terça-feira, 29 de março de 2016

O Estado Democrático de Direito foi assaltado, e a constituição, violentada

Leonardo Isaac Yarochewsky
Alguns sonhadores acreditam que vivemos em um Estado Democrático de Direito no qual os direitos fundamentais são sagrados, e a Constituição da República é guardada pelo Supremo Tribunal Federal. Na verdade, porém, vivemos em um Estado policial que atropela todas as garantias mínimas e necessárias próprias do Estado que se pretende verdadeiramente democrático. Estamos de fato em um Estado penal, um Estado em que prevalece o autoritarismo. Estado em que os fins justificam os meios. Estado em que a justiça é substituída pelo justiçamento. Estado em que juízes se transformam em justiceiros. Estado em que a vontade do tirano prevalece sobre as garantias do devido processo legal.
No primeiro semestre de 2008, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, no voto que confirmou a liminar que deu liberdade a Pedro Passos Junior, investigado na operação navalha, afirmou que a Polícia Federal usa “terrorismo estatal como método”. A afirmação foi feita no relatório do voto citado. O ministro também foi alvo de grampo ilegal feito pela PF.
À época, o perito especialista em fonética forense Ricardo Molina encontrou irregularidades em todas as centenas de grampos telefônicos feitos pela Polícia Federal e que foram por ele analisados. Segundo Molina, em muitos casos, há gravações interrompidas, palavras cortadas e seleção de trechos de conversas a critério dos investigadores, o que torna a interpretação das gravações subjetivas.
Lamentavelmente, muitas dessas gravações são divulgadas pela imprensa sem qualquer crivo. Mais drástico ainda é o fato de que, em razão desses grampos, pessoas são presas e expostas à degradação pública sem o sagrado direito de defesa.
A sociedade que muitas vezes aplaude as citadas medidas, tão espetaculares quanto abusivas, precisa entender que em um Estado de Direito os fins jamais podem justificar os meios, sobretudo se estes meios afrontam direitos fundamentais, que, no dizer do ministro Gilmar Mendes, são aqueles que “asseguram a esfera de liberdade individual contra interferências ilegítimas do poder público, provenham elas do Executivo, do Legislativo ou, mesmo, do Judiciário”.
Oito anos se passaram. Hoje, o país acorda atordoado, abismado e inebriado pelas divulgações de interceptações telefônicas determinadas pelo juiz federal que conduz a operação apelidada de “lava jato”.
No dia em que o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva é nomeado ministro-chefe da Casa Civil pela presidente da República, Dilma Rousseff, o juiz federal Sergio Moro determina a quebra do segredo de Justiça, e a Rede Globo divulga áudios de conversas interceptadas, inclusive entre Lula e Dilma.
Certo é que um juiz federal, qualquer que seja ele, NÃO pode decidir sobre interceptação de conversa telefônica que envolve a Presidência da República. Somente, tão somente, o STF pode, de acordo com nossa lei maior — a Constituição da República —, autorizar e determinar interceptação contra o chefe do Poder Executivo. De igual modo, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originalmente, “nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República” (artigo 102, I, “b’ da CR) e compete, ainda, julgar “nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado...” (artigo 102, I, “c” da CR).
Ainda que inicialmente não tenha sido “grampeada” a presidente da República, e sim o ex-presidente Lula, com quem Dilma estava dialogando, ainda assim tal interceptação afronta os limites constitucionais. Jamais poderia ser divulgado diálogo de qualquer pessoa interceptada com a presidente da República.
O juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba violentou a Constituição da República e atentou contra o Estado Democrático de Direito. Portanto, deverá ser responsabilizado pelas suas condutas extremamente ameaçadoras e que levaram o país, na noite do dia 16 de março de 2016, a um estado de beligerância.
Certo que o juiz federal não agiu sozinho, a Polícia Federal e a mídia foram determinantes na instauração do caos no Brasil. Embora os diálogos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente da República, Dilma Rousseff, nada, absolutamente nada, contenham de antirrepublicano ou de ilegal, a desordem foi instaurada, notadamente, pelo combustível jogado pela irresponsabilidade da mídia e sua completa falta de compromisso com os valores da democracia e do Estado republicano.
No campo penal, em nome de uma fúria punitiva e de um fantasmagórico combate à impunidade, o poder midiático tem afrontado os valores e princípios mais caros ao Estado Democrático de Direito. Sob o manto de uma ilimitada liberdade de informação e de expressão, a mídia ultrapassa todos os limites da ética e do respeito à dignidade da pessoa humana. Investigado, indiciado ou acusado é tratado como se condenado fosse, sem direito ao contraditório e a ampla defesa.
Os tentáculos do poder acusatório da mídia são capazes de acachapar todo e qualquer princípio de direito. Nesse diapasão, a presunção de inocência esculpida na Constituição da República no título que trata dos direitos e garantias fundamentais é completamente abandonada, passando a ser letra morta em nossa lei maior. Como bem proclamou Nilo Batista, “a imprensa tem o formidável poder de apagar da Constituição o princípio de inocência, ou, o que é pior, de invertê-lo”.
Interceptações telefônicas e de meios de comunicação, por si só, já constituem medidas extremadas e invasivas que afrontam direitos fundamentais: a privacidade e a intimidade da pessoa.
Ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição da República de 1988 prevê em seu artigo 5º, inciso XII que: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” (grifamos). A Lei 9.296 de 24 de julho de 1996 veio regulamentar o inciso XII, parte final, do citado artigo.
A garantia da inviolabilidade das comunicações telefônicas (norma constitucional) poderá, excepcionalmente, ser afastada por ordem fundamentada do juiz competente dentro dos limites legais. Assim, não será admitida, de acordo com a Lei 9.296/96, a interceptação de comunicação telefônica quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I) não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II) a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III) o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Verifica-se, portanto, que a interceptação das comunicações telefônicas é uma exceção, posto que somente em casos extremos e, mesmo assim, quando não houver outro meio de prova disponível, menos danoso e menos ofensivo as garantias individuais, é que poderá ser a mesma empregada.
Embora constitua crime “realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei” — pena de reclusão de 2 a 4 anos — (artigo 10 da Lei 9.296/96), não são raras as vezes que as conversas interceptadas, sabem-se lá como, viram manchetes na imprensa escrita, falada e televisionada comprometendo a intimidade de pessoas que nem sequer estão sendo investigadas.
Como bem asseverou o ministro Celso de Mello (decano do Supremo Tribunal Federal), “o dever de proteção das liberdades fundamentais dos réus, de qualquer réu, representa encargo constitucional de que este Supremo Tribunal Federal não pode demitir‐se, mesmo que o clamor popular se manifeste contrariamente, sob pena de frustração de conquistas históricas que culminaram, após séculos de lutas e reivindicações do próprio povo, na consagração de que o processo penal traduz instrumento garantidor deque a reação do Estado à prática criminosa jamais poderá constituir reação instintiva, arbitrária, injusta ou irracional”.
Em livro sobre as interceptações telefônicas e os direitos fundamentais, o professor Lenio Luiz Streck conclui acertadamente que, “sem os devidos cuidados, o Estado investigador colonizará a nossa já tênue e devassada privacidade. Será um panóptico institucionalizado! Por isso, a necessária cautela. Afinal, estamos no Brasil, onde, na guerra contra o crime, quem (sempre) perde (mais) é a cidadania”.
O que ocorreu no Brasil foi um verdadeiro assalto ao Estado de Direito. A Constituição da República foi estuprada. A Presidência da República, devassada. A democracia, violentada. Resta saber quem será responsabilizado pelos crimes praticados contra a legalidade democrática e contra o Estado Democrático de Direito.
 é advogado criminalista, doutor em Ciências Penais e professor de Direito Penal da PUC-Minas.
Revista Consultor Jurídico, 17 de março de 2016.

sábado, 19 de março de 2016

Mediação eletrônica compõe cultura de resolução extrajudicial de conflitos

Por Marco Antonio Kojoroski
O Novo Código de Processo Civil prevê a exigibilidade da mediação para resolução dos conflitos, e em especial, para a cultura de mediar antes mesmo de judicializar, aliás esta tendência é mundial e o Brasil na vanguarda jurídica, vem com esta nova cultura de resolução de conflitos. No caso em tela, trabalhamos com a mediação extrajudicial e a mediação judicial, mas o objeto deste artigo é tratar a mediação eletrônica, um método mais adequado para nosso continente chamado “Brasil”.
Ademais, ao meu ver será a solução para a demanda do judiciário, as demandas repetitivas, em especial de consumo, mas também as demandas sentimentais, tais como as ações da área da família, e sem sombra de dúvida a resolução da grande quantidade de conflitos, são perfeitamente adequadas para uma mediação digital, que, aliás, pode contribuir de forma positiva em uma resolução alternativa prática e rápida, o que é mais difícil é o aculturamento social nacional.
Nesta ótica, quero fazer uma comparação com a lei de “uso de cinto” em veículos automotores, que mesmo sabendo dos riscos, os motoristas não usavam, e após sua obrigatoriedade todos passageiros do veículo passaram a usar, inclusive os que ficam no banco de trás utilizam o cinto, ou seja, a cultura de utilizar o cinto de segurança não se deu pelo fato do risco da “morte” no acidente de transito, mas pelo fato da imposição legal.
A Justiça no Brasil, especialmente em São Paulo, necessita de mecanismos técnicos para minimizar suas árduas tarefas diárias, e neste sentido tem que ter medidas eficazes e produtivas para a excelência da prestação jurisdicional. Ademais, daqui poucos dias entrará em vigor o novo Código de Processo Civil, e neste cenário ganhará importância o debate de temas até então pouco explorados pela doutrina e que poderão influenciar a aplicação de várias regras processuais.
Antes de discutir este instituto devemos destacar que o Consulto Jurídico, em matéria recente tratou o assunto com profundidade, mas quero dar um destaque à Associação Nacional de Empresas de Recuperação de Crédito (Aserc), que vem investindo em todo seu setor em pro destas medidas eficazes de mediação eletrônica, e tem divulgado diversos projetos e parcerias para atender está imediata necessidade.
Em um primeiro momento, vale recordar as principais tendências do novo código: priorização do mérito, cooperação real entre as partes e o juiz da causa, fortalecimento do dever de fundamentação, amplo contraditório, busca efetiva pela conciliação entre as partes litigantes, respeito aos precedentes judiciais, e, por fim, a valorização da vontade das partes em relação aos atos do processo.
Neste sentido, várias Faculdades e Instituições têm se dedicado ao tema, e quero destacar a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em especial a FGV – Projetos e FGV - Mediação — que tem investido tempo e tecnologia para aperfeiçoamento e metas para atender com excelência e qualidade as novas exigências legais.
Nesta ótica, instituições e entes públicos e privados delimitaram e analisaram as normas fundamentais do processo civil que estão elencadas nos primeiros artigos do Código de Processo Civil, os quais certamente possuem enorme influência sobre as demais alterações trazidas pelo legislador.
Mister se faz aduzir que em uma leitura perfunctória do artigo 1º do novo CPC, percebe-se que o legislador, de certa forma, deixou de lado o formalismo presente no Código de Processo Civil de 1973, trazendo o que alguns doutrinadores chamam de neoprocessualismo, que seria a atuação do direito processual com vistas ao direito constitucional (neoconstitucionalismo).
Por outro lado o artigo 2º fica estabelecido que “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. Aqui resta consagrado o princípio da demanda, também conhecido como princípio dispositivo em sentido material.
Estas análises são fundamentais e de total respeito para o entendimento do novo Código de Processo Civil e quais suas consequências e tendências para uma sociedade, agora na era digital.
O papel do Poder Judiciário, e também dos Legisladores, é desafiar o moderno com a segurança jurídica, sem que as leis fiquem obsoletas, mas de acordo com a modernidade que as leis prestem a fazer Justiça na nova era Eletrônica.
Este grande desafio segue uma formula mágica entre os legisladores e após entre os operadores do direito, querendo sem dúvida valorizar as leis, mas de forma eletrônica, potencializando a era digital.
Neste sentido o artigo 3º reproduz o que já encontramos no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Trata-se do direito fundamental de acesso à justiça. E os parágrafos do mesmo dispositivo preveem a permissão da arbitragem e a busca incessante na solução consensual dos conflitos.
Conforme citado no início do texto, a nova lei tem uma preocupação bastante relevante em relação à conciliação entre as partes. Diversamente do que ocorre no Código de Processo Civil de 1973, a partir da entrada em vigor do novo CPC as partes serão citadas a comparecer na audiência conciliatória antes mesmo de apresentar qualquer tipo de manifestação no processo.
Esta nova regra evidencia a Mediação como resolução previa de conflito e de forma pratica a não utilização do Poder Judiciário para resolução previa, mas de forma eficaz e com todas garantias jurídicas, até porque a mediação judicial pode ser homologada por um juiz, de certo o juiz da causa, e se assim for, será uma sentença.
Ademais, quando uma das partes tiver interesse na conciliação/mediação, a mesma se torna obrigatória para ambas, sob pena de aplicação de multa (artigo 334, § 8º, novo CPC).
Conclusão
A nova Mediação com Sessão física presencial e Sessão Eletrônica, e exatamente neste ponto temos Sessão Eletrônica aberta sem horário e outras modalidades como Sessão Eletrônica fechada com horário e até mesmo a sessão automatizada, serão novas e especiais modalidades de resolução de conflito.
Imagine uma Sessão via WhatApp ou qualquer mecanismo por smartphone, o que hoje em dia é perfeitamente possível, e digo que é tão seguro ou mais que uma mediação presencial. Temos setores prontos para atender o Poder Judiciário dentro das normas do CNJ. Na verdade temos que desmistificar e ver a facilidade de processos eletrônicos, procedimentos pelo smartphone, e porque não lograr êxito das maiorias da sessões eletrônicas de mediação, de forma simples, rápida e segura.
O tema ainda é muito recente, mas tem experiências de anos em outros países, e mais, temos condição tecnológica disponível imediata para uma prestação jurisdicional segura e dentro da tecnologia de ponta, com extrema segurança até de hacker. Ao meu ver este será o futuro das resoluções de conflito, como pagar contas pelo smartphone. Porque não resolver suas discussões jurídicas e extrajudiciais senão pelo caminho on-line, pela nova era digital.
Desta forma, será necessário no futuro próximo, apenas da mudança de cultura da nossa sociedade e sem sombra de dúvida prepararmos os Tribunais para esta nova era, que nada mais é que uma parametrização de sistema e regras.
Revista Consultor Jurídico, 12 de março de 2016, 

quarta-feira, 16 de março de 2016

Justiça Federal debaterá com CNJ meios para melhorar acesso à Justiça

Membros da Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania, os conselheiros Daldice Santana e Fernando Mattos, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e o corregedor-geral do Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Og Fernandes, se reunirão no dia 4 de abril com coordenadores de Núcleos Permanentes de Conciliação (Nupemec) dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs) para debaterem a implementação da Emenda 2 nesse ramo de Justiça. A reunião ocorrerá nas dependências do CJF, em Brasília. O fechamento da pauta do encontro foi discutido na segunda-feira (14/3) entre os dois conselheiros e o corregedor-geral, na sede do CJF.
Aprovada na última semana, a Emenda 2 adapta o Judiciário às novas leis que consolidam o tema no país – a Lei de Mediação (Lei 13.140/2015) e o Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015). Dentre as questões que estarão na pauta do encontro estão os desafios de se aumentar o volume de solução de processos por meio da conciliação na área da Previdência Social, considerado maior gargalo da Justiça Federal. A Emenda 2 estabelece, por exemplo, um Sistema de Mediação Digital ou a Distância para atuação pré-processual de conflitos.
Para a conselheira, membro do TRF no CNJ, o recém-criado Sistema de Mediação e Conciliação Digital pode ser um caminho para resolver essa questão. “A previsão do Novo Código Civil é que a conciliação alcance 100% dos processos onde caibam conciliação. No entanto, o número de procuradores do INSS no país é insuficiente para alcançar as varas do Poder Judiciário uniformemente”, explicou. “Uma vez que o maior volume de processos hoje na Justiça Federal é com o INSS e, com o envelhecimento da população, essas demandas previdenciárias tendem a crescer. A utilização da mediação à distância ou digital pode neutralizar a insuficiência de pessoal”, concluiu.
A utilização de recursos virtuais também deve ser incrementada na área pedagógica. A conselheira citou o uso da internet para a aplicação da fase teórica durante o treinamento de instrutores em mediação e conciliação. Ela ponderou, no entanto, que a fase do treinamento prático deverá ser mantida, obrigatoriamente, de maneira presencial, nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) e tribunais.
A conselheira adiantou que, por falta de previsão orçamentária, o debate sobre a possibilidade de remuneração aos mediadores e conciliadores deverá ser analisado futuramente. “Lidamos com orçamento público, e por hora, isso não está previsto. A realidade é que os tribunais não têm como arcar com isso agora”, explicou.
A Emenda 2 prevê prazo para que os tribunais encaminhem ao CNJ um plano de implantação da Resolução 125/2010, norma que criou a Política Judiciária de Tratamento de Conflitos.
Agencia CNJ de Notícias

segunda-feira, 14 de março de 2016

Lei do Feminicídio

Nascida da pressão popular, que vem reagindo fortemente aos casos de assassinatos de mulheres no país (o Brasil ocupa o 5º lugar nesse triste ranking mundial), a chamada Lei do Feminicídio foi aprovada há um ano, quando o número de assassinatos de mulheres chegou a 13 casos por dia – um aumento de 9% na última década. Os dados são do Mapa da Violência 2015, uma compilação de informações divulgadas por Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), ONU Mulheres e Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.
A mudança na penalização dos assassinatos femininos para homicídio qualificado determinou penalidades mais duras e inafiançáveis aos casos que envolverem violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher.
Lei n. 13.104/2015 incluiu o assassinato de mulheres na lista de crimes hediondos (Lei n 8.072/1990), como já ocorre em casos de genocídio e latrocínio, cujas penas previstas pelo Código Penal são de 12 a 30 anos de reclusão. No Brasil, o crime de homicídio (assassinato) prevê pena de seis a 20 anos de reclusão. No entanto, quando for caracterizado feminicídio, a punição parte de 12 anos de reclusão.
Regime fechado – A pena deve ser aumentada de um terço até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto. O aumento da penalidade incidirá ainda se for cometido contra menor de 14 anos de idade, maior de 60 anos de idade, portadoras de deficiência ou na presença de descendente ou ascendente da vítima. Sendo crime hediondo, o regime inicial de cumprimento da pena é o fechado e somente pode haver progressão para um regime menos rigoroso quando for cumprido no mínimo 2/5 da pena, se o criminoso for primário, e de 3/5 se for reincidente.
Brasil é 5º lugar – O Brasil só perde para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Federação Russa em número de casos de assassinato de mulheres. Por aqui, muitos desses casos ocorrem em municípios de pequeno porte, onde não há delegacias da mulher. Na ausência de uma delegacia especializada, as vítimas de violência recorrem às delegacias tradicionais, onde há menos preparo dos policiais para lidar com casos desse tipo.
Maiores vítimas são negras – Em comparação com países desenvolvidos, o Brasil mata 48 vezes mais mulheres que o Reino Unido, 24 vezes mais que a Dinamarca e 16 vezes mais que o Japão ou Escócia. De acordo com os dados do Mapa da Violência 2015, a taxa de assassinato de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864 (em 2003) para 2.875 (2013). O número de crimes contra mulheres brancas, em compensação, caiu 10% no mesmo período, de 1.747 para 1.576.
A Lei do Feminicídio foi criada a partir de uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI) que investigou a violência contra as mulheres nos Estados brasileiros, ocorrida entre março de 2012 e julho de 2013.
Agência CNJ de Notícias

quinta-feira, 10 de março de 2016

Decretação ex officio da prisão temporária é manifestamente ilegal

No dia 22 de fevereiro de 2016, foi deflagrada mais uma fase da operação "lava jato”. Como em outras tantas etapas, foram cumpridos diversos mandados, entre buscas e apreensões, conduções coercitivas e prisões cautelares. O texto não pretende, entretanto, examinar os aspectos inerentes à referida investigação (que servirá, apenas, de exemplo privilegiado). Intenta-se tratar de uma questão jurídica relevante, observada nessa nova etapa, mas que é, infelizmente, comum na prática jurídica forense.
Vamos aos fatos.
A autoridade policial representou pela prisão preventiva de determinadas pessoas, no que se viu acompanhada de parecer favorável do Ministério Público Federal.
O fundamento elencado, como em diversos outros casos, foi a suposta garantia da ordem pública, especificamente para que “cessem a prática de novos atos de lavagem transnacional de ativos”.
De modo incidental, aparentemente sem qualquer fundamento concreto, ao menos que tenha sido expresso na representação, arguiu-se o “receio que os investigados possam [...] tentar interferir nas investigações”. Sobre esse aspecto, não se apontou qualquer fato concreto, com base nos elementos de informação colhidos no inquérito policial, que corroborassem as alegações contidas no pedido formulado. E, mais uma, vez se confunde gravidade em abstrato de um comportamento com a sua gravidade concreta, buscando-se antecipar a tutela penal....
Faltou, nos sempre lúcidos dizeres do ministro Celso de Mello, portanto, “base empírica idônea” [1]. Com as devidas e necessárias licenças, a questão limitou-se a uma conjectura da autoridade que preside a investigação, o que não merece tutela jurisdicional. Caso existisse algum fundamento, era imperioso assinala-lo expressamente (ganhando, a representação, novos contornos de validade), inclusive para possibilitar a apreciação do Juízo e permitir o contraditório pela defesa (com os meios de impugnação a ele inerentes).
Ao apreciar o pedido, contudo, ainda que comungando de alguns dos posicionamentos contidos na representação, o Juízo decidiu contrariamente ao quanto pleiteado (mesmo que, nesse caso, parcialmente) pela autoridade policial:
A medida estaria, em princípio, justificada pela longa duração da conduta delitiva e por sua gravidade em concreto. Seria também ela necessária para interromper a prática delitiva, o que parece ser imperativo diante da aparente habitualidade dos investigados em aceitar pagamentos subreptícios de serviços, máxime considerando que 2016 é ano eleitoral no Brasil e é preciso prevenir que dinheiro de possível origem criminosa contamine as eleições vindouras.
Entretanto, reputo nesse momento mais apropriada em relação a eles a prisão temporária, como medida menos drástica, o que viabilizará o melhor exame dos pressupostos e fundamentos da preventiva após a colheita do material probatório na busca e apreensão.
[...]
Tratando-se de medida menos gravosa aos investigados do que a preventiva, pode este Juízo impo­la em substituição ao requerido pela autoridade policial e pelo MPF. (sem grifos no original)
Vê-se que a decisão é absolutamente silente quanto a qualquer outro fundamento para decretação da prisão preventiva diferente das alegadas “gravidade em concreto das condutas” e “longa duração da conduta delitiva”. Afirma-se, literalmente, que a medida estaria justificada por esses aspectos. Qualquer outra alegação da autoridade policial, porque não expressamente acolhida, deve ser considerada rejeitada (inclusive ante a ausência de impugnação, pelos meios próprios, da parte interessada).
Extraídos os fatos que ilustram o presente estudo, passa-se ao exame da questão jurídica.
O embasamento teórico alegado para tal decisão, em análise inicial descuidada, aparenta ser bastante sedutor: sendo medida alegadamente menos drástica, em relação à prisão preventiva, o julgador poderia decretar a temporária, como medida substitutiva ao requerido pela autoridade policial. É exatamente essa questão que se fia a presente análise.
Seria, afinal, um possível benefício aos investigados, que veriam a constrição às suas respectivas liberdades de locomoção, ao menos em princípio, limitada temporalmente, vez que a prisão preventiva tem o prazo de cinco dias, ao contrário da preventiva, que pode se estender — como reiteradamente visto ao longo da operação "lava jato” — por longos meses (sem que disso se extraia qualquer juízo de valor. Trata-se de um dado meramente objetivo e hipotético).
A interpretação jurídica, contudo, não pode ser assim tão superficial. Prisões preventiva e temporária não se confundem e têm fundamentos bastante diversos, inconciliáveis, registre-se. A primeira, embora criticável, tem seus correspondentes fundamentos previstos no Código de Processo Penal, podendo ser decretada “como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.” A segunda, disciplinada pela material e formalmente inconstitucional Lei 7.960/1989, possui outros requisitos: além de haver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado em um dos crimes taxativamente elencados pelo dispositivo, deve-se demonstrar sua imprescindibilidade para as investigações do inquérito policial. São, pois, modalidades disjuntivas de custódia: são absolutamente contraditórias, inconciliáveis.
No caso da prisão temporária, tanto a autoridade representante, quanto o magistrado que a decreta devem demonstrar que “a investigação necessita da prisão ou, ainda, a liberdade é incompatível com o que necessita a investigação para esclarecer o fato” [2]. Há, portanto, um severo ônus argumentativo/probatório para se fundamentar, idoneamente, a prisão temporária, que é bastante distinto do referente à prisão preventiva.
É o que Aury Lopes caracteriza como periculum in libertatis “distorcido” (“porque não é a liberdade do imputado o gerador do perigo que se quer tutelar” [3], o que fundamentaria, em tese, a prisão preventiva). E nisso reside as maiores críticas quanto à (in)constitucionalidade da prisão temporária: diante do direito a não autoincriminação (e outras garantias fundamentais), não há como se cogitar a imprescindibilidade da prisão para investigação.
Desse modo, a substituição ex officio da prisão preventiva pela temporária é inviável, ainda que sob a ótica da proporcionalidade. Essa conclusão, inclusive, abarca outra grave situação vivenciada na persecução penal: pedidos de prisão temporária formulados alternativamente, em relação à preventiva. A pretensão é logicamente inviável, sendo evidente situação de preclusão.
Isto porque, a incidência do princípio da proporcionalidade à situação em exame não permite o decreto, ex officio, da prisão temporária. Em primeiro plano, por haver óbice legal a tal procedimento: vez que essa medida cautelar “será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público” [artigo 2º, caput, da Lei 7.960/1989].
Ora, trata-se de observância ao sistema acusatório (cada parte no lugar constitucionalmente demarcado [4]). Do contrário, ter-se-ia o órgão julgador como responsável pela gestão da investigação, o que é francamente inadmissível. Haveria, nesse cenário, contrariedade a dispositivos da Constituição Federal, especialmente pela usurpação de atribuições institucionais das demais funções essenciais à justiça.
Em segundo lugar, pelo próprio ordenamento jurídico enunciar a solução a ser adotada quando a prisão preventiva (ainda que presentes seus fundamentos legais) revelar-se desproporcional: a substituição pelas medidas dispostas no artigo 319 do Código de Processo Penal.
Ao cabo, encampou-se raciocínio próprio do direito processual civil (quanto à existência de um poder geral de cautela), o que é inaceitável pela profunda distinção dos sistemas que regem ambos os processos e, muito especialmente, por afrontar o princípio da legalidade. E busca-se sustentar esse tipo de decisão numa suposta situação mais favorável ao investigado. Assim, com esse tipo de atuação pelo Poder Judiciário, ganha ainda mais relevo a pergunta: “quem nos salva da bondade dos bons?” [5]

1 STF, HC 118.580 MC, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Decisão Proferida pelo Ministro CELSO DE MELLO, julgado em 09/07/2013, DJe-148 DIVULG 31/07/2013 PUBLIC 01/08/2013.
2 LOPES JR., A. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, v. II, p. 124.
3 Ibidem.
4 COUTINHO, J.N.M. Sistema acusatório : cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 46, n. 183, p. 103-115, jul./set. 2009.
5 MARQUES NETO, A. R. O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática: O Juiz Cidadão. Revista ANAMATRA, São Paulo, n. 21, p. 30-50, 1994.
 é advogado e professor. Doutor em Direito Penal Econômico (UFPE). Membro da Comissão de Juristas para atualização do Código Penal e da Comissão de Juristas para atualização da Lei de Execuções Penais.
Alan Siraisi Fonseca é graduando em Direito na Universidade Federal da Bahia.
Revista Consultor Jurídico, 06 de março de 2016

