segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Prisão indevida na "lava jato" custa casamento, emprego e reputação

Por erro da força-tarefa da operação “lava jato” e do juiz Sergio Moro, a vida do ex-diretor da OAS Mateus Coutinho de Sá foi arruinada. Sua prisão indevida fez com que perdesse o emprego, sua mulher o abandonasse e ele fosse privado de conviver com sua filha pequena por quase seis meses, como informa o jornal Folha de S.Paulo. A recente absolvição de Coutinho de Sá pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região deixou patente a arbitrariedade de seu encarceramento. 


Prisão indevida de Moro acabou com a vida do executivo Coutinho de Sá
Divulgação/Ajufe

Em julgamento de apelação concluído na quarta-feira (23/11), a 8ª Turma do TRF-4, por unanimidade, absolveu o executivo, por falta de provas. Ele tinha sido condenado a 11 anos de prisão por Moro, que alegava haver “prova robusta” do envolvimento da OAS no esquema de corrupção que funcionava na Petrobras.
Mateus Coutinho de Sá foi preso preventivamente em 14 de novembro de 2014, junto com os presidentes das empreiteiras OAS, Camargo Corrêa, Iesa Óleo e Gás, UTC e Queiroz Galvão, além de outros executivos. Desde o início, ele jurou inocência, mas não foi levado a sério. Diferentemente dos demais, não conhecia os outros detidos, nem parecia ter conhecimento de assuntos de suas conversas, segundo um outro preso disse à Folha.
Na cela em que ficou, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, também estavam Erton Medeiros Galvão, presidente da Galvão Engenharia, João Auler, ex-presidente do Conselho Administrativo da Camargo Corrêa, e Sérgio Cunha Mendes, vice-presidente e herdeiro da Mendes Júnior. Por ser o mais novo, Coutinho de Sá dormia em um colchão no chão, já que não havia camas para todos.
Ainda que demonstrasse serenidade, a saudade da filha apertava, e ele passou a demonstrar sintomas de depressão. Mas o executivo não queria que a menina o visitasse, para evitar desgastes. De acordo com o jornal, um agente federal formado em Psicologia passou a ajudá-lo. Outro, porém, provocou-o, dizendo que Coutinho de Sá não veria sua filha tão cedo. Fora de si, ele partiu para cima do agente, e teve que ser contido por seus colegas.
Como seus Habeas Corpus foram negados pelos tribunais superiores, Coutinho de Sá cedeu à saudade e concordou com uma ida da filha ao presídio, desde que fosse em um dia sem outras visitas. Quando os outros presos ouviram a menina gritar “pai!”, a comoção foi geral, conta a Folha.
Finalmente, em 28 de abril de 2015, o executivo deixou a cadeia após o Supremo Tribunal Federal autorizar que ele e outros investigados da “lava jato” poderiam responder ao processo em prisão domiciliar. Depois, Moro substituiu a detenção por medidas cautelas, como o afastamento de atividades econômicas.
Mas o estrago já estava feito. Coutinho de Sá foi demitido da OAS e passou a sofrer preconceito por ter sido acusado de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras. Pior: o desgaste acabou com seu casamento.
Juliano Breda, um dos seus advogados, lamentou sua prisão indevida. “Nenhum dos delatores da ‘lava jato’ tinha dito que Coutinho praticou qualquer tipo de crime. Ele não tinha absolutamente nada a ver com esse esquema.”
À Folha o executivo disse que não tinha condições de dar entrevista, e que estava concentrado em reconstruir sua vida.
Operação contestada
Para muitos profissionais do Direito, a "lava jato" está excedendo os limites legais na sua busca pela punição de corruptos. Muitos criticam a estratégia da força-tarefa da operação de prender preventivamente os acusados até que eles resolvam firmar acordo de delação premiada — intenção já admitida por integrantes do Ministério Público Federal.
Por sinal, todos os compromissos desse tipo firmados na operação “lava jato”, que investiga esquemas de corrupção na Petrobras, possuem cláusulas que violam dispositivos da Constituição — incluindo direitos e garantias fundamentais —, do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984).
Ao conduzir coercitivamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento sem tê-lo intimado antes, a Polícia Federal violou o Código de Processo Penal e o próprio mandado no qual o juiz federal Sergio Moro autorizou a ação.
Isso porque o artigo 218 do CPP estabelece que o juiz só poderá requisitar a apresentação forçada da testemunha caso ela, tendo sido regularmente intimada, deixe de comparecer sem motivo justificado. No despacho do dia 29 de fevereiro, no qual autorizou a medida contra Lula, Moro ressaltou, em letras maiúsculas, que o “mandado SÓ DEVE SER UTILIZADO E CUMPRIDO, caso o ex-presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para depoimento, recuse-se a fazê-lo”.
Outra violação ocorreