional do tema acerca dos limites constitucionais para o exercício do voto de qualidade pelo presidente do tribunal que, em outubro de 2010, o problema da solução de empates insuperáveis persistia no Pleno do STF, especificamente no julgamento do RE 631.102.
Durante horas de debates, todos os ministros se dedicaram a encontrar a melhor forma para solucionar uma votação empatada, tendo em vista não apenas o irrefreável tributo aos direitos e garantias fundamentais das partes em litígio, mas, sobretudo, a incolumidade do entendimento de cada um dos integrantes que formam o todo do colégio decisório que, meio a meio, se encontrava vencido e vencedor.
Neste sentido, assinale-se o posicionamento do exmo. Ministro Celso de Mello, por ocasião do julgamento do RE 631.102, verbis:
“Desejo enfatizar, neste ponto, por necessário, que a Emenda Regimental nº 35/2009, ao introduzir a norma inscrita no inciso IX do art. 13 do RISTF, contemplou hipótese de verdadeira maioria ficta, produzida pelo exercício, sempre excepcional, do voto de qualidade atribuído ao Presidente do Supremo Tribunal Federal.
É certo, no entanto, que essa técnica de votação (e de decisão), necessária para definir situações insuperáveis de empate(ressalvados os casos no parágrafo único do art. 146 e no art. 205, parágrafo único, inciso II, ambos do RISTF), não se mostrará compatível com a cláusula de reserva de plenário fundada no art. 97 da Constituição (...)”

O impasse foi solucionado mediante a aplicação analógica do inc. II do art. 205 do RI do STF, preservando-se o ato impugnado por intermédio do RE 631.102.
Apenas no julgamento dos embargos de declaração interpostos contra o acórdão, o tema acerca da solução do empate na votação do julgamento do RE 631.102 foi retomado, em 9.11.2011, ocasião na qual se decidiu pela suspensão do julgamento para que se aguardasse a nomeação e a posse do novo ministro indicado pela Presidência, Min. Luiz Fux, para decidir a causa. Passado mais de um mês, enfim, deliberou-se por encerrar o julgamento com a aplicação do voto de qualidade previsto na alínea ‘b’ do inc. IX do art. 13 do RISTF.
O contexto fático, procedimental e decisório acima descrito dá a envergadura do presente tema, bem como a profundidade dos pronunciamentos e teses com as quais os ministros do STF se comprometeram, especificamente no tocante aos limites constitucionais do uso do voto de qualidade do presidente em caso de empate, no julgamento dos RE 630.147 e 631.102.
Conclusão
Após um breve resgate dos princípios que oferecem sustentação à versão atualizada do voto de qualidade praticado no dia a dia do processo decisório judicial brasileiro, perpassando pelos precedentes paradigmáticos do STF, concluímos que, como qualquer prerrogativa institucional, o voto de qualidade deve obediência aos princípios constitucionais que moldam o seu exercício, sendo vedado o seu uso alargado das balizas fixadas pela Constituição Federal, dentre os quais, o benefício do réu afigura-se como limite material intransponível, a condicionar o exercício do voto de qualidade pelo presidente do tribunal.

[1] ARISTOTLE. Constitution of Athens (vol.20/23). Cambridge, MA, London: Loeb Classical Library, 1952. Translated by H. Rackham.
[2] Os crimes contra o próprio genos eram tradicionalmente punidos com a morte pelas Erínias, seres demoníacos para as quais o matricídio era o mais grave e imperdoável de todos os crimes. Temeroso do terrível castigo, Orestes apelou para o deus Apolo que, advogando em seu favor, levou o julgamento ao Areópago. As Erínias foram as acusadoras, em um júri formado por 12 cidadãos ateniense e presidido por Atena (que corresponde à deusa romana Minerva).
[3] PANDOLFO, Rafael. O in dubio pro reo e sua aplicabilidade às sanções tributárias. Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).
[4] Noctes Atticae, de Aulus Gellii, Livro XIV, Cap. 2, ver. 25.
[5] PANDOLFO, Rafael. O in dubio pro reo e sua aplicabilidade às sanções tributárias. Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).
[6] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, Volume I, Bookseller: Campinas – SP, 1998, p. 447.
Revista Consultor Jurídico, 14 de outubro de 2017.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

CNJ faz consulta pública sobre Metas do Poder Judiciário para 2018

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai abrir consulta pública sobre as propostas de Metas Nacionais do Poder Judiciário para 2018. Esta será a primeira vez que o Conselho irá submeter as Metas Nacionais à opinião pública. A consulta estará disponível no Portal do CNJ entre os dias 9 e 20 de outubro. Qualquer cidadão poderá dar opinião sobre as metas.
A consulta será dividida por Tribunal Superior (Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho) e por segmento de Justiça (Federal, Eleitoral, Estadual, Militar e do Trabalho). 
Assim, o cidadão poderá opinar sobre as propostas de metas, de apenas um Tribunal Superior, um segmento de Justiça ou de todos. Para tanto, basta acessar o formulário desejado.
A consulta pública é uma das etapas previstas no processo de formulação das Metas Nacionais do Poder Judiciário. Esta etapa passou a fazer parte da elaboração das metas a partir da publicação da Portaria CNJ n. 114/2016, que estabelece as diretrizes do processo participativo na formulação das metas nacionais.
Para elaboração das propostas da Consulta, o CNJ analisou as sugestões de metas apresentadas por cada segmento da Justiça na Reunião Preparatória para o XI Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizada nos dias 4 e 5 de setembro passado. 
As propostas de metas dos segmentos foram precedidas de consulta pública feitas pelos próprios tribunais, na qual magistrados, servidores e o público em geral puderam propor a alteração, exclusão e até mesmo a inclusão de meta nova.
O resultado da consulta pública do Conselho Nacional de Justiça será avaliado pela Comissão Permanente de Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento e pela Presidência do CNJ. As propostas finais de Metas Nacionais do Poder Judiciário serão aprovadas pelos presidentes dos tribunais de todo o País no XI Encontro Nacional do Poder Judiciário, previsto para ocorrer nos dias 20 e 21 de novembro, em Brasília. 

Histórico

Anualmente, são definidas metas sob coordenação do CNJ para fins de aperfeiçoamento da prestação de serviços jurisdicionais. As Metas Nacionais do Poder Judiciário, inicialmente metas de nivelamento, foram definidas pela primeira vez no II Encontro Nacional do Judiciário, que ocorreu em Belo Horizonte, em 2009.
Rivadavia Severo 
Agência CNJ de Notícias.