terça-feira, 8 de março de 2016

Cejuscs solucionam cerca de 270 mil casos

Cerca de 270 mil casos foram solucionados nos centros judiciários de Resolução de Conflito e Cidadania (Cejuscs) em 2015, segundo o Conselho Nacional de Justiça, evitando a entrada de mais processos no já congestionado Judiciário brasileiro.
Os dados referem-se a oito estados e não contabilizam as audiências que ocorrem nas semanas nacionais de conciliação. Só em São Paulo, estado com o maior número de centros (153 unidades), 138 mil casos foram finalizados com a ajuda de conciliadores, magistrados, servidores e instituições envolvidas nas audiências de conciliação.
“Esse é um passo importante para conseguirmos uma Justiça mais ágil. Não é racional mover a máquina do Judiciário para solucionar conflitos que podem ser resolvidos pelos próprios cidadãos”, avalia o conselheiro Emmanoel Campelo, presidente da Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania e coordenador do Movimento Gestor pela Conciliação no CNJ.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, o número de acordos antes do ajuizamento da ação, na chamada fase pré-processual, chega a quase 70%. Das 122 mil sessões, chegou-se à conciliação em 82 mil delas. Na área processual (quando o processo judicial está em curso), das 113 mil sessões, 56 mil obtiveram êxito (49% de conciliações).
Já os Cejuscs do Distrito Federal atenderam mais de 68 mil pessoas em 24 mil audiências de conciliação, tendo conseguido acordo em mais de 7 mil delas. Os dados, consolidados pelo Núcleo Permanente de Mediação e Conciliação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, mostram um acréscimo de 47% no número de audiências feitas em relação a 2014.
O tribunal firmou mais de 30 parcerias com instituições públicas e privadas para facilitar a resolução dos conflitos. Defensoria Pública, bancos, cooperativas, financeiras, construtoras, escritórios de advocacia, empresas de plano de saúde, instituições de ensino, empresas de telecomunicações e de transporte aéreo, além de empresas varejistas são parceiros do TJ-DF.
Outros estados
Em Minas Gerais, foram 33 mil audiências, com acordos em 14 mil delas (42%). Outro tribunal de Justiça que obteve bons resultados em 2015 foi o de Goiás. Dentre as 32 mil audiências, o TJ-GO obteve 20 mil acordos (62,5%).
A Bahia obteve 15,2 mil acordos no mesmo período. No Pará, o número chegou a 2,9 mil após 3,7 mil sessões. O Cejusc de Santa Catarina finalizou pouco mais de 2 mil acordos e, em Tocantins, das 4,4 mil audiências, foram concluídas positivamente 1,7 mil.
Desde a criação da Política Nacional da Conciliação, já foram criados cerca de 500 centros em todo o país. Dentre os casos que podem ser resolvidos nos Cejuscs estão questões relativas ao Direito Cível e de Família, como regularização de divórcios, investigação de paternidade, pensão alimentícia e renegociação de dívidas.
 Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Professor critica irracionalidade de penas e encarceramento em massa

As penas de longa duração, como as previstas no Brasil e em outros países, são irracionais e alimentam a cultura do encarceramento em massa. Segundo o professor Álvaro Pires, da Universidade de Ottawa, do Canadá, a história do conceito de punição demonstra que prender muitas pessoas por muito tempo não é a forma adequada de se punirem os responsáveis por crimes. Na palestra que proferiu no 2º Fórum Nacional de Alternativas Penais, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em Salvador/BA, Álvaro Pires criticou as leis que aprisionam excessivamente os presos condenados no Brasil e em outros países, como os Estados Unidos da América (EUA). O tema do Fórum foi “Audiência de Custódia e a Desconstrução da Cultura do Encarceramento em Massa”.
Com base na obra “Vigiar e Punir”, do filósofo francês Michel Foucault, o professor relata que críticas às premissas da prisão como solução para a criminalidade são registradas na França desde a primeira metade do século XIX. Segundo ele, o sistema prisional já era visto desde aquela época como “quartéis do crime” que criavam um ambiente propício à formação de associações de criminosos ou “clubes antissociais”. As conclusões de dois congressos penitenciários – o primeiro realizado em 1847 e o outro, em 1945 – foram as mesmas e formuladas quase nos mesmos termos. “As prisões não diminuem as taxas de criminalidade, provocam a reincidência, e favorecem o encontro e a organização dos delinquentes”, resumiu o estudioso.
Para ilustrar o absurdo das condenações, Pires usou como exemplo a pena de James Holmes, homem que ficou conhecido como o assassino do Cinema Aurora, pelos 12 homicídios que cometeu em 2012, tendo sido condenado pela Justiça dos EUA a 12 penas de prisão perpétua, sem possibilidade de pedir liberdade condicional, além de 3.318 anos de prisão por outras condenações. “Não dá para dizer que é uma prisão irracional, porque nela há muitas razões. Podem não ser boas razões, mas são razões. Na verdade, é mais uma pena absurda que irracional”, disse o especialista em criminologia.
Punições – De acordo com o professor, a pena de privar os culpados do direito à liberdade sobrevive há séculos por uma questão de conveniência. A justificativa teórica do sistema prisional sempre acomoda o encarceramento como resposta ao crime. “O termo punição, castigo ou pena é indiferente, mas pode ser definido como um sofrimento que castiga e vinga o que o indivíduo fez. Essa noção vai entrar na primeira teoria retributivista, depois na teoria da dissuasão e finalmente na teoria da recuperação carcerária. As teorias da pena estão servindo para nós acomodarmos nossas filosofias diferentes e homogeneizar nossas práticas. Podemos ser deterministas ou seguir qualquer outra linha filosófica, desde que todo mundo vá para a prisão do mesmo jeito. Então trata-se de uma armadilha cognitiva”, disse.
Aumentar o tempo das penas com a atribuição de agravantes aos crimes também foi objeto da crítica do criminologista, para quem o recurso jurídico tem sido aplicado equivocadamente. Condenar por mais tempo com base na “periculosidade” do autor de um crime só deveria valer, segundo Pires, para casos muito específicos. “Se há um criminoso em série ou alguém que vai botar uma bomba numa creche, precisamos segurar essa pessoa, mas isso tem de ser visto como cláusula excepcional, e não como princípio para majorar a pena de qualquer crime. Para aumentar a pena, tem de estar justificado o interesse de periculosidade maior na segurança física dos outros, não em caso de fraude fiscal, por exemplo. Para esses casos, tem muitas outras maneiras de controlar sem precisar botar alguém na cadeia por 30 anos”, disse.
Perspectivas – Para mudar a abordagem do direito penal relacionada às punições, o estudioso defende uma maior liberdade de atuação para os atores do sistema de Justiça, inclusive magistrados, especificamente no que for discricionário (que caiba ao juiz decidir). “Dentro do poder discricionário do juiz, a possibilidade de recuar ou mudar qualitativamente a pena, para mim, faz parte das prerrogativas fundamentais de um Poder Judiciário porque é ali que o direito fiscaliza o respeito aos direitos humanos e o respeito aos valores do direito. Então sou favorável a essa margem de liberdade, eu só posso desejar para o Judiciário do meu país adquirir um pouco mais de espaço para poder defender o direito no momento da pena”, afirmou.
Massa prisional – O Brasil tem a quarta maior população carcerária do planeta em termos absolutos, 607 mil presos, segundo os dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJ). O número de presos quadruplicou desde 1995, quando havia cerca de 148 mil detentos nas prisões brasileiras. O programa Audiência de Custódia, implantado pelo CNJ em 2015, evita o aumento do contingente carcerário ao permitir que os magistrados avaliem a necessidade de manter os acusados de crimes presos em flagrante, tomando o depoimento do preso e ouvindo as manifestações da defesa, da promotoria e da polícia.
Agência CNJ de Notícias

