segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Guerra às drogas X Sobrecarga das prisões

Guerra às drogas sobrecarrega prisões e alimenta massacres

Com os massacres ocorridos em presídios de ManausBoa Vista e Patos (PB), já são 93 detentos mortos nos seis primeiros dias de 2017. Conjugada com a ineficiência estatal, tudo indica que as execuções resultaram de conflitos entre as facções rivais que controlam paralelamente os presídios. Mas esses assassinatos em penitenciárias só continuam ocorrendo pela insistência na chamada guerra às drogas, que sobrecarrega o sistema carcerário, fortalece as organizações criminosas e não reduz o uso de entorpecentes.

Tráfico de drogas responde por 28% dos presos do Brasil, diz Ministério da Justiça
Reprodução

A situação piorou com a promulgação da nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006). A norma foi editada com a intenção de atenuar o excesso de punitivismo estatal. Dessa forma, a pena de detenção de seis meses a dois anos para usuários, prevista na Lei 6.368/1976, foi substituída por advertência sobre os efeitos dos entorpecentes, prestação de serviços à comunidade e obrigação de comparecer a programa ou curso educativo (artigo 28). Além disso, a norma de 2006 ampliou o uso de medidas cautelares.
A lei também endureceu a punição para o crime de tráfico de drogas (artigo 33). A pena mínima passou de três para cinco anos de prisão, e as reparações subiram de 50 a 360 dias-multa para 500 a 1.500 dias-multa. E desde 1990, com a Lei 8.072/1990, tráfico de drogas é considerado crime hediondo (embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido em 2016 que o tráfico privilegiado, estabelecido no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas, não tem essa natureza).
Impulsionados pela demonização das drogas e descontentes com o fato de os consumidores não serem presos, policiais, promotores e juízes passaram a enquadrar muitos deles como traficantes. Tal classificação pode ser feita devido à ausência de critérios objetivos para determinar quais quantidades de entorpecentes configuram posse para uso próprio e quais demonstram atividade comercial.
A mudança resultou em uma explosão do número de presos por tráfico de entorpecentes. Em 2005, eram 31.520 detidos por esse crime, o equivalente a 9% da população carcerária do país, que então contava com 361.402 pessoas, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça. Já em 2014, o número de presos por tráfico subiu para 174.216, e esse delito passou a ser o que mais leva gente para as penitenciárias: 28% dos 622.202 detentos do Brasil. Esse percentual é ainda maior quando a conta inclui apenas mulheres: 64% das presidiárias estão encarceradas pelo artigo 33 da Lei de Drogas.
A intensificação da guerra às drogas aumentou o poder de facções criminosas que vendem esses produtos. Isso porque quanto mais traficantes são presos, mais escassos ficam os entorpecentes, afirma o juiz em Santa Catarina Alexandre Morais da Rosa, colunista da ConJur. Segundo ele, com menor oferta, os preços das drogas sobem, aumentando o lucro das organizações criminosas.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, o narcotráfico movimenta US$ 320 bilhões anualmente no mundo. No Brasil, o Ministério Público de São Paulo e a Polícia Federal estimam que a facção originada nos presídios de São Paulo, a maior quadrilha nacional, tenha faturamento de R$ 200 milhões por ano. Desse valor, 80% vem de drogas, avalia a Polícia Civil paulista.

Juiz Valois diz que a criminalização das drogas é ineficaz e arbitrária
Ministério da Justiça

Uma vez que esse mercado é ilegal, as disputas são resolvidas por meios violentos, aponta o juiz da Vara das Execuções Penais de Manaus Luís Carlos Honório de Valois. Para ilustrar seu argumento, ele – que foi chamado pelo governo estadual para participar das negociações pelo fim do conflito no Complexo Penitenciário Anísio Jobim que terminou com a morte de 56 presos – faz um paralelo com os donos de bares.
“O tráfico de drogas é um mercado descontrolado. O dono de uma boca de fumo mata quem abrir outra boca próxima à sua, porque ele não pode ir ao Procon ou ao Judiciário. Mas isso não ocorre com donos de bares. O proprietário de um não mata o seu concorrente”, analisa.
Como traficantes são os criminosos mais comuns em presídios, a disputa por mercado acaba se estendendo a esses estabelecimentos, diz a juíza aposentada Maria Lúcia Karam. “Sem dúvida, é a guerra às drogas e a busca por mercados que gera massacres como esses dessa semana”.
Única saída
A guerra às drogas já consumiu mais de US$ 1 trilhão, conforme a London School of Economics, sendo responsável por 40% dos presos do mundo. O problema é que esse embate é como enxugar gelo, pois há uma grande procura por entorpecentes — segundo a ONU, são 243 milhões de usuários no planeta.
Esse cenário só será alterado com a regulamentação das drogas. Mas não apenas da maconha, que tem compra e uso permitidos na Holanda, Uruguai e estados norte-americanos como Colorado e Califórnia. A situação somente mudará de verdade quando a cocaína, responsável pela maior parte dos lucros dos traficantes, deixar de ser criminalizada. Há muito mais usuários dessa droga do que as pessoas pensam, afirma o jornalista italiano Roberto Saviano no livro ZeroZeroZero (Companhia das Letras).  
“Quem cheira está ao seu lado. É o policial que está a ponto de te parar, que cheira faz anos, e agora todos se deram conta e escrevem cartas anônimas que mandam a seus superiores esperando que o suspendam antes que faça alguma besteira. Se não é ele, é o advogado que você vai consultar para o seu divórcio. É o juiz que se pronunciará sobre sua causa cível e não considera o pó um vício, só uma ajuda para gozar a vida”, diz trecho da obra.
Descriminalização
Uma saída seria a descriminalização do uso de drogas, como defende o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. “Se a gente for olhar, uma boa desse recrudescimento das prisões está associado ao tráfico de drogas. E aí vem aquela situação do usuário que também trafica para suprir o vício. E a Justiça não consegue distingui-lo”, disse à BBC. A questão está sendo analisada pelo STF, e já conta com três votos a favor do fim da tipificação: Gilmar manifestou-se pela extensão da medida a todos entorpecentes; Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, limitaram-se à liberação da maconha.
Contudo, os especialistas ouvidos pela ConJur acreditam que o cenário sanguinário, tanto dentro quanto fora das prisões, só mudará de verdade com a regulamentação de todas as drogas. Com isso, os entorpecentes não seriam mais considerados uma questão de segurança, mas um assunto de saúde pública, como já ocorre com o tabaco e o álcool.  
Para Maria Lúcia Karam, a violência só existe porque o mercado é ilegal. Tanto que, quando o álcool ficou proibido nos EUA, entre 1920 e 1933, aumentou a incidência crimes fatais.
Luís Carlos Valois tem visão semelhante. O juiz, que tratou do assunto em sua tese de doutorado, alega que a definição de quais substâncias seriam consideradas legais e quais seriam proibidas foi totalmente arbitrária. “Não há estudos sérios comparando os efeitos das drogas”, declara, notando que todas as civilizações faziam uso de algum tipo de entorpecente.
A legalização é necessária, mas antes disso, é preciso desmilitarizar as polícias, ressalta Alexandre Morais da Rosa. A seu ver, somente com o fim da “lógica de guerra” nas ruas que a regulamentação das drogas poderia ser efetivamente encarada como assunto de saúde pública.
Outros crimes
Um argumento usado por aqueles que são contra a legalização das drogas é que os traficantes passariam a praticar crimes mais violentos, como furtos, roubos e sequestros. Os magistrados entrevistados pela ConJur até admitem haver uma chance de isso ocorrer, mas opinam que os efeitos da regulamentação compensariam um eventual aumento inicial de outros delitos.

Segundo Alexandre Morais da Rosa, regulamentação das drogas liberaria valores para saúde e educação
Reprodução

Sem ter que se preocupar com o tráfico, policiais combateriam de maneira mais eficaz furtos, roubos e sequestros, afirma Valois. E essa mudança liberaria recursos empregados na guerra às drogas e em presídios para saúde e educação, diz Morais da Rosa.
Já Maria Lúcia entende que outros crimes não teriam a mesma dimensão do tráfico, já que são atividades individualizadas, e não produtivas, como aquele delito. A ex-juíza ainda cita que os traficantes poderiam continuar exercendo essa função dentro do mercado legal.
Governo na contramão
Entretanto, as medidas anunciadas pelo presidente Michel Temer para reduzir os massacres em presídios no país são totalmente diferentes às recomendadas por Alexandre Morais da Rosa, Luís Carlos Valois e Maria Lúcia Karam. Além disso, não resolvem os problemas da questão carcerária.
Temer prometeu repasses de R$ 800 milhões para a construção de, pelo menos, uma nova penitenciária em cada estado, além de cinco novas cadeias federais para criminosos de alta periculosidade.
Na mesma linha de seu chefe, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou em dezembro que lançará em breve um plano de redução de homicídios focado em ações policiais, sem a participação de pastas da área social. Entre as medidas estarão o aumento do tempo necessário para progressão da pena (atualmente, o condenado deve cumprir um sexto de sua punição para ir para outro regime; se cometeu crime hediondo, mas é réu primário, dois quintos; se já tivesse antecedentes, três quintos) e a intensificação do combate às drogas.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 8 de janeiro de 2017, 12h03


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Presunção de culpa após o segundo grau é inconstitucional

Encerrado o ano judiciário é sugestiva para a realização de um balanço sobre os acertos e desacertos das decisões da Suprema Corte brasileira, algo que ocorre com muita frequência nos Estados Unidos, quando a revista Harvard Law Review faz publicar, desde 1950, a série “Foreword”, geralmente com um autor convidado escolhendo um tema de abordagem. Em termos de representatividade, é preciso observar que o STF terminou o ano de 2015 com uma “flexibilização” da inviolabilidade de domicílio, ao julgar o RE 603.616, quando disse que seria possível a autoridade policial ingressar na residência das pessoas, durante o dia, mesmo sem possuir mandado judicial, no que pode ser observado como uma “emenda constitucional judicial”, norma aparentemente não escrita (invisível) da Constituição Federal.
O ano de 2016 terminou igualmente com uma decisão do mesmo quilate, quando a Corte Suprema disse que a “presunção de inocência” se transforma em “presunção de culpa”, assim como a “inviolabilidade de domicílio” foi transformada em “não-inviolabilidade de domicílio”, em decisões que também podem ser consideradas como “emendas constitucionais judiciais”, cuja discricionariedade subjacente parece ser violadora do texto constitucional, na distinção que Eros Grau realiza entre “juízo de legalidade” e “juízo de oportunidade”: “a distinção entre ambos esses juízos encontra-se em que o juízo de oportunidade comporta uma opção entre indiferentes jurídicos, procedida subjetivamente pelo agente; o juízo de legalidade é atuação, embora desenvolvida no campo da prudência, que o intérprete empreende atado, retido pelo texto normativo e pelos fatos” (Grau, Eros. O Novo Velho Tema da Interpretação do Direito. Em: Streck, Lenio et all. Ontem os Códigos! Hoje, As Constituições! Homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 28).
Este artigo analisa o recente (e aparente) equívoco interpretativo do Supremo Tribunal Federal com relação à “presunção de inocência”, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O STF realizou alguns julgamentos, com marcos temporais distintos, sobre da presunção de inocência, devendo ser destacado o momento de transição do regime anterior para a Constituição Federal de 1988 como primeiro marco (I), o Habeas Corpus 84.078, rel. Min. Eros Grau, em 2009 como segundo marco (II), e o Habeas Corpus 126.292, e, as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, respectivamente, em fevereiro e outubro de 2016, como terceiro marco (III).
Marco TemporalDataAdmissão da prisão após 2º grau
1º - HC 55.118/MG1977-1988Sim
2º - HC 84.078/MG2009Não
3º - HC 126.292/SP2016Sim
Este artigo procurará demonstrar que o Supremo Tribunal Federal realizou o que se denomina “interpretação retrospectiva” (como será abordado), especificamente no período de tempo compreendido entre o primeiro marco (1988-2009), quando a alteração interpretativa realizada no segundo marco buscou privilegiar a normatividade da Constituição, mas que de 2016 em diante, no terceiro marco, a Corte voltou ao modelo de interpretação retrospectiva, aparentemente violando-se a Constituição Federal de 1988.
A Constituição ora vigente trouxe expressa vinculação do trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena (artigo 5º, LVII), muito embora a Suprema Corte tenha adotado a partir de 1988, inicialmente, modelo interpretativo no qual um dispositivo constitucional novo é interpretado à luz — e sob a perspectiva — do ordenamento constitucional anterior, ou “interpretação retrospectiva”, como prefere o professor e ministro Luís Roberto Barroso (Barroso, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Rio de Janeiro: Saraiva, 4ª ed., 2001, p. 71).
E isto porque, ao julgar o antigo Habeas Corpus 55.118/MG, de 16/6/1977, do qual foi relator o ministro Cordeiro Guerra, o STF discutiu a tese que buscava saber se com advento da Lei 5.941/73, o artigo 637 do CPP teria sofrido alguma influência, a partir da alteração inserida no artigo 594 do CPP, o qual passou a permitir que o réu apelasse em liberdade, desde que o condenado fosse "primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto", mas o Tribunal, no particular, mencionou que:
“Subsiste na nova lei o dever do réu apelante se apresentar à prisão, o que se excepciona em sendo ele primário e de bons antecedentes, e o reconheça a sentença. Por igual, tal benefício pode ser concedido em casos de renúncia. Fosse intenção do legislador dar ao recurso extraordinário efeito suspensivo, o teria feito expressamente. Se não o fez, há que executar-se a sentença condenatória. As normas especiais, denegatórias de princípios gerais, a meu ver, não podem ser aplicadas extensivamente, quando há norma expressa em contrário. Por esses motivos, e porque intangido pela lei nova, o preceito do art. 637 do CPP, indefiro o pedido.”
Observa-se que as razões desta decisão, acompanhadas por outros julgados da Suprema Corte, são anteriores à Constituição de 1988. Mencione-se os seguintes julgados sob a égide do regime constitucional anterior à 1988: HC 57060/RJ, Rel. Ministro Rafael Mayer, 26.06.1979; HC 62.334/MG, Rel. Ministro Oscar Correa, 07.12.1984; HC 62.660/SP, Rel. Ministro Sydney Sanches, 12.04.1985; HC 66.045/MG, Rel. Ministro Carlos Madeira, 10.06.1988.
Contudo, após o advento do novo texto constitucional, em 5 outubro de 1988, a despeito da nova redação do artigo 5º, LVII, o Supremo Tribunal Federal continuou referendando a interpretação gestada no regime anterior, no sentido de que se o artigo 637 do CPP não previa efeito suspensivo para o recurso extraordinário, deveria o condenado iniciar o imediato cumprimento da pena após o julgamento em 2º grau.
É possível perceber esta trilha a partir dos seguintes julgados, posteriores à Constituição de 1988: HC 67.245/MG, Rel. Min. Aldir Passarinho, 28.03.1989; HC 68.449/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, 26.02.1991; HC 72.171/SP, Rel. Min. Sydney Sanches, 22.08.1995; HC 72.663/SP, Rel. Min. Sydney Sanches, 13.02.1996.
O STF entendeu naquele momento de promulgação da CF/88, que a inovação do artigo 5º, LVII, da Constituição Federal era impeditiva apenas de que se lançasse o nome do réu no rol dos culpados, o que viria a ser alterado apenas em 2009, quando do julgamento do HC 84.078, cujo relator foi o ministro Eros Grau.
Tais observações permitem perceber que uma guinada jurisprudencial como a que se observou no julgamento do HC 126.292/SP, em fevereiro de 2016, em que figuraram como seus principais fundamentos a ausência de efeito suspensivo no recurso extraordinário (tal como era o imperativo do artigo 637 do CPP de 1941), nos aproximou não apenas do superado modelo no qual, para apelar, o réu deveria se recolher primeiramente à prisão, exceto se fosse réu primário e com bons antecedentes (as exceções já em 1973), mas também nos conduz de volta para o passado, para o modelo do regime anterior, numa interpretação retrospectiva.
O que precisa ficar evidente, a propósito, é que falarmos simplesmente em interpretação “retrospectiva” seria algo vazio se não destacarmos que isso ocorre por meio de uma “emenda constitucional judicial”, espécie normativa que pode estar prevista no artigo 59, inciso I-A, da Constituição Federal, de forma invisível, oriunda de um subjetivo “juízo de oportunidade”, que representa uma violação ao texto da Constituição.
Não é por outro motivo que o ministro Cezar Peluso, quando presidia este Supremo Tribunal Federal, apresentou em 2011 uma Proposta de Emenda à Constituição que alterava o regime constitucional dos recursos especial e extraordinário, que passavam a não obstar o trânsito em julgado, conforme a redação do art. 105-A, então proposto:
“Art. 105-A A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte. Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento.”
O espírito que presidiu a alteração de entendimento sobre a presunção de inocência em 2016 pode ser resumido em quatro premissas relativamente simples, observáveis a partir dos argumentos trazidos pelos votos vencedores: 1) os recursos estariam sendo utilizados de maneira protelatória, causando impunidade; 2) teria havido uma “mutação constitucional” no artigo 5º, inciso LVII, da CF/88; 3) o percentual de provimento dos recursos de caráter extraordinário seria tão baixo, que não representaria argumento relevante do ponto de vista da presunção de inocência; e, 4) o Brasil estaria na contramão da história, diferente do que se pratica em países “civilizados”. Funcionariam como uma espécie de “exposição de motivos” do que denominamos de “emenda constitucional judicial”, mas como as exposições de motivos normalmente fazem, trazem implícita a conclusão a que já se quer chegar antes do argumento.
Como observação crítica, inicia-se observando que a interpretação retrospectiva realizada foi inconstitucional, pois representou um retorno ao regime constitucional anterior, mas que a impunidade eventual decorrente do uso e abuso protelatório de recursos sempre pode ser resolvida mediante atuação firme dos Tribunais, com aplicação de multa e determinação do imediato trânsito em julgado, algo que já vinha pontualmente ocorrendo, além de ser necessário recordar Konrad Hesse, sobre os limites da mutação constitucional, para quem uma teoria da mutação constitucional, antes de tudo, tem a “função de desenvolver critérios aplicáveis à situação normal”, encontrando restrições importantes que, exatamente por serem limitadoras, tonificam a força normativa da Constituição.
Neste sentido, observa Hesse, em casos bem determinados, pode ser que tal solução seja inviável, pois quando for preciso preservar variadas funções da Constituição que entrarem em conflito, se impõe a necessidade de encontrar “o equilíbrio de máximo respeito”, promovendo aquela solução “que respeite ambas as funções, no que isto for materialmente possível”. Tudo que for além de tais possibilidades será não mais mutação constitucional, e sim o que Hesse denomina de “quebra constitucional” ou “anulação da Constituição” (Hesse, Konrad. Limites da Mutação Constitucional. Trad. Inocêncio Mártires Coelho. Em: Temas Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 171).
Até por isso, o argumento do baixo percentual de provimento dos recursos de índole extraordinária é uma espécie de eclipse argumentativo, pois parâmetros percentuais são sempre moduláveis para se ajustarem a determinadas conclusões a que se busca chegar, além de ser obrigatório recordar a famosa anedota, de que as estatísticas são como os trajes de banho: mostram alguma coisa, mas cobrem o essencial.
Além do mais, o precisa ficar claro, numa alegação de comparação com outros modelos, é que mesmo no caso norte americano, costumeiramente invocado, observa-se que naquele país se utiliza o postulado consubstanciado na máxima “Innocent Until Proven Guilty”, construída e reconstruída pela Suprema Corte Americana, inicialmente a partir do caso Coffin vs. U.S (de 1894), no qual a Corte se deparou com uma recusa ocorrida no âmbito do Tribunal do Júri de se instruir um grupo de jurados sobre a advertência de que “O Direito presume que uma pessoa acusada de um crime é inocente até que seja provado por evidências competentes de que é culpada”, tendo havido confusão entre “prova”, “culpa”, “dúvida razoável” e “presunção de inocência”, e a reconstrução da opinião da Corte, através da redação a cargo do Justice Edward Douglas, é apontada como uma mixagem equivocada de preceitos de tradições jurídicas distintas, como direito romano, direito canônico, comentadores de estatutos jurídicos antigos, sem vinculação ao commom law, e atreladas a um advogado (Leonard MacNally), doutrinador ligado ao direito probatório (Pennington, Kenneth. Innocent Until Proven Guilty: The origins of a legal maxim. The Jurist, n. 63, 2003).
Aplicar tal “máxima”, desconsiderando seu contexto, equivale também, além de tudo, a aplicar o direito canônico, o direito romano, comentadores de estatutos antigos em detrimento do texto escrito da ora vigente Constituição Federal, em uma “super-interpretação retrospectiva”, invertendo-se presunção de inocência, vinculativa do início do cumprimento da pena ao transito em julgado, transformando-a em presunção de culpa até prova em sentido contrário, caso seja provido o recurso especial ou extraordinário. Inconstitucionalidade em hipérbole.
 é advogado, doutorando, mestre e professor de Direito (UniCEUB), além de pesquisador do grupo Cortes Constitucionais, Democracia e Isomorfismo.

Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2017.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Juiz é premiado ao mandar reduzir para 40% população carcerária de Osasco/SP

Uma decisão que limitou a população carcerária em dois Centros de Detenção Provisória (CDPs) de Osasco, região metropolitana de São Paulo/SP, deu ao juiz substituto da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) Marcelo Semer uma premiação no I Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos. O magistrado determinou que fosse reduzido de 5.196 para 2.000 o número máximo de presos dos dois centros de detenção. A capacidade de alojamento de cada um destes centros é de 768 detentos.  

Promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SDH), do Ministério da Justiça, o concurso premiou sentenças que efetivamente protegeram os direitos de vários segmentos da população. Proferida no dia 19 de setembro do ano passado, a decisão  Marcelo Semer foi a vencedora na categoria Direitos da População em Privação de Liberdade.
A decisão ocorreu no julgamento de um recurso da Defensoria Pública de São Paulo contra decisão que julgou improcedente pedido para que fosse imposto limite na lotação prisional ou para que os presos fossem transferidos.  

Além do excesso de presos, eram mantidos no mesmo estabelecimento detentos que deveriam ter sido encaminhados a tratamento psiquiátrico. Também não havia separação entre presos provisórios e definitivos ou entre réus primários e reincidentes, como estabelece o Código de Processo Penal.
Em sua defesa, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo alegou, resumidamente, que o problema era complexo e que não poderia ser resolvido por meio de ações civis públicas, pois sua solução demandaria providências de outros Poderes e entidades. Ao analisar o pedido, o magistrado entendeu que a falência do sistema penitenciário impõe à população carcerária pena cruel e degradante, por isso o Poder Judiciário não pode se omitir a apreciar qualquer lesão ou ameaça de direito, sob a justificativa de que há outros indivíduos em condições similares.

“Não existem cidadãos mais ou menos humanos que outros. Os condenados não são responsáveis pela desumanidade da pena que recebem”, afirma o Juiz.
Marcelo Samer disse que há certa tendência de responsabilizar moralmente os condenados pela precariedade da situação em que se encontram, porque, afinal de contas, teriam praticado o ilícito que os levou à reclusão. “Todavia, eles não são mais responsáveis do que as sanções que se lhes atribui, no caso, a privação da liberdade. A partir daí a responsabilidade por estabelecer uma forma humana do cumprimento desta sanção é do Estado”, diz o magistrado em sua decisão.  

De acordo com Samer, as condições carcerárias encontradas nas prisões de Osasco e em diversas outras em todo o Brasil violam a Constituição Federal e desrespeitam as regras mínimas para o tratamento de prisioneiros estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU).
“A ação do Judiciário vista, sobretudo, impedir que a omissão do Executivo amolde as cadeias como masmorras impenetráveis, palco de descasos que convirjam para violências, doenças e mortes, que, no futuro, retornarão como pedidos de indenização ao próprio Estado”, diz a decisão.

O juiz determinou então ao governo estadual que mantivesse em cada uma das unidades o número de encarcerados de no máximo, 1.000 detentos. Entrevistado na última terça-feira (14/2) logo após receber o prêmio das mãos da presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, o magistrado disse que o tema abordado na decisão é extremamente atual e que o juiz deve colocar sempre a dignidade da pessoa humana acima de todas as outras normas a serem observadas.
“A decisão não é de agora, mas a cada dia estamos descobrindo que nosso sistema carcerário é praticamente falido, não recupera presos e destroça pessoas, onde a dignidade é praticamente inexistente”, afirmou. Ele acredita que uma maior divulgação das decisões emblemáticas em Direitos Humanos pode contribuir para que outros juízes decidam no mesmo sentido.
Em julgamento realizado nesta quinta-feira (16/2), o STF decidiu que o Estado é obrigado a indenizar presos mantidos em situação degradante. A decisão fixou indenização de R$ 2 mil por danos morais a um condenado que cumpriu pena no presídio de Corumbá/MS.
Tatiane FreireAgência CNJ de Notícias


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Nova jurisprudência do STJ

STJ divulga jurisprudência sobre gratuidade da Justiça e outros quatro temas

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o benefício da assistência judiciária gratuita, ainda que possa ser requerido a qualquer tempo, tem efeitos ex nunc, ou seja, não retroage para alcançar encargos processuais anteriores. Esse é um dos cinco temas divulgados nesta segunda-feira (20/2) pela Pesquisa Pronta, ferramenta da própria corte que reúne julgamentos a respeito de questões jurídicas relevantes.
Em Direito Constitucional, a pesquisa mostra que os ministros geralmente não admitem a impetração de mandado de segurança contra ato jurisdicional dos órgãos fracionários do STJ ou de seus membros. Mas abre-se exceção em situações excepcionais, quando há ato teratológico ou de flagrante ilegalidade, insuscetível de, oportunamente, ser remediado pelas vias recursais próprias.
Em Direito Penal, o STJ vem decidindo pela não incidência do princípio da insignificância nos crimes praticados com grave ameaça ou violência contra a vítima, inclusive o roubo, assim como tem feito o Supremo Tribunal Federal.
Na área processual civil, a pesquisa mostra que são considerados incabíveis embargos de divergência quando o acórdão embargado não ultrapassou o juízo de admissibilidade, deixando de apreciar o mérito, e o julgado paradigma admitiu o recurso e enfrentou a questão meritória. A corte entende que, nesses casos, não existe a indispensável semelhança fático-processual entre os arestos confrontados.
O último tema divulgado pela pesquisa aponta como tem início a contagem do prazo prescricional quinquenal para quem deseja ajuizar ação de dano moral decorrente de prejuízos à saúde causados por acidente ambiental. O termo começa, segundo a jurisprudência do STJ, na data em que o autor tem a ciência inequívoca de que a doença diagnosticada decorreu de evento ou atividade nociva ao meio ambiente.
A notificação pública da poluição ambiental não pode ser considerada como termo inicial da contagem do referido prazo prescricional, pois os efeitos nocivos à saúde não surgem imediatamente, mas nos anos subsequentes.
 Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Prêmio Conciliar é Legal

Criatividade, alcance social e desburocratização na resolução dos conflitos distinguem os projetos vencedores da sétima edição do Prêmio Conciliar é Legal. Os vencedores receberão, nesta terça-feira (14/2), prêmios e menções honrosas pelas práticas eficientes voltadas à solução pacífica de conflitos. A cerimônia de premiação ocorrerá durante a 34ª Sessão Extraordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Lançado pelo CNJ em 2010 como parte da Semana Nacional de Conciliação, o Prêmio visa reconhecer, nacionalmente, o aprimoramento do Poder Judiciário em relação à conciliação na sociedade. Este ano, quase 100 projetos concorreram aos prêmios, dos quais 14 foram selecionados vencedores. 
O projeto desenvolvido para evitar, por exemplo, que pequenos conflitos de trânsito venham desembocar no Judiciário brasileiro, apresentado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE), foi o vencedor na categoria Tribunal Estadual, com o Projeto Pare! Concilie e Siga. A ideia foi promover capacitação de agentes de trânsito com objetivo de possibilitarem acordos nos casos de acidentes de menor gravidade, no momento da ocorrência. A Universidade de São Paulo (USP) também está entre as vencedoras do Prêmio na categoria Ensino Superior. O professor Antônio Rodrigues de Freitas Júnior receberá a premiação por ter inserido o tema mediação e conciliação na grade curricular da graduação e pós-graduação. Também foi vitoriosa a instrutora em conciliação do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), que apresentou e desenvolveu a conciliação por meio do aplicativo WhatsApp.
A coordenadora do Comitê Gestor do Movimento pela Conciliação no CNJ, conselheira Daldice Santana, disse que a premiação anual ajuda a mudar a cultura do Judiciário e da sociedade. “Ela é uma forma de apoiarmos e divulgarmos projetos criativos e eficientes, que contribuam para a resolução dos conflitos sociais. A valorização dos meios adequados de tratamento de conflitos pode, naturalmente, vir a reduzir o número de processos na Justiça, pois soluciona não apenas um processo, mas o conflito de maneira integral”, afirma.
Política judiciária – O Prêmio Conciliar é Legal está alinhado à Resolução CNJ n. 125/2010, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário. Na avaliação dos projetos, foram levados em conta critérios como eficiência, restauração das relações sociais, criatividade, replicabilidade, alcance social, desburocratização e satisfação do usuário.
Os prêmios serão concedidos nas categorias Tribunal Estadual, Tribunal Regional do Trabalho, Tribunal Regional Federal, Juiz Individual, Instrutores de Mediação e Conciliação, Ensino Superior, Mediação e Conciliação Extrajudicial e Demandas Complexas ou Coletivas. Também serão premiados os tribunais estaduais, federais e trabalhistas que alcançaram os índices de composição mais elevados durante a XI Semana Nacional de Conciliação, realizado em novembro do ano passado.
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Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias

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domingo, 19 de fevereiro de 2017

O STF não dá conta

Os números são espantosos. Aproximam-se de 500 os processos contra políticos correndo no Supremo Tribunal Federal (STF), dos quais 357 inquéritos e 103 ações penais.
A informação provém de um voto do ministro Luís Roberto Barroso, datado de 10 de fevereiro, que justificadamente procura apresentar soluções para o quadro, certamente inadministrável a médio prazo, que descreve.

Com efeito, argumenta o magistrado, a perspectiva de casos ainda mais frequentes de investigações contra deputados federais, senadores ou ministros acarreta os óbvios riscos de congestionamento das atividades do Supremo e de delongas processuais cujo efeito acaba sendo a virtual impunidade dos culpados.
Quanto ao primeiro risco, Barroso menciona o exemplo do processo do mensalão, que ocupou o STF por 69 sessões seguidas, durante cerca de um ano e meio, com prejuízo para a análise de inúmeros outros casos em que uma corte constitucional é instada a decidir.

A ameaça paralela –de que casos de grave desvio de verbas públicas terminem tendo sua punibilidade extinta– também se comprova. Reportagem publicada pelo jornal "O Estado de S. Paulo" cita os números de um levantamento da Fundação Getulio Vargas, segundo os quais o índice de condenações no Supremo é inferior a 1%.
De 404 ações penais analisadas, 276 prescreveram ou foram remetidas a outras instâncias.
Há razões suficientes, como se vê, para considerar que o foro privilegiado –prerrogativa plenamente justificável, destinada a proteger autoridades de eventual perseguição judicial por inimigos políticos– demanda reexame.
É necessário rever as normas que abrem, a um extenso rol de políticos e dirigentes, tantas ocasiões de impunidade. Tanto o número de contemplados quanto o de crimes abarcados pelo mecanismo pode, em tese ao menos, ser reduzido.

Em seu voto, Barroso avança uma alternativa, no plano da interpretação constitucional: a de que o tribunal se ocupe apenas dos casos de acusação de delitos cometidos no cargo e em razão do cargo protegido pelo foro.
Embora tentadora, a proposta deverá despertar polêmica. Como evitar que hipotéticos arbítrio e perseguição política de um único juiz de primeira instância alcancem injustamente o detentor de um mandato popular ou de um posto no primeiro escalão do Executivo?
As estatísticas da impunidade e da morosidade judicial confirmam, entretanto, a "disfuncionalidade" a que se refere Barroso –e os objetivos por ele expostos merecem discussão jurídica e legislativa.

(Transcrito do jornal Folha de São Paulo, de 19.02.2017).

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

CNJ premia práticas inovadoras com foco em conciliação

Hoje, aqui, temos a oportunidade de premiar as boas práticas que buscam fazer com que a Justiça realmente se concretize no seio da sociedade”, disse a presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, na entrega dos prêmios aos vencedores do Prêmio Conciliar é Legal de 2016. A solenidade ocorreu nesta terça-feira (14/02), durante a 34ª sessão extraordinária do CNJ.
Cármen Lúcia reforçou a importância de soluções autocompositivas diante dos altos números de processos que se acumulam no Judiciário brasileiro. “Com a judicialização que temos hoje, fruto de uma sociedade composta por cidadãos que conhecem seus direitos, a busca pela conciliação para a pacificação social é, provavelmente, um dos caminhos mais fecundos”, disse a ministra ao lembrar que os 16 mil juízes não dão conta das demandas que se acumulam no Judiciário,  atualmente, de quase 100 milhões de processos. “Mesmo atuando incessantemente, eles não conseguem alcançar a pacificação social”, afirmou.

Lançado pelo CNJ em 2010 como parte da Semana Nacional de Conciliação, o Prêmio Conciliar visa reconhecer, nacionalmente, o aprimoramento do Poder Judiciário em relação à conciliação na sociedade. Além dos 14 projetos vencedores, 19 práticas receberam menções honrosas pelos projetos eficientes voltados à solução pacífica de conflitos. Pela primeira vez, foi incluída a categoria Mediação e Conciliação Extrajudicial, permitindo que a empresa de tecnologia Mercado Livre, voltada para relações de consumo virtual, vencesse com o projeto Action.
Para tanto, a empresa reorganizou seu departamento jurídico, buscando solucionar de maneira criativa e pacífica os problemas enfrentados pelos compradores e vendedores, usuários da plataforma.

“O Mercado Livre assumiu a responsabilidade de aproximar e mediar as partes. O projeto tem dado resultado muito positivos; em um ano conseguimos encerrar mais de mil processos, com mais de duas mil pessoas envolvidas”, revela Ricardo Lagreca, diretor jurídico e de Relações Governamentais da plataforma.
Na categoria Ensino Superior, o ex-secretário Nacional de Justiça e professor de Direito do Trabalho e de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo (USP) Antônio Rodrigues de Freitas Júnior recebeu o prêmio por incluir, ainda em 2008, a mediação, a conciliação e cultura da paz na grade curricular do curso de Direito, tanto na graduação como na pós-graduação.
“Os alunos sempre foram muito receptivos; eu senti dificuldade entre os colegas, gente da minha geração que, assim como eu, pensava a Justiça através do Judiciário. Mas o desafiador é exatamente isso. Esse prêmio é bastante honroso e tem uma importância singular: ele dá visibilidade para o que estamos fazendo e estimula outras iniciativas acadêmicas com essa essência para que também sejam replicadas”.
   
Premiada na categoria de Instrutores em Conciliação, a servidora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) Chrystiane Maria Uhlmann foi premiada pelo CNJ por trabalhar com a conciliação em meio digital (Skype, Hangout) ou via aplicativos de mensagem instantânea (whatsapp). A ideia, segundo a instrutora, recebeu muitas críticas no começo mas, aos poucos, foi ganhando a confiança dos advogados e usuários dos serviços judiciários. “Não temos estatísticas, mas o serviço foi tão bem recebido nas questões de comércio, que deveremos estendê-lo, ainda este ano, para algumas questões familiares”, disse.  
   
O Prêmio Conciliar é Legal está alinhado à Resolução CNJ n. 125/2010, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário. Quase 100 projetos concorreram aos prêmios, cujos critérios analisados foram: eficiência, restauração das relações sociais, criatividade, replicabilidade, alcance social, desburocratização e satisfação do usuário.
Os prêmios foram concedidos em 10 categorias (Tribunal Estadual, Tribunal Regional do Trabalho, Tribunal Regional Federal, Juiz Individual, Instrutores de Mediação e Conciliação, Ensino Superior, Mediação e Conciliação Extrajudicial e Demandas Complexas ou Coletivas), além dos tribunais estaduais, federais e trabalhistas que alcançaram os índices de composição mais elevados durante a XI Semana Nacional de Conciliação, realizada em novembro do ano passado.

Agência CNJ de Notícias

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Opção dos juízes por penas alternativas

As últimas estatísticas do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) revelam o que pode ser uma tendência da Justiça Criminal brasileira: a opção dos juízes pelas penas alternativas em detrimento da prisão. A cada 10 sentenças que começaram a ser cumpridas no estado em 2015, nove eram não privativas de liberdade, ou seja, permitiam aos condenados cumprirem suas penas fora da prisão, sob algumas condições. Entre elas, estão o comparecimento uma vez por mês diante do juiz e o uso de tornozeleiras eletrônicas. Embora ainda minoritárias no cenário nacional, as decisões da Justiça Criminal de outros nove estados refletem a mesma inclinação dos magistrados mineiros, de acordo com o Justiça em Números, raio-x estatístico do Judiciário publicado anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em 2015, nos estados do Acre, Amapá, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Piauí e Roraima, além de Minas Gerais, foram concedidas mais penas alternativas à prisão que penas privativas de liberdade. As decisões se apoiam em mudanças na legislação, como a Lei n. 9.714/1998, que acrescentou artigos ao Código Penal e permitiu a substituição de penas de prisão pelas chamadas restritivas de direitos em determinados casos.
Quando o réu for condenado por crime que tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, com pena menor que quatro anos, o réu poderá ter sua pena de prisão convertida em uma pena pecuniária, por exemplo, desde que o delito seja culposo (sem intenção). A decisão final leva em conta “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado” assim como os motivos e as circunstâncias da eventual substituição da pena, de acordo com o artigo 44 da Lei n. 9.714/1998.
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Combate às drogas – Editada em 2006, a Lei Antidrogas (Lei n. 11.343) também contribuiu para a ampliação no uso de penas alternativas ao prever, no seu Capítulo III, a possibilidade de substituir, em alguns casos, a pena de detenção por medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo ou por prestação de serviços à comunidade “em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas”.
As atualizações legislativas ainda não se refletiram em uma mudança da cultura de encarceramento no plano nacional, como apontam as estatísticas dos últimos anos – 65% das penas ainda representam a prisão do condenado, conforme a série histórica (gráfico) abaixo. O caso de Minas Gerais, no entanto, pode representar uma guinada no conjunto das decisões judiciais. No ano passado, 43,9 mil das 49 mil penas que começaram a ser cumpridas não redundaram na prisão do condenado. Um novo entendimento dos juízes sobre a legislação penal de drogas ilícitas é um dos elementos que ajudam a entender porque os magistrados mineiros asseguraram a tantos acusados de crimes uma punição diferente da vida entre as grades.
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Segundo o juiz auxiliar da Presidência do TJMG, Thiago Colnago Cabral, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que réus primários detidos com droga para consumo pessoal estão sujeitos à Lei Antidrogas, que agora autoriza o juiz a substituir a pena em regime fechado por uma pena restritiva de direitos, como prestação de serviços à comunidade, por exemplo. Mesmo após a edição dessa lei, muitos magistrados ainda aplicavam o previsto na Lei n. 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), o que se reflete nas estatísticas do sistema prisional brasileiro.
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De acordo com o último relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 28% da população carcerária brasileira (o equivalente a cerca de 174 mil pessoas) estavam presas em dezembro de 2014 por causa de algum crime relativo a droga. O novo entendimento dos tribunais superiores mudou o perfil das decisões nesses casos, segundo o juiz Cabral. “No sistema carcerário, existe uma grande massa de traficantes de pequena monta, em geral primários. Com a consolidação do novo entendimento, os juízes que antes titubeavam entre aplicar a Lei dos Crimes Hediondos e a Lei Antidrogas agora têm o respaldo da jurisprudência do STF e do STJ para aplicar uma pena substitutiva”, afirmou o magistrado do TJMG.
No julgamento do Habeas Corpus (HC) 118.533, em junho de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não deve ser considerado hediondo o chamado tráfico privilegiado. A decisão do Supremo autorizou a redução da pena, nos casos específicos julgados, de um sexto a dois terços, uma vez que o réu preso era primário, de bons antecedentes, não se dedicava às atividades criminosas nem integrava organização criminosa. Convencionou-se chamar de tráfico privilegiado quando a pessoa é presa com droga para consumo pessoal. O crime é praticado em geral por dependente químico ou mulheres de preso coagidas a levar entorpecentes para seus companheiros.
Formação – Atualizar a interpretação de uma instituição centenária como o Poder Judiciário sobre a possibilidade de um condenado responder por seu crime em liberdade é uma missão levada a cabo isoladamente por dezenas de magistrados pelo país. Para reverter a orientação das decisões da área criminal no Paraná, a Justiça aposta na formação de sua força de trabalho. Segundo o juiz coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização dos Presídios (GMF) do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), Eduardo Lino, são realizadas atividades de sensibilização em torno da causa em eventos relacionados à temática nos programas regulares de capacitação dos magistrados paranaenses, como o curso aberto na Escola da Magistratura local e com o lançamento do censo carcerário do estado, que, em 2016, revelou alto índice de reincidência entre os presos.
Segundo o juiz do TJPR Eduardo Lino, o dado reforça a necessidade de se buscar alternativas, como as penas restritivas de direitos, ao encarceramento. “As pessoas que passam pelo sistema prisional saem com maior propensão a cometer novos delitos. Isso nos indica que, se puder evitar a prisão, melhor. Devemos usar o cárcere apenas em situações inevitáveis, pois na prisão a população carcerária não recebe tratamento penal, o que dificulta o propósito de se privar a liberdade de alguém, a regeneração”, afirmou Lino.
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Visão humanista – Nas fiscalizações realizadas em unidades prisionais no interior do estado amazônico, a juíza do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), Luana Campos, faz questão de sensibilizar os colegas magistrados com uma visão mais humanista em relação ao julgamento de crimes. “O cárcere não dá resposta ao processo de reeducação dos presos. O que vemos é que, aos poucos, os magistrados estão acordando para essa possibilidade de penas alternativas”, afirmou.
Segundo a magistrada, a inadequação dos locais onde se cumprem penas em seu estado acaba gerando mais criminalidade. “Observo uma reincidência nos casos de presos que passam por mim. Os homens são animalizados. Não há distinção entre réus primários e detentos condenados. Tem muita gente que é presa pela primeira vez ao lado de criminosos qualificados. Já encontrei celas para duas pessoas com 15, 20 homens dentro, rodízio para dormir por falta de espaço e redes improvisadas junto do teto”, disse a magistrada, que coordena o GMF do TJAC.
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Revisão – No Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) realizam-se, periodicamente, mutirões carcerários para revisar a legalidade e a necessidade de se manter presos homens e mulheres detidos nas prisões do estado provisoriamente, enquanto aguardam julgamento. O supervisor do GMF do tribunal, desembargador Ronaldo Valle, ressalva que as liberdades são concedidas apenas aos presos que tenham direito à liberdade provisória, ou seja, somente àqueles que atendam aos requisitos do artigo 44 da Lei n. 9.714/98, que trata da substituição da pena.
“A nossa recomendação para os juízes da execução penal é não liberar presos provisórios em função da superpopulação carcerária do estado”, disse o desembargador Valle. Uma das cidades a receber mutirão carcerário foi Mocajuba, distante cerca de 200 quilômetros da capital, Belém. No centro de recuperação localizado no município, há mais presos provisórios que condenados – ao todo, 172 homens dividem o espaço previsto para 64 presos.
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Tipos de medidas cautelares – Os presos com direito a pena substituta podem ser condenados a um dos cinco tipos de pena restritiva de direito, de acordo com a Lei n. 9.714/1998. São elas: o pagamento pecuniário (valor em dinheiro); perda de bens e valores; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos (proibição de frequentar determinados lugares, por exemplo) e limitação de fim de semana (obrigação de passar parte dos sábados e domingos em casa de albergado).
Em muitos estados, a restrição de direitos é monitorada eletronicamente pelo Executivo estadual, um trabalho que exige interação com o Poder Judiciário. No Paraná, cerca de 3,5 mil tornozeleiras eletrônicas estão sendo usadas para aplicar a lei. “O governo do estado licitou a compra de mais 5 mil tornozeleiras. Esse equipamento dá respaldo para o Poder Judiciário”, afirmou o juiz Eduardo Lino, do Tribunal de Justiça paranaense.
Em outros estados, no entanto, a estrutura que viabiliza o cumprimento das penas restritivas de direito é insuficiente, sobretudo no interior. De acordo com o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul (TJMS), Luiz Gonzaga Mendes Marques, em muitas comarcas do interior do seu estado, a única estrutura disponível para o magistrado é a cadeia pública do município. “No interior, as penas restritivas de direitos que os juízes muitas vezes aplicam são a obrigação de comparecimento periódico em juízo ou pena pecuniária”, afirmou o desembargador. A falta de estrutura acaba gerando consequências além da limitação do trabalho do magistrado. “O cumprimento das penas restritivas de direitos não pode ficar sem fiscalização porque compromete a credibilidade do Poder Judiciário e resulta em reincidência no crime”, reforçou.
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Boas práticas – Uma norma do CNJ contribui para financiar o cumprimento de mais penas que não signifiquem a prisão do condenado. A Resolução n. 154/2012 fixou normas para o uso das penas pecuniárias, que são um tipo de pena restritiva de direito aplicada em geral em sentenças de menos de quatro anos de duração, variando de um a 360 salários mínimos, de acordo com a situação econômica do réu. Os recursos arrecadados com o pagamento das pecuniárias podem ser pagos às vítimas dos crimes (ou dependentes), mas também podem ser destinados a entidades que tenham finalidade social e atuem em segurança pública, educação e saúde.
Para acessar os recursos, de acordo com a norma, é preciso firmar convênio com o tribunal, depois de se submeter a edital público. Os critérios da seleção levam em conta a atuação do órgão na área penal, o emprego de número relevante de cumpridores de serviços à comunidade e a apresentação de projetos com viabilidade de implantação. No Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), a juíza Telma Alves é gestora do fundo de penas pecuniárias do tribunal, criado com base na regulamentação do CNJ. “Antes da resolução, destinávamos os recursos, mas não fazíamos ideia de como eram empregados pelas instituições beneficiadas. Hoje, verificamos qual a necessidade do projeto e fazemos a aplicação, sempre com ciência do Ministério Público”, afirmou a magistrada.
Em Goiás, já foram beneficiados a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros, entre outras instituições. Um dos projetos apoiados com a renda desse tipo de pena é o Amparando Filhos, que humaniza encontros entre os filhos de mulheres presas e suas mães, além de fornecer apoio psicológico e material às famílias das detentas.

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Cultura – A atuação de juízes desses 10 estados onde as penas alternativas prevalecem sobre as penas de prisão destoa da tendência das decisões da justiça criminal brasileira. A maioria das penas que começaram a ser cumpridas no Brasil no ano passado (64%) ainda resultou em prisão dos condenados, reforçando a ideia de uma cultura do encarceramento no país. Com 622 mil presos, crescimento de 267% nos últimos 14 anos, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do planeta e a tendência é de mais prisões. Em 2015, o número de penas de encarceramento aumentou 6% em relação à quantidade registrada no ano anterior, de acordo com as mais recentes estatísticas do Conselho Nacional de Justiça.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias  


domingo, 12 de fevereiro de 2017

NOVA TESE: Banco só pode cobrar juros sobre juros com autorização do cliente

NOVA TESE

Banco só pode cobrar juros sobre juros com autorização do cliente

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu, em sede de recursos repetitivos, que a cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação. Isso quer dizer que os bancos só podem aplicar juros sobre juros, o chamado anatocismo, se o cliente concordar expressamente. A tese deverá ser aplicada aos demais processos sobre a questão que tramitam no país.
O julgamento sobre o tema foi concluído nesta quarta-feira (8/2). Os ministros seguiram o voto do relator, ministro Marco Buzzi, por unanimidade, em recurso especial proveniente de Santa Catarina. Eles deram parcial provimento ao REsp apenas para afastar a multa imposta no julgamento dos embargos de declaração no tribunal de origem, porque não consideraram o recurso protelatório.
O banco responsável pelo REsp julgado hoje sustentava a desnecessidade de expressa pactuação para cobrança da capitalização anual de juros e a legalidade da capitalização mensal de juros. Além disso, defendia a impossibilidade da repetição de indébito na forma simples e em dobro, ou seja, de pagar de volta aquilo que foi recebido como pagamento indevido.
Em suas razões, a defesa do banco alegou violação aos artigos 5º da MP 2.170-36/2001, 4º do Decreto 22.626/33 e 591 do Código Civil, que permitem a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Além de artigos do Código Civil de 2002 e do Código de Processo Civil de 1973.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.388.972 - SC (2013/0176026-2) RECORRENTE : HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO ADVOGADOS : GUSTAVO JOSÉ MENDES TEPEDINO E OUTRO(S) - RJ041245 MILENA DONATO OLIVA E OUTRO(S) - RJ137546 RECORRIDO : USINAGENS CARNEIRO LTDA - MICROEMPRESA ADVOGADOS : FRANCISCO EDRAS VIEIRA - SC012678 ELISANDRO JOSÉ DUMS - SC014923 INTERES. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - "AMICUS CURIAE" ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO INTERES. : FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - "AMICUS CURIAE" ADVOGADOS : PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO E OUTRO(S) - DF024469 MARIANA MARQUES CALFAT E OUTRO(S) - SP319517

 RELATÓRIO O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO, com fundamento no artigo 105, III, alíneas "a" e "c" da Constituição Federal, em desafio a acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Na origem, USINAGENS CARNEIRO LTDA. - MICROEMPRESA, ajuizou ação revisional de contratos de conta corrente, crédito e capital de giro c/c pedido de tutela antecipada de exibição de documentos, em face da casa bancária, objetivando, em síntese, a revisão dos ajustes firmados entre as partes com a modificação dos encargos cobrados a título de juros remuneratórios, capitalização de juros e comissão de permanência, e a consequente repetição do indébito dos valores exigidos indevidamente e a maior. O magistrado a quo indicou a necessidade de emenda à petição inicial (fl. 57), para o fim de adequá-la ao procedimento sumário, o que foi providenciado às fls. 60-63. Deferiu o pedido de tutela antecipada (fls. 65-73), determinando que a financeira ré apresentasse, no mesmo prazo para a resposta, todos os documentos relativos à relação negocial existente entre as partes, sob pena de 2 multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), a incidir a partir do primeiro dia após a data designada para a realização da audiência. Citado, o réu interpôs agravo de instrumento contra a deliberação liminar (fls. 82-99), requerendo a revogação da decisão antecipatória e a suspensão da incidência da multa diária. O Tribunal Catarinense deferiu o efeito suspensivo ao recurso (fls. 314-318), bem ainda afastou a imposição da multa do artigo 461, § 4º do CPC/73 como sanção para a não exibição de documentos (fls. 322-325), afirmando ser essa medida inadequada, haja vista já existir na lei penalidade para o caso de não exibição documental, qual seja, a presunção a veracidade dos fatos que a parte requerente pretendia provar com tais documentos (artigo 359 do CPC/73). Aberta a audiência e proposta a conciliação, esta restou inexitosa (fls. 114), tendo a parte demandada apresentado contestação (fls. 115-151), oportunidade na qual juntou documentos e requereu a dilação de prazo para exibição dos extratos relativos à conta corrente acostados às fls. 209-309. Impugnação à contestação às fls. 339-351. O juiz (fls. 353-356), afirmou a incidência do Código de Defesa do Consumidor à espécie, e asseverou a imprescindibilidade da juntada dos seguintes documentos, sob pena de incidência da penalidade do artigo 359, inciso I do CPC/73: a) Capital de Giro Fácil Premium nº 12830333837, b) Capital de Giro Fácil Global nº 12830343492, c) Produto FNB nº 12830345614, d) Produto FNB nº 12830349679, e) Capital de Giro Fácil Global nº 12830360060, f) Capital de Giro 130 e Outras Garantia P nº 12830364694, g) Capital de Giro Fácil Global nº 12830365585, h) Capital de Giro Fácil Global nº 12830370333, i) ADP Conta Bamerindus Cliente-PJ nº 12830754168 e, j) Proposta de Abertura de Conta Corrente nº 1283-07541-68. Às fls. 360-386, a financeira promove a juntada de documentação. Sentenciado o feito, o magistrado a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos formulado na inicial, tendo a parte dispositiva ficado assim redigida: Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Usinagens Carneiro Ltda em face de HSBC - Bank Brasil S/A - Banco Múltiplo e RESOLVO O MÉRITO, na forma do artigo 269, inciso I, do CPC, para declarar que: 1. Juros remuneratórios a) Em relação aos contratos descritos nos itens 1 a 3 do tópico "Dos Contratos", é legal a exigência de juros remuneratórios no patamar em que contratados, desde que não ultrapassem a taxa média de 3 mercado. Todavia, se os juros pactuados em algum destes contratos for superior, ficarão limitados à taxa média de mercado, divulgada pelo BACEN, no momento da contratação ou, na data, da operação, se prevista a incidência de juros flutuantes; b) Em relação aos contratos descritos nos itens 4 a 15 (tópico "Dos Contratos"), aos quais se aplica o art. 359, do CPC (porque não juntados os pactos pela ré), os juros remuneratórios ficam necessariamente limitados à taxa média de mercado, divulgada pelo BACEN, no momento da contratação. 2. Capitalização dos juros a) Em relação aos contratos descritos nos itens 1 a 3 do tópico "Dos Contratos", é permitida a exigência de juros capitalizados, desde que expressamente prevista a cobrança destes. Todavia, se não houver a indicação nos pactos, fica obstada a exigência dos juros sobre juros; b) No tocante aos contratos descritos nos itens 4 a 15 (tópico "Dos Contratos"), por aplicação do art. 359, do CPC, é vedada a exigência de juros capitalizados. 3. Comissão de Permanência a) Nos contratos descritos nos itens 1 a 3 do tópico "Dos Contratos" se houver expressa previsão da cobrança da comissão de permanência é permitida a exigência do encargo, ressaltando que a sua importância "não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite, de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § lº, do CDC (REs n.1058114/RS), vedada a cumulação com quaisquer outros encargos. Todavia, se não houver previsão para cobrança da comissão de permanência, fica permitida apenas a exigência de juros remuneratórios limitados à taxa média de mercado (se previstos), juntamente com multa contratual de 2% e juros de mora de 1% ao mês, vedada a cumulação com quaisquer outros encargos. No tocante aos contratos descritos nos itens 4 a 15 (tópico "Dos Contratos"), por aplicação do art. 359, do CPC, fica permitida apenas a exigência da multa contratual de 2 % e juros de mora de 1% ao mês, vedada a cumulação com outros encargos. Limito a revisão dos contratos aos cinco anos anteriores à data de ajuizamento desta ação. Havendo valores pagos indevidamente pela autora em razão dos encargos extirpados nesta sentença, deverão ser restituidos em dobro e compensados do novo saldo devedor, depois de atualizados de acordo com os mesmos critérios utilizados na sua formação. Tendo em vista a sucumbência mínima da requerente, conforme permissivo do artigo 21, parágrafo único, condeno o réu ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios do patrono autor, estes últimos fixados em 15 % do valor da condenação, a ser apurado em liquidação de sentença, ex vi artigo 20, § 3º do Código de Processo Civil. Irresignada, a casa bancária interpôs apelação (fls. 407-417), à qual o Tribunal Catarinense desproveu, nos termos da seguinte ementa: 4 CONTRATOS BANCÁRIOS. Revisional. Parcial procedência. Insurgência do banco. Capitalização mensal de juros. Falta de pactuação expressa. Comissão de permanência cumulada com outros encargos de mora ajustada em duas avenças. Repetição do indébito para evitar o enriquecimento sem causa. Prequestionamento. Litigância de má-fé. Inocorrência. Recurso desprovido. Opostos embargos de declaração (fls. 447-449), foram rejeitados pelo acórdão de fls. 452-455, com aplicação de multa de 1% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 538, parágrafo único, do CPC/73. Em suas razões de recurso especial (fls. 458-476), apontou a financeira, além de dissídio jurisprudencial, violação aos arts. 5º da MP 2.170- 36/2001; 4º do Decreto 22.626/33 e 591 do Código Civil; 368, 884 e 887 do CC/02; e 538 do CPC/73. Sustentou: a) a legalidade da capitalização mensal e anual de juros; b) a impossibilidade da repetição de indébito na forma simples e em dobro; e, c) o afastamento da multa aplicada. Sem contrarrazões, e após decisão de admissão do recurso especial (fls. 496-497, e-STJ), os autos ascenderam a esta egrégia Corte de Justiça. Julgando monocraticamente o reclamo, o e. Presidente do STJ à época, na deliberação de fls. 505-512, deu parcial provimento ao apelo especial, apenas para afastar a multa inserta no art. 538, parágrafo único, do CPC/73. Irresignada a casa bancária interpôs agravo regimental (fls. 516/528 e-STJ), alegando, em síntese: a) a desnecessidade de expressa pactuação para cobrança da capitalização anual de juros, porquanto foi admitida pelo art. 4º do Decreto nº 22.626/1933 e confirmada pelo art. 591 do CC; b) a legalidade da capitalização mensal de juros, sendo prescindível a análise de matéria fáticoprobatória, afastando, assim o óbice dos verbetes 5 e 7/STJ. Ante as razões expendidas no reclamo e, em virtude da relevância do tema, procedeu-se à reconsideração/anulação do decisum de fls. 505-512, a fim de submeter o feito à apreciação do colegiado da Segunda Seção (fls. 531-532). Em virtude de a questão alusiva à possibilidade de cobrança de capitalização anual de juros independentemente de expressa pactuação entre as partes revelar caráter representativo de controvérsia, o recurso especial fora afetado para julgamento perante a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 1.036 do CPC/2015 pela decisão de fls. 538, oportunidade na qual determinou-se o encaminhamento de ofício aos 5 Presidentes dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça dos Estados a fim de que fosse suspensa a tramitação de outros recursos especiais que versem a sobre mesma matéria (art. 1037, II, do NCPC), facultando-lhes, ainda, a prestação de informações, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do § 1º do art. 1.038 do CPC/2015. Fora concedido vista ao Ministério Público Federal (art. 1.038, III, § 1º, do CPC/2015) para manifestação em 15 (quinze) dias e comunicados o Ministro Presidente e os demais integrantes da Egrégia Segunda Seção do STJ. O Ministério Público Federal em petição de fls. 543-545 afirmou: "reserva-se o direito de aguardar a definição dos tribunais quanto ao fornecimento de informações, nos termos do art. 1038, § 1º, do CPC/2015, que certamente serão úteis à elaboração da manifestação ministerial". A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e a FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - FEBRABAN, requereram o ingresso no feito como amicus curiae, o que foi deferido consoante decisões de fls. 622 e 625. Novamente intimado o Ministério Público Federal para parecer, consoante despacho de fls. 621, o Subprocurador-Geral da República exarou nota de ciente, sem nada requerer, nos termos da petição de ciência nº 00501367/2016 de fls. 632-636. Manifestação da FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - FEBRABAN às fls. 548-598. Manifestação da DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO às fls. 649-665. Parecer do Ministério Público Federal às fls. 683-694. É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.388.972 - SC (2013/0176026-2) EMENTA RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA ANTE A ABUSIVIDADE DE COBRANÇA DE ENCARGOS - INSURGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA VOLTADA À PRETENSÃO DE COBRANÇA DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015. 1.1 A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação. 2. Caso concreto: 2.1 Quanto aos contratos exibidos, a inversão da premissa firmada no acórdão atacado acerca da ausência de pactuação do encargo capitalização de juros em qualquer periodicidade demandaria a reanálise de matéria fática e dos termos dos contratos, providências vedadas nesta esfera recursal extraordinária, em virtude dos óbices contidos nos Enunciados 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 2.2 Relativamente aos pactos não exibidos, verifica-se ter o Tribunal a quo determinado a sua apresentação, tendo o banco-réu, ora insurgente, deixado de colacionar aos autos os contratos, motivo pelo qual lhe foi aplicada a penalidade constante do artigo 359 do CPC/73 (atual 400 do NCPC), sendo tido como verdadeiros os fatos que a autora pretendia provar com a referida documentação, qual seja, não pactuação dos encargos cobrados. 2.3 Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, independentemente de comprovação de erro no pagamento, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito. Inteligência da Súmula 322/STJ. 2.4 Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório. Inteligência da súmula 98/STJ. 2.5 Recurso especial parcialmente provido apenas ara afastar a multa imposta pelo Tribunal a quo. 7 VOTO O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): No presente reclamo, três são os pontos sobre os quais se controverte a parte insurgente: a) a legalidade da capitalização mensal e anual de juros; b) a impossibilidade da repetição de indébito na forma simples e em dobro; e, c) a necessidade de afastamento da multa aplicada pelo Tribunal a quo ante a oposição de embargos de declaração considerados protelatórios. Analisa-se, primeiramente a questão afeta à legalidade da cobrança do encargo capitalização de juros, por consistir na tese submetida a julgamento nos moldes de recurso repetitivo, nos termos dos artigos 1036 e seguintes do CPC/2015. 1. Inicialmente, destaca-se que "capitalização dos juros", "juros compostos", "juros frugíferos", "juros sobre juros", "anatocismo" constituem variações linguísticas para designar um mesmo fenômeno jurídico-normativo que se apresenta em oposição aos juros simples. Enquanto naqueles os juros se incorporam ao capital ao final de cada período de contagem, nesses tal não ocorre, porquanto incidem apenas sobre o principal corrigido monetariamente, isto é, não se agregam ao saldo devedor, ficando afastada assim a denominada capitalização, procedimento que converte o aludido acessório em principal. Pontes de Miranda afirmava: Dizem-se simples os juros que não produzem juros; juros compostos os que fluem dos juros. Se se disse ‘com os juros compostos de seis por cento’, entende-se que se estipulou que o principal daria juros de seis por cento e sobre esses se contariam os juros de seis por cento ao ano’ (= com capitalização anual). (MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, 3ª ed., Revista dos Tribunais: São Paulo, v. 24, 1984, p. 32). Carlos Roberto Gonçalves explica: “O anatocismo consiste na prática de somar os juros ao capital para contagem de novos juros. Há, no caso, capitalização composta, que é aquela em que a taxa de juros incide sobre o capital inicial, acrescido dos juros acumulados até o período anterior. Em resumo, pois, o chamado ‘anatocismo’ é a incorporação dos juros ao valor principal da dívida, sobre a qual incidem novos encargos.” (Direito Civil Brasileiro. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 409). Em brevíssimo retrospecto histórico, antes de analisar a regência legal da capitalização pelo ordenamento jurídico pátrio, anota-se que o Código Comercial (Lei 556 de 1850), no Título XI (Do Mútuo e dos Juros Mercantis), 8 artigos 247 a 255, não admitia a capitalização, com exceção daquela em periodicidade anual, em conta-corrente, nos termos do artigo 253: Art. 253 - É proibido contar juros de juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano. Depois que em juízo se intenta ação contra o devedor, não pode ter lugar a acumulação de capital e juros. O Código Civil brasileiro de 1916, externando sua postura liberal e patrimonialista, permitiu no art. 1.262 a livre pactuação do anatocismo: Art. 1.262. É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis. Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (art. 1.062), com ou sem capitalização. Esse dispositivo, contudo, foi revogado pelo art. 4° do Decreto nº 22.626/33 (Lei da Usura), que pretendeu limitar os excessos e abusos praticados na cobrança de juros. Em caráter excepcional, admitiu a mesma regra permissiva que já estabelecera anteriormente o Código Comercial, qual seja, a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos de conta-corrente ano a ano. Art. 4º do Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura). É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. Apenas para elucidar, a "Lei da Usura" é a denominação informal atribuída, no Brasil, à legislação que definiu como sendo ilegal a cobrança de juros superiores ao dobro da taxa legal ao ano (atualmente a taxa SELIC) ou a cobrança exorbitante que lance em risco o patrimônio, a estabilidade econômica e a sobrevivência pessoal de tomadores de empréstimos. O histórico da interpretação jurisprudencial dada à referida legislação não tem trajetória pacífica, porém, entendeu o Supremo Tribunal Federal, em data de 13/12/1963, ter a referida legislação expressamente proibido o anatocismo, ainda que expressamente estipulado, firmando seu entendimento na súmula n° 121, assim disposta: "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada". Necessário ressaltar que a referida lei usurária é somente aplicável aos negócios jurídicos civis, não alcançando as instituições financeiras relativamente à limitação na cobrança dos juros remuneratórios, visto existir legislação específica e própria para regular a atuação dos bancos (Lei nº 4.595/64). Nessa medida, a Suprema Corte sumulou entendimento no sentido 9 de que a Lei n° 4.595/64 derrogou a "Lei de Usura" no tocante ao limite da taxa de juros para instituições financeiras (súmula n° 596 - "As disposições do decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional"). Entretanto, esse novo ordenamento modificou o entendimento até então existente acerca da proibição da capitalização de juros. Formou-se orientação no sentido de que possível a cobrança de juros sobre juros quando existente autorização em lei especial - como exemplo, citam-se os Decretos-lei n° 167/67 e 413/69 e a Lei n° 6840/80, legislações que disciplinam as cédulas de crédito rural, industrial e comercial - e, desde que, também, esteja o encargo pactuado. Nesse sentido foi editada a súmula n° 93 do Superior Tribunal de Justiça: "A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros". A existência de uma norma permissiva, portanto, é requisito necessário e imprescindível para a cobrança do encargo capitalização, porém não suficiente/bastante, haja vista estar sempre atrelado ao expresso ajuste entre as partes contratantes, principalmente em virtude dos princípios da liberdade de contratar, da boa-fé e da adequada informação. Nessa medida, como não havia legislação autorizando a prática para outras modalidades contratuais além daquelas aplicáveis a ajustes específicos (cédulas de crédito rural, industrial, comercial) foi publicada, em 31 de março de 2000, a MP n.º 1.963-17, que em seu artigo 5º, permitiu às instituições financeiras a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano: Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Tomando por base a referida legislação, esta Corte Superior, inclusive, assentou entendimento, nos moldes do art. 543-C do CPC/73, no sentido de que é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos bancários celebrados após 31 de março de 2000, data da publicação da MP 1.963-17/2000 (atual MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada, ou seja, para a sua cobrança é necessário o 10 prévio ajuste entre as partes contratantes. (REsp n. 973.827/RS, 2ª Seção, Rel. p/ acórdão Min. Isabel Gallotti, DJe 24/9/2012) Com essa ordem, foi editada recentemente a súmula 539/STJ, de seguinte teor: "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada". Oportuno salientar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, na data de 04/02/2015, por sete votos a um, deu provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 592.377, reconhecendo, em repercussão geral, que o dispositivo da referida medida provisória assentindo a capitalização mensal de juros no sistema financeiro, é constitucional. Cronologicamente, em 23 de agosto de 2001, foi editada a MP n° 2.160-25, que autorizou o pacto de capitalização de juros em cédulas de crédito bancário nos termos do artigo 3º, § 1º, inciso I. Essa medida provisória foi posteriormente revogada pela Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, que em seu artigo 28, § 1º, inciso I, manteve a possibilidade de cobrança de juros sobre a dívida mediante prévio ajuste entre os contratantes: Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculos, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2º. §1º Na Cédula de Crédito bancário poderão ser pactuados: I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação; O Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, nos mesmos moldes do diploma civilista revogado, também admite a capitalização anual em seu artigo 591: Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual. Em se tratando, especificamente, de contrato bancário vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, regido por lei própria, notadamente a Lei nº 4.380/64, esta Corte Superior assentou entendimento, no bojo do Resp nº 1.070.297, julgado nos moldes do artigo 543-C do CPC/73, relator Ministro Luis 11 Felipe Salomão, no sentido de que até a data da entrada em vigor da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, seria vedada a capitalização de juros, em qualquer periodicidade, não cabendo ao STJ analisar se a utilização do sistema da Tabela Price enseja ou não juros compostos. Confira-se, por oportuno a ementa do referido acórdão: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS VEDADA EM QUALQUER PERIODICIDADE. TABELA PRICE. ANATOCISMO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7. ART. 6º, ALÍNEA "E", DA LEI Nº 4.380/64. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO. 1. Para efeito do art. 543-C: 1.1. Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Não cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7. 1.2. O art. 6º, alínea "e", da Lei nº 4.380/64, não estabelece limitação dos juros remuneratórios. 2. Aplicação ao caso concreto: 2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido, para afastar a limitação imposta pelo acórdão recorrido no tocante aos juros remuneratórios. (REsp 1.070.297/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/09/2009, DJe 18/09/2009) Tal entendimento foi recentemente confirmado, em julgado da Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, assim ementado: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. TABELA PRICE. LEGALIDADE. ANÁLISE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. APURAÇÃO. MATÉRIA DE FATO. CLÁUSULAS CONTRATUAIS E PROVA PERICIAL. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: 1.1. A análise acerca da legalidade da utilização da Tabela Price - mesmo que em abstrato - passa, necessariamente, pela constatação da eventual capitalização de juros (ou incidência de juros compostos, juros sobre juros ou anatocismo), que é questão de fato e não de direito, motivo pelo qual não cabe ao Superior Tribunal de Justiça tal apreciação, em razão dos óbices contidos nas Súmulas 5 e 7 do STJ. 1.2. É exatamente por isso que, em contratos cuja capitalização de juros seja vedada, é necessária a interpretação de cláusulas contratuais e a produção de prova técnica para aferir a existência da cobrança de juros não lineares, incompatíveis, portanto, com financiamentos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação antes da vigência da Lei n. 11.977/2009, que acrescentou o art. 15-A à Lei n. 4.380/1964. 1.3. Em se verificando que matérias de fato ou eminentemente técnicas foram tratadas como exclusivamente de direito, reconhecese o cerceamento, para que seja realizada a prova pericial. 2. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido para anular a sentença e o acórdão e determinar a realização de prova técnica para aferir se, concretamente, há ou não capitalização de juros 12 (anatocismo, juros compostos, juros sobre juros, juros exponenciais ou não lineares) ou amortização negativa, prejudicados os demais pontos trazidos no recurso. (REsp 1124552/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/12/2014, DJe 02/02/2015) Necessário referenciar que o tema relativo à utilização da Tabela Price nos contratos pertinentes ao SFH foi novamente colocado em pauta para deliberação por força da afetação em 26/10/2015, como recurso repetitivo, do REsp 951.894/DF, relatora Ministra Isabel Gallotti, objetivando discutir "a existência de capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/33 na própria fórmula matemática da Tabela Price, o que implicaria, inevitavelmente, e em abstrato, a ilegalidade de seu emprego como forma de amortização de financiamentos no sistema jurídico brasileiro em contratos bancários diversos anteriores à edição da MP 1.963-17/00 e em financiamentos habitacionais anteriores à Lei 11.977/2009". O citado recurso foi incluído para julgamento perante a Corte Especial em 16.11.2016, oportunidade em que se levantou questão de ordem relativa à própria afetação, estando pendente a deliberação, ante o pedido de vista formulado. Convém esclarecer, no particular, que, embora também relacionada à questão da capitalização, a temática ali afetada como repetitiva cinge-se à discussão acerca da existência de capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/33 na própria fórmula matemática da Tabela Price. Com a alteração legislativa operada pela Lei nº 11.977/2009, acrescentou-se à Lei nº 4.380/64 a autorização para a pactuação e consequente cômputo capitalizado de juros em periodicidade mensal: Art. 15-A. É permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação - SFH. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009) § 1º No ato da contratação e sempre que solicitado pelo devedor será apresentado pelo credor, por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro e preciso, e de fácil entendimento e compreensão, o seguinte conjunto de informações: (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009) I – saldo devedor e prazo remanescente do contrato; (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009) II – taxa de juros contratual, nominal e efetiva, nas periodicidades mensal e anual; (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009) (...) A percepção sobre o tema firmado no repetitivo, no entanto, foi reinterpretada no âmbito da Segunda Seção quando do julgamento do Resp nº 1.095.852/PR, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, oportunidade na qual se 13 afirmou que a validade da capitalização anual independe de expressa pactuação, por constituir regra geral aplicável a todos os mútuos bancários, ou seja, incluindo aqueles que não eram contemplados com autorização legal específica para a capitalização em intervalo inferior (à exceção dos contratos açambarcados pela súmula 93/STJ), ainda que em período anterior à edição da MP nº 1.963-17/2000. Eis a ementa do referido julgado: RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SFH. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. POSSIBILIDADE. ENCARGOS MENSAIS. IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO. ART. 354 CC 2002. ART. 993 CC 1916. 1. Interpretação do decidido pela 2ª Seção, no Recurso Especial Repetitivo 1.070.297, a propósito de capitalização de juros, no Sistema Financeiro da Habitação. 2. Segundo o acórdão no Recurso Repetitivo 1.070.297, para os contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação até a entrada em vigor da Lei 11.977/2009 não havia regra especial a propósito da capitalização de juros, de modo que incidia a restrição da Lei de Usura (Decreto 22.626/33, art. 4º). Assim, para tais contratos, não é válida a capitalização de juros vencidos e não pagos em intervalo inferior a um ano, permitida a capitalização anual, regra geral que independe de pactuação expressa. Ressalva do ponto de vista da Relatora, no sentido da aplicabilidade, no SFH, do art. 5º da MP 2.170-36, permissivo da capitalização mensal, desde que expressamente pactuada. (...) 5. Recurso especial provido. (REsp 1095852/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/03/2012, DJe 19/03/2012) Naquela oportunidade, a e. Ministra Gallotti para fundamentar seu voto, valeu-se do precedente firmado no EREsp nº 917.570/RS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04.08.2008, no qual se assentou ser possível a cobrança da capitalização anual em contratos de cartão de crédito, em que pese o entendimento até então prevalente no sentido de que apenas poderiam ser cobrados juros compostos em conta-corrente. Assim, alargaramse as modalidades nas quais seria viável a cobrança do encargo, porém, não se estipulou fosse essa cobrança aplicável indistintamente aos mútuos em geral, tampouco que pudesse ser ela automática, independentemente de prévio ajuste entre as partes. É imprescindível anotar que o precedente firmado no Resp nº 1.095.852/PR, Rel. Ministra Gallotti, julgado em 19.03.2012, não logrou modificar a compreensão assentada no Resp nº 1.070.297/PR, julgado sob o regime do artigo 543-C do CPC/73, pois a modificação do repetitivo, 14 segundo imperativo lógico, há de se dar consoante o mesmo procedimento específico, a fim, inclusive, de servir e nortear os Tribunais de origem. O art. 5º da Resolução nº 8/2008, que regulamentava os processos repetitivos no âmbito do STJ disciplinava que, uma vez publicado o acórdão do julgamento do recurso especial pela Seção ou pela Corte Especial, os demais recursos especiais fundados em idêntica controvérsia, se já distribuídos, seriam julgados pelo relator, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil/73; se, ainda não distribuídos, seriam julgados pela Presidência, nos termos da Resolução nº 3, de 17 de abril de 2008; se sobrestados na origem, teriam seguimento na forma prevista nos §§ 7º e 8º do art. 543-C do Código de Processo Civil/73. Esse procedimento não teve mudanças substanciais com a entrada em vigor no CPC/2015, consoante se depreende dos inciso I, II e III do artigo 1040. Portanto, para efeito do procedimento a ser realizado nos Tribunais de origem, julgado o recurso especial piloto, tem-se uma decisão a ser aplicada aos feitos suspensos que aguardam solução da controvérsia. Se a decisão atacada coincidir com a conclusão a qual chegou o STJ, não será dado provimento ao recurso, mas se houver contraposição entre o acórdão recorrido e o entendimento do STJ, serão novamente apreciados pela Corte local, devendo haver a reconsideração/retratação da decisão para ajustá-la à orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, obedecendo a inteligência do já mencionado art. 543-C do CPC/73 e atual artigo 1040 do CPC/2015. Em que pese o diferenciado entendimento adotado no Resp nº 1.095.852/PR no tocante ao tema da capitalização de juros na modalidade anual, afirmando a desnecessidade de prévio ajuste, tal orientação, até o julgamento do AgRg no Aresp 429029, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2016, REPDJe 18/04/2016, DJe 14/04/2016 - no qual constatada a imprescindibilidade de expressa pactuação para a cobrança do encargo capitalização de juros independentemente da periodicidade -, estava sendo aplicada no âmbito restrito desta Segunda Seção às hipóteses específicas vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação, consoante restou demonstrado naquele julgado. 15 Confira-se, por oportuno, a ementa do julgado proferido no AgRg no Aresp 429029, no bojo do qual restou delineado o entendimento desta Segunda Seção sobre a matéria atinente à impossibilidade de cobrança da capitalização anual de juros independentemente de expressa pactuação: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) - AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - SEGUNDA FASE - REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO NÃO EXIBIDO - TRIBUNAL A QUO QUE AFIRMA SER NECESSÁRIA A EXPRESSA PACTUAÇÃO PARA A COBRANÇA DO ENCARGO CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - IRRESIGNAÇÃO DA CASA BANCÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - ÓRGÃO COLEGIADO DA QUARTA TURMA AFETANDO O JULGAMENTO DO RECURSO DE AGRAVO REGIMENTAL À SEGUNDA SEÇÃO. Hipótese: Possibilidade de cobrança de capitalização anual de juros independentemente de expressa pactuação entre as partes 1. A despeito de a demanda ter se iniciado como ação de prestação de contas, o feito já está em sua segunda fase procedimental, na qual prepondera verdadeira pretensão revisional do contrato. Não tendo qualquer das partes promovido irresignação sobre esse ponto, inviável é a extinção da demanda, sob pena de violação ao princípio da non reformatio in pejus. 2. A capitalização de juros consiste na incorporação dos juros ao capital ao final de cada período de contagem. 3. O retrospecto histórico do ordenamento jurídico pátrio acerca da regência legal da capitalização de juros denota que desde tempos remotos é proibido contar juros sobre juros, permitida a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. 4. Com a evolução, passou-se a admitir a cobrança de juros sobre juros em contratos outros, desde que houvesse lei especial regulatória, bem ainda, prévio ajuste do encargo. 5. Tendo em vista que nos contratos bancários é aplicável o Código de Defesa do Consumidor (súmula 297/STJ), a incidência da capitalização anual de juros não é automática, devendo ser expressamente pactuada, visto que, ante o princípio da boa-fé contratual e a hipossuficiência do consumidor, esse não pode ser cobrado por encargo sequer previsto contratualmente. 6. A jurisprudência consolidada nesta Corte Superior é no sentido de que a cobrança de juros capitalizados em periodicidade anual nos contratos de mútuo firmado com instituições financeiras é permitida quando houver expressa pactuação. Precedentes. 7. Na hipótese, não colacionado aos autos o contrato firmado entre as partes, inviável presumir o ajuste do encargo. 8. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 429.029/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2016, REPDJe 18/04/2016, DJe 14/04/2016) Não é demais anotar, também, que o conceito acerca do que seja considerado "expressa pactuação" foi novamente redimensionado. No bojo do 16 REsp n. 973.827/RS, representativo da controvérsia, Relatora para o acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 8/8/2012, DJe 24/9/2012, afirmou-se que "a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada". Neste precedente não houve qualquer deliberação no sentido de que o encargo poderia ser cobrado independentemente de pactuação clara e expressa. Neste julgamento, igualmente, não se afirmou a possibilidade de cobrança de capitalização de juros, independentemente da periodicidade, sem que houvesse pactuação entre as partes. Da fundamentação do voto da Ministra Maria Isabel Gallotti, relatora para acórdão extrai-se o seguinte: “A pacífica jurisprudência do STJ compreende que a ressalva permite a capitalização anual como regra aplicável aos contratos de mútuo em geral. Assim, não é proibido contar juros de juros em intervalo anual; os juros vencidos e não pagos podem ser incorporados ao capital uma vez por ano para sobre eles incidirem novos juros (Segunda Seção, EREsp. 917.570/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 4.8.2008 e REsp. 1.095.852-PR, de minha relatoria, DJe 19.3.2012)”. (grifos nossos) Em data de 02/12/2014, no âmbito da Terceira Turma desta Corte Superior, diante de pedido de destaque formulado pelo e. Ministro Marco Aurélio Bellizze no bojo do AgRg no Aresp nº 340987/SC, de relatoria do Ministro Vilas Bôas Cueva, reautuado como Resp nº 1.505.478, aquele colegiado decidiu acolher agravo regimental e converter o recurso em especial para julgamento pela Turma em razão de vislumbrar divergência na jurisprudência desta Corte Superior acerca da necessidade ou não de pactuação da capitalização anual de juros para contratos alheios ao Sistema Financeiro da Habitação. Referido reclamo, no entanto, fora julgado monocraticamente aplicando ao caso o entendimento mais recente do STJ que consolidou-se no sentido da exigência da pactuação expressa da capitalização anual, em razão de sua incidência não ser automática, tendo transitado em julgado. Pois bem, após o panorama traçado, é inegável que a capitalização, seja em periodicidade anual ou ainda com incidência inferior à ânua - cuja necessidade de pactuação, aliás, é firme na jurisprudência desta Casa -, não pode ser cobrada sem que tenham as partes contratantes, de forma prévia e tomando por base os princípios basilares dos contratos em geral, assim acordado, pois a ninguém será dado negar o caráter 17 essencial da vontade como elemento do negócio jurídico, ainda que nos contratos de adesão, uma vez que a ciência prévia dos encargos estipulados decorre da aplicação dos princípios afetos ao dirigismo contratual. De fato, sendo pacífico o entendimento de que a capitalização inferior à anual depende de pactuação, outra não pode ser a conclusão em relação àquela em periodicidade ânua, sob pena de ser a única modalidade (periodicidade) do encargo a incidir de maneira automática no sistema financeiro, embora inexistente qualquer determinação legal nesse sentido, pois o artigo 591 do Código Civil apenas permite a capitalização anual e não determina a sua aplicação automaticamente. Impende ressaltar que, a despeito da incidência do diploma consumerista aos contratos entabulados com instituições financeiras e a previsão na Lei nº 8.078/90, artigo 47, de que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, o próprio Código Civil de 2002 preleciona no artigo 423 do Código Civil que "quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente". Por estas razões, em não havendo expressa pactuação do encargo, a sua cobrança é obstada, principalmente porque pela simples leitura dos preceitos legais incidentes à espécie, notadamente o art. 4° do Decreto 22.626/1933 e o art. 591 do Código Civil de 2002, é irrefutável que os dispositivos aludem a que os contratantes permitem/assentem/autorizam/consentem/concordam com o cômputo anual dos juros. Entretanto, não afirmam, nem sequer remota ou implicitamente, que a cobrança do encargo possa se dar automaticamente, ou seja, não determinam que a arrecadação seja viabilizada por mera disposição legal (ope legis), pois se assim fosse teriam os julgadores o dever de, inclusive de ofício, determinar a incidência do encargo, ainda que ausente pedido das partes. Portanto, inegável que a presunção à qual alude o artigo 591 do Código Civil diz respeito, tão somente, aos juros remuneratórios incidentes sobre o mútuo feneratício, ou seja, sobre aqueles recebidos pelo mutuante como compensação pela privação do capital emprestado. Essa pressuposição, no entanto, não é transferida para a parte final do referido dispositivo, pois a 18 capitalização de juros é permitida em inúmeros diplomas normativos em periodicidades distintas (mensal, semestral, anual), e não é pela circunstância de a lei autorizar a sua cobrança que será automaticamente devida pelo tomador do empréstimo em qualquer dessas modalidades. O legislador ordinário, atento às perspectivas atuais, procurou tratar o mútuo de forma substancialmente renovada - no Código Civil de 1916 o contrato de empréstimo era, em regra, gratuito, sendo a sua onerosidade excepcional -, hoje, os juros presumem-se devidos se o mútuo tiver destinação e finalidade econômica, podendo referir-se tanto a suprimento de dinheiro como de coisas fungíveis. Não ousou o legislador proibir que as partes convencionassem a não incidência de juros se assim expressamente acordassem. Ora, se a norma não obrigou/determinou, mas apenas presumiu (salvo estipulação em contrário) a incidência de juros, inviável estender essa assertiva para a periodicidade deste encargo. Certamente, seria um contrassenso admitir que as partes expressamente ajustassem a não incidência de juros (contrato gratuito) mas a lei determinasse/impusesse a cobrança da capitalização de juros, ainda que na periodicidade anual. Isto porque, o direito de livre contratar é expressão maior do ideário burguês pós-revolucionário e constitui um princípio vinculado à noção de liberdade e igualdade presente na Declaração Universal dos Direitos do Homem. À pessoa humana, enquanto ser dotado de personalidade e como cidadão livre, é dado pactuar nas condições que julgar adequadas, contratando como, com quem e o que desejar, inclusive dispondo sobre cláusulas, firmando o conteúdo do contrato e criando, em dadas vezes, novas modalidades contratuais (contratos atípicos). Além do princípio da autonomia da vontade, a boa fé contratual, vinculada ao dever de informar - principalmente nos contratos bancários sobre os quais é inegável a incidência do Código de Defesa do Consumidor (súmula 297/STJ) -, constitui um dos pilares do contrato, verdadeiro elemento norteador do negócio jurídico. A doutrinadora Cláudia Lima Marques, em conhecida obra sobre o Código do Consumidor, afirma que um dos mais importantes deveres do fornecedor é o de informar, porquanto é neste momento que o contratante, ao tomar conhecimento do conteúdo do contrato e apreciar as consequências de 19 sua declaração, poderá decidir-se. (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1999, p. 111). Nesse sentido, o contrato deve retratar uma situação de coordenação, jamais uma relação de subordinação entre as partes, mormente quando o ordenamento jurídico normativo não impõe a contratação de juros sobre juros, tampouco categoricamente afirma posição imperativa quanto a sua contratação. Corroborando essa compreensão, verifica-se ter esta Corte Superior entendimento agora pacífico no sentido de que a capitalização anual de juros somente pode ser admitida quando haja expressa pactuação entre as partes, o que não se afasta da compreensão estabelecida pelo artigo 591 do Código Civil no sentido de que "destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406", taxa esta que no entendimento do STJ não vincula, em particular, as instituições financeiras, porquanto para estas, os juros remuneratórios, quando não tenham sido previamente ajustados, ficam limitados à média dos juros praticados no mercado. Nesse sentido, cito inúmeros precedentes de ambas as Turmas de direito privado desta Corte Superior: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CONTRATOS BANCÁRIOS. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PACTUAÇÃO EXPRESSA. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA AO DO STJ. SÚMULA 83/STJ. TARIFAS ADMINISTRATIVAS.ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA AO DO STJ. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS NOVOS CAPAZES DE DERRUIR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no REsp 1503237/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 29/08/2016) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. 1. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. NECESSIDADE DE EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL. COMPREENSÃO FIRMADA PELA SEGUNDA SEÇÃO DESTA CORTE. 2. ALEGAÇÃO NÃO ENFRENTADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. 3. RECURSO IMPROVIDO. 1. A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do AgRg no AREsp n. 429.029/PR, decidiu que a cobrança da capitalização anual de juros nos contratos bancários depende de previsão contratual expressa. 20 2. A análise de questão formulada no recurso especial somente é possível nesta Casa se constatado o devido prequestionamento, o que não se verifica na hipótese. Incidência do enunciado n. 282 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, aplicável por simetria. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1502771/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 30/08/2016) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. PACTUAÇÃO EXPRESSA. NECESSIDADE. SÚMULA N. 83/STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO DENTRO DOS PARÂMETROS DA RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. Conforme a orientação firmada pela Segunda Seção desta Corte, "a cobrança de juros capitalizados em periodicidade anual nos contratos de mútuo firmado com instituições financeiras é permitida quando houver expressa pactuação" (AgRg no AREsp 429.029/PR, Relator Ministro MARCO BUZZI, julgado em 9/3/2016, REPDJe 18/4/2016, DJe 14/4/2016). 2. Consoante a jurisprudência desta Corte, somente em hipóteses excepcionais, quando irrisório ou exorbitante o valor dos honorários advocatícios fixada na origem, é possível afastar o óbice da Súmula n. 7/STJ para o reexame em recurso especial. No caso, o valor estabelecido pelo Tribunal de origem não se mostra excessivo, a justificar sua reavaliação. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1479739/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 16/06/2016, DJe 23/06/2016) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE CONTA CORRENTE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. AUSÊNCIA DE EXPRESSA PACTUAÇÃO. VEDAÇÃO EM QUALQUER PERIODICIDADE. RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO À INCIDÊNCIA DO ENCARGO INDEPENDENTEMENTE DE PACTUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO SEDIMENTADO PELA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ. 1. A jurisprudência consolidada nesta Corte Superior é de que a cobrança de juros capitalizados em periodicidade anual nos contratos de mútuo firmado com instituições financeiras é permitida quando houver expressa pactuação. Entendimento sedimentado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgRg no Aresp nº 429.029/PR, Relator Ministro MARCO BUZZI, julgado em 9/3/2016, por acórdão ainda pendente de publicação. 2. Constatada pela instância de origem a inexistência de pactuação de capitalização dos juros no contrato, devida à exclusão do encargo. Decisão agravada mantida. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1460897/SC, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 04/05/2016) 21 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATOS BANCÁRIOS. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. PACTUAÇÃO EXPRESSA. NECESSIDADE. TAXAS E TARIFAS BANCÁRIAS. INVIABILIDADE NA ESPÉCIE ANTE A AUSÊNCIA DE CÓPIA DO INSTRUMENTO CONTRATUAL FIRMADO ENTRE AS PARTES. SÚMULAS 05 E 07/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Segundo a jurisprudência consolidada nesta Corte Superior, a cobrança de juros capitalizados em periodicidade anual nos contratos de mútuo firmado com instituições financeiras é permitida quando houver expressa pactuação neste sentido. 2. A ausência do contrato nos autos impossibilitou as instâncias ordinárias de analisar eventual abusividade na cobrança das tarifas bancárias em relação à média de mercado. Por esta razão, fica afastada a cobrança porquanto rever a conclusão do Tribunal de origem ensejaria a reapreciação do conteúdo fático-probatório dos autos, vedada pela Súmula 7 do STJ. 3. Decisão recorrida que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, tendo em vista a ausência de argumentos novos aptos a modificá-la. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1.468.817/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 16/09/2014) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. CARTEIRA HIPOTECÁRIA. OPERAÇÃO DE “FAIXA LIVRE”. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. POSSIBILIDADE. - A “faixa livre” compõe uma das categorias em que as entidades integrantes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo podem destinar os recursos captados em depósitos de poupança. - Os recursos destinados a operações de “faixa livre” não se encontram vinculados ao SFH, de sorte que não se lhes pode aplicar a legislação especial que regula essa modalidade de contratos, mas sim a Lei nº 4.595/64. - Nos contratos firmados por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional anteriormente à edição da MP nº 1.963-17/00 (reeditada sob o n.º 2.170-36/01), é permitida a capitalização anual dos juros, desde que expressamente pactuada. Embargos de declaração acolhidos. (EDcl no REsp 436.842/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2007, DJ 24/09/2007, p. 287) AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. SEGUNDA FASE. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO. ART. 354 DO CC/2002. CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO CALCADO EM PROVA PERICIAL. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. CAPITALIZAÇÃO ANUAL. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A revisão da questão relativa à imputação do pagamento, no presente caso, demandaria o revolvimento de matéria probatória, interditada nesta sede recursal por força do óbice contido na Súmula 7/STJ. 2. Segundo a jurisprudência consolidada nesta Corte Superior, a cobrança de juros capitalizados em periodicidade anual nos 22 contratos de mútuo firmado com instituições financeiras é permitida quando houver expressa pactuação neste sentido. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 457.312/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/05/2014, DJe 16/05/2014) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1.- De acordo com o entendimento das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte, a pactuação da capitalização dos juros é exigida inclusive para a periodicidade anual. 2.- O agravo não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 3.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp 1417659/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 13/03/2014) AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DOS JUROS. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO EXPRESSA. SÚMULA STJ/83. 1.- É permitida a cobrança de juros capitalizados em periodicidade anual nos contratos bancários firmados com instituições financeiras, quando houver expressa pactuação neste sentido. Precedentes. 2.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp 442.971/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 13/03/2014) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SÚMULAS 5 E 7 DESTA CORTE. 1.- Tendo o acórdão reconhecido a ausência de expressa pactuação a respeito da capitalização mensal de juros, não há como acolher a pretensão do banco recorrente, ante o óbice das Súmulas 05 e 07 do Superior Tribunal de Justiça. 2.- De acordo com o entendimento das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte, a pactuação da capitalização dos juros é exigida inclusive para a periodicidade anual. 3.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp 1.250.497/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/09/2012, DJe 10/10/2012) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1.- De acordo com o entendimento das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte, a pactuação da capitalização dos juros é exigida inclusive para a periodicidade anual. 2.- O agravo não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 3.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp 1.417.659/SC, Rel. Ministro SIDNEI 23 BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 13/03/2014) AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DOS JUROS. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO EXPRESSA. SÚMULA STJ/83. 1.- É permitida a cobrança de juros capitalizados em periodicidade anual nos contratos bancários firmados com instituições financeiras, quando houver expressa pactuação neste sentido. Precedentes. 2.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp 442.971/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 13/03/2014) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. A capitalização anual de juros em contratos bancários já era possível, mesmo em contratos anteriores à edição da MP 1.963- 17/2000, desde que pactuada, com fundamento nos arts. 591 CC (1.262 do CC/1916) e 4º do DL 22.626/33. 2. Embargos declaratórios acolhidos. (EDcl nos EDcl no REsp 749.867/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe 04/11/2010); AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. PERIODICIDADE ANUAL. ART. 591 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PREVISÃO CONTRATUAL. NECESSIDADE. 1. É permitida a cobrança de juros capitalizados em periodicidade anual nos contratos bancários firmados com instituições financeiras, quando houver expressa pactuação neste sentido, circunstância não ocorrente na espécie. 2. Agravo interno desprovido. (AgRg no REsp 1.246.559/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe 01/08/2011) Assim, tendo em vista que nos contratos bancários é aplicável o Código de Defesa do Consumidor (súmula 297/STJ), a incidência da capitalização de juros, em qualquer periodicidade - na hipótese, a anual - não é automática, devendo ser expressamente pactuada, visto que, ante o princípio da boa-fé contratual e a hipossuficiência do consumidor, esse não pode ser cobrado por encargo sequer previsto contratualmente. Ademais, não é possível presumir a pactuação quando não colacionado aos autos o contrato entabulado entre as partes, nos termos do artigo 359 do CPC/73, atual 400 do CPC/2015, pois ausente a cópia do contrato por omissão imputável à instituição financeira, de modo a impedir a aferição da existência de pactuação do encargo, impositivo observar o critério legalmente 24 estabelecido, sendo tido como verdadeiros os fatos que o consumidor pretendia provar com a referida documentação, qual seja, a não pactuação ou abusividade dos encargos cobrados. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. JUNTADA DO CONTRATO. AUSÊNCIA. ART. 359/CPC/1973. EFEITOS. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. JUROS DE MORA. COBRANÇA. POSSIBILIDADE. MULTA MORATÓRIA. PACTUAÇÃO. NECESSIDADE. 1. Controvérsia limitada a definir se a falta de exibição do contrato pela instituição financeira impede ou não a cobrança dos encargos decorrentes da mora (multa moratória e juros de mora), à luz do disposto no art. 359 do CPC/1973. 2. Necessidade de aferir se a incidência dos consectários da mora depende de expressa pactuação entre as partes ou se decorre da própria lei e/ou da natureza do contrato. 3. Independentemente de pactuação entre as partes contratantes, os juros moratórios, por expressa imposição legal, são devidos em caso de retardamento na restituição do capital emprestado, decorrendo sua exigibilidade, atualmente, da norma prevista no art. 406 do Código Civil. 4. Ausente a cópia do contrato por omissão imputável à instituição financeira, de modo a impedir a aferição do percentual ajustado e da própria existência de pactuação, impõe-se observar o critério legalmente estabelecido. 5. No período anterior à vigência do novo Código Civil, os juros de mora são devidos à taxa de 0,5% ao mês (art. 1.062 do CC/1916); após 10/1/2003, devem incidir segundo os ditames do art. 406 do Código Civil de 2002, observado o limite de 1% imposto pela Súmula nº 379/STJ, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor. 6. A multa moratória, espécie de cláusula penal (ou pena convencional), é estipulada contra aquele que retarda o cumprimento do ato ou fato a que se obrigou, dependendo sua exigibilidade, portanto, de prévia convenção contratual. 7. Somente a juntada do contrato permitiria inferir se houve ou não ajuste quanto à cobrança da multa moratória, de modo que, se a instituição financeira não se desincumbiu desse mister, presumem-se verídicos os fatos alegados pela parte. 8. Recurso especial provido. (REsp 1431572/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 20/06/2016) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. DEVER DE EXIBIÇÃO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. ART. 359 DO CPC. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. RECURSO IMPROVIDO. (...) 2. Em ação de exibição incidental de documentos, ante a não apresentação de documento, é possível presumir a veracidade 25 ficta do fato que se pretendia comprovar, a teor do art. 359 do CPC, cujos efeitos serão analisados pelo juiz da causa com base no conjunto de provas constantes dos autos. Incidência da Súmula n. 83/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 809.810/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 03/02/2016) Nessa medida, para a formação do precedente em recurso repetitivo, afirma-se a seguinte tese: “A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação”. É como voto. 2. Análise do caso concreto 2.1 No presente caso, o Tribunal de origem assentou que nos contratos apresentados, a capitalização de juros não foi prevista, bem ainda ser inviável presumir o ajuste do encargo nas avenças não exibidas. Confira-se excerto do acórdão recorrido: O inconformismo sustentou seria válida a capitalização mensal de juros, pois estaria autorizada pela Medida Provisória n. 2170-36/2001. Alternativamente, pediu sua incidência anual. No Instrumento particular de confissão de dívida" n. 12830372409 e no "contrato para financiamento de capital de movimento ou abertura de crédito e financiamento" n. 12830364694, na abertura de crédito em conta-corrente n. 12830754168, na "abertura de limite de crédito em conta-corrente - giro fácil", "convênio para prestação de serviços de cobrança" e no "contrato 'global de relacionamento comercial e financeiro (fls. 339/346, 360/364, 339/340, 343/346, 160/162 e 172/192), não foi contemplada esta metodologia em qualquer periodicidade. Nas avenças não exibidas, inviável presumir sua pactuação, em afronta ao princípio da transparência, pois São direitos básicos do consumidor: [...] a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem com sobre os riscos que apresentem (art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor). Portanto, o pleito não prospera, incidindo os juros remuneratórios de forma linear nos contratos referidos. Quanto aos contratos exibidos, a inversão da premissa firmada no acórdão atacado acerca da ausência de pactuação do encargo capitalização de juros em qualquer periodicidade demandaria a reanálise de matéria fática e dos termos dos contratos, providências vedadas nesta esfera recursal extraordinária, 26 em virtude dos óbices contidos nos Enunciados 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Relativamente aos pactos não exibidos, verifica-se ter o Tribunal a quo determinado a sua apresentação, tendo o banco-réu, ora insurgente, deixado de colacionar aos autos os contratos, motivo pelo qual lhe foi aplicada a penalidade constante do artigo 359 do CPC/73 (atual 400 do NCPC), sendo considerados como verdadeiros os fatos que a autora pretendia provar com a referida documentação, qual seja, a não pactuação dos encargos cobrados. Por esta razão, considerando a ausência do contrato apto a viabilizar a conferência da expressa pactuação da capitalização de juros em qualquer periodicidade e de ser inviável a presunção de que a cobrança de juros sobre juros na modalidade anual fora previamente ajustada, verifica-se que o acórdão recorrido está em conformidade com o entendimento do STJ, o que atrai a incidência da Súmula 83/STJ, aplicável igualmente aos recursos fulcrados tanto na alínea "a", quanto na alínea "c", do permissivo constitucional. 2.2 Quanto à repetição de indébito, é cabível quando verificado o pagamento indevido, independentemente da comprovação de erro, conforme a jurisprudência pacificada desta Corte Superior, sedimentada, inclusive, no enunciado sumular nº 322/STJ. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. ADMISSIBILIDADE. SÚMULA 322/STJ. PROVA DO ERRO. PRESCINDIBILIDADE. REPETIÇÃO EM DOBRO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. REPETIÇÃO DE FORMA SIMPLES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, independentemente de comprovação de erro no pagamento, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito. Inteligência da Súmula 322/STJ. Todavia, para se determinar a repetição do indébito em dobro deve estar comprovada a má-fé, o abuso ou leviandade, como determinam os arts. 940 do Código Civil e 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, o que não ficou comprovado na presente hipótese. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1498617/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 29/08/2016) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. INAPLICÁVEL LIMITAÇÃO EM 12% AO ANO. 27 JUROS DE MORA. PERCENTUAL CONTRATADO EM 1% AO MÊS. POSSIBILIDADE. REPETIÇÃO/COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO. AGRAVO DESPROVIDO. (...) 3. No que concerne à compensação de valores e à repetição do indébito, esta eg. Corte tem jurisprudência pacífica no sentido de seu cabimento "sempre que verificado o pagamento indevido, em repúdio ao enriquecimento ilícito de quem o receber, independentemente da comprovação do erro" (REsp 615.012/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 8.6.2010). 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 591.826/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/03/2016, DJe 17/03/2016) PROCESSO CIVIL. CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. INSCRIÇÃO. MANUTENÇÃO DA POSSE. (...) - Aquele que recebeu o que não devia deve restitui-lo, sob pena de enriquecimento indevido, pouco relevando a prova do erro no pagamento. (...) - Agravo não provido (AgRg no REsp 1.270.283/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 20/8/2012). Todavia, para se determinar a repetição do indébito em dobro deve estar comprovada a má-fé, o abuso ou leviandade, como determinam os artigos 940 do Código Civil e 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, o que não ocorreu na espécie, porquanto, segundo o Tribunal a quo, o tema da repetição em dobro sequer foi devolvida para apreciação. Dessa forma, deve ser mantida a repetição do indébito de forma simples. 2.3 No que diz respeito à multa do art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil/73, constata-se que, in casu, o recorrente procurou, com os embargos de declaração, satisfazer os pressupostos de admissibilidade dos recursos para os Tribunais Superiores, mais especificamente o prequestionamento. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, mesmo que se considere despicienda a menção explícita no acórdão dos dispositivos tidos como violados, ainda assim não há por que os considerar protelatórios. Assim, ausente o caráter protelatório, aplicável ao caso a previsão constante da Súmula 98 desta Corte: "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório". 28 2.4 Do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, apenas para afastar a multa imposta no julgamento dos embargos de declaração. É como voto.
Revista Consultor Jurídico, 8 de fevereiro de 2017.