quinta-feira, 3 de março de 2016

Ações da Lei Maria da Penha analisadas após audiências de custódia

No Recife/PE, quando a Justiça processa um acusado de cometer um crime previsto na Lei Maria da Penha, as características de agressores e agredidos são tão comuns que é possível traçar um perfil dos envolvidos. A mulher tem baixa renda e frequentou a escola por pouco tempo. O homem é, na maior parte das vezes, companheiro (ou ex) da mulher agredida e está sendo processado por crime de ameaça. Os relacionamentos têm duração média de 10 a 30 anos e geraram filhos.
O perfil consta da pesquisa “Alternativas penais e a Lei Maria da Penha: um diálogo essencial”, divulgada pela professora de criminologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marília Montenegro, durante o 2º Fórum Nacional de Alternativas Penais, evento que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu semana passada em Salvador/BA.
Ao longo de 2013, a professora acompanhou os processos judiciais relacionados à Lei Maria da Penha e ouviu as mulheres que representavam o chamado polo passivo das ações penais de violência doméstica na capital pernambucana. Nos relatos que ouviu, a pesquisadora descobriu que as mulheres eram vitimizadas desde antes do ato da agressão física até muito tempo depois da prisão do agressor, tanto com violência física quanto com violência psicológica. Um dos primeiros casos que Marília Montenegro acompanhou foi o de uma mulher cujo marido morreu tragicamente após ser preso pela Lei Maria da Penha.
De acordo com a professora, a vítima da violência estava angariando fundos para pagar a fiança do companheiro, preso dias antes, quando o homem foi assassinado durante uma rebelião no presídio Aníbal Bruno, no Recife. Quando a mulher chegou ao presídio, entrou em desespero ao ver os filhos dela e a mãe do seu ex-companheiro responsabilizando-a pela morte do homem. “Quando a conheci, ela me dizia ‘eu matei ele’. Eu respondi ‘não, quem matou foi o Estado de Pernambuco’. Então imagine o peso dessa mulher que mora com a sogra, que tem seus filhos e foi buscar o corpo do seu companheiro no sistema prisional pernambucano”, afirmou a pesquisadora.
A situação de fragilidade social das mulheres fica evidenciada nos trechos de depoimentos das vítimas à polícia, conforme a pesquisadora extraiu dos termos circunstanciados aceitos pelo Ministério Público para iniciar o processo de violência doméstica nos Juizados Especiais Criminais. Sem saber ler ou escrever, muitas vítimas narram episódios de maridos bêbados que as agridem com brutalidade, em crises de ciúmes ou por não aceitar o fim da relação. Quando os casos chegam aos juizados especiais criminais, é comum as mulheres mudarem as narrativas em favor do agressor, de acordo com os relatos coletados em audiências de conciliação presenciadas pela pesquisadora e pelos seus colegas do Grupo Asa Branca de Criminologia. Em um deles, a vítima acabou por perdoar o agressor quando este concordou em se tratar do alcoolismo.
Condenações – O resultado é que, em muitos casos, os processos penais acabavam arquivados por falta de provas. Ao final dos julgamentos acompanhados na pesquisa, apenas 38% dos réus foram condenados – destes, apenas 33% tiveram de cumprir pena na prisão. Mesmo assim, apenas 15% desses condenados ao regime fechado não têm a pena privativa de liberdade convertida em uma pena restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade) ou suspensa condicionalmente, por um instituto chamado “sursis simples”.
Humanização – De acordo com a professora Marília Montenegro, não necessariamente as mulheres que levam seu conflito à Justiça exigem a prisão do homem que as agrediu ou ameaçou. Em muitos relatos analisados na pesquisa, as vítimas vão à Justiça para pedir uma separação, com partilha de bens e pedido de pensão alimentícia – em um deles a mulher afirmou ao promotor público que gostaria apenas de um pedido de desculpas público do seu companheiro. “A ofendida olhou para o conciliador e, sem titubear, afirmou: ‘eu só quero que ele me peça desculpas, aqui na frente do senhor Doutor e da Justiça brasileira, e que o senhor coloque isso no papel. Para mim isso basta! Depois de tudo que eu falei aqui para vocês eu já estou aliviada'. Ele teve que ouvir tudo, acho que foi a primeira vez, depois de mais de 25 anos vivendo juntos, que ele foi obrigado a ouvir tudo", relatou a pesquisadora.
Novo tratamento – Com tantas demandas diferentes da prisão, a conclusão de Marília Montenegro é que todo o sistema de Justiça precisa humanizar o tratamento dispensado a mulheres vítimas de violência doméstica, sobretudo após o advento das audiências de custódia em todo o país. “A Lei Maria da Penha tem de ser repensada a partir das audiências de custódia, que é um instrumento importantíssimo, mas precisamos da sensibilidade de magistrados, promotores e defensores públicos”, afirmou a estudiosa, que teme que o excesso de trabalho prejudique a análise pormenorizada dos diferentes tipos de crimes apresentados nessas audiências.
Ela sugere um possível aprimoramento. “O Judiciário pode atuar numa grande parte, mas algumas medidas que poderíamos pensar para a Lei Maria da Penha, como (aplicar) a Justiça Restaurativa, precisaria realmente de alteração legislativa. Atualmente, a conciliação e a suspensão condicional do processo (que permitiria a interrupção do processo enquanto o réu cumpre medida protetiva) foram alternativas afastadas em julgamento do Supremo Tribunal Federal. Passados 10 anos da lei, é tempo de pensar em aprimoramentos. Alguns o próprio Judiciário pode fazer, dentro da audiência de custódia. Em outros casos, precisaremos de alteração legislativa“, afirmou a professora Marília Montenegro.
Agência CNJ de Notícias

terça-feira, 1 de março de 2016

Novo ministro da Justiça é contra espetacularização do Direito Penal

Anunciado nesta segunda-feira (29/2) como novo ministro da Justiça, o procurador de Justiça Wellington César Lima e Silva tem 50 anos de idade, 25 de carreira e considera que crimes “necessitam e reclamam firme combate, mas tal enfrentamento deve observar rigoroso respeito às regras do jogo”.
“A espetacularização do Direito Penal prejudica a todos. Não há cidadania plena e desembaraçada em um contexto de flagrantes e diuturnas violações às garantias individuais, a sensação de insegurança que a todos toca não pode ser pretexto para concessões desta natureza”, escreveu em 2009 para Boletim do ICCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).
A declaração combina com o perfil garantista apontado por colegas de trabalho. Em 2011, durante seminário organizado pelo Ministério Público, Lima e Silva afirmou ser contra a redução da maioridade penal, por considerar a proposta “uma solução simplista e grosseira, que não pode trazer à sociedade qualquer tipo de avanço”. Procuradores ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídicotambém o definem como dinâmico e notívago — quando era procurador-geral de Justiça da Bahia, fazia reuniões de madrugada.
Nascido em Salvador e membro do Ministério Público baiano desde 1991, ele assumiu a chefia da instituição por quatro anos. Em 2010, seu nome foi o terceiro mais votado para o cargo em consulta aos colegas, 147 votos atrás da primeira colocada. Mesmo assim, foi escolhido pelo então governador Jaques Wagner, hoje chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff (PT) e apontado como responsável pela indicação de Lima e Silva ao ministério.
Dois anos depois, foi reconduzido ao cargo, dessa vez sendo o mais votado. Em 2014, conseguiu ainda fazer o sucessor, Márcio José Cordeiro Fahel, e manteve posição na cúpula do MP-BA, como procurador-geral de Justiça adjunto para assuntos jurídicos.
Wellington César teve sua carreira focada na área criminal. Graduou-se pela Universidade Federal da Bahia em 1988, é mestre em Ciências Penais e Criminologia (Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro) e iniciou seu doutorado em Direito Penal na Universidad Pablo de Olavide, em Sevilla, na Espanha. Foi professor de Direito Penal na Universidade Salvador (Unifacs), instituição privada, e coordenador regional do IBCCrim na Bahia.
Quando ainda se discutia a PEC 37, proposta de emenda constitucional que limitaria os poderes de investigação do Ministério Público, declarou que faz sentido dar ao MP e a outras instituições o poder de apurar casos por conta própria.
“Existem situações específicas em que o descortinamento de uma investigação ficaria comprometida se estivesse apenas na mão da polícia. De modo que há um sentimento predominante de que não apenas a polícia, mas também o MP, autoridades da saúde e fazendárias, entre outras, podem colaborar no sentido de que a resultante do esforço persecutório no estado republicano brasileiro fique mais complexo, mais aperfeiçoado e que não haja uma plena hegemonia que eventualmente conspire contra o interesse coletivo de ver as infrações convenientemente apuradas”, declarou.
Em 2013, foi um dos 45 candidatos à vaga aberta no Superior Tribunal de Justiça com a aposentadoria do ministro Asfor Rocha. No entanto, ficou fora da lista tríplice. Naquela oportunidade, o procurador Rogério Schietti Cruz, do Ministério Público do Distrito Federal, foi escolhido para o cargo de ministro.
Trocas de comando
Lima e Silva ocupará o lugar de José Eduardo Cardozo, que comandava o ministério desde dezembro de 2010 e assumirá a Advocacia-Geral da União. O atual responsável pela AGU, Luís Inácio Adams, sairá do governo federal por motivos pessoais, segundo nota divulgada pela Presidência da República. Dilma também anunciou Luiz Navarro como novo ministro-chefe da Controladoria-Geral da União.
Revista Consultor Jurídico, 29 de fevereiro  de 2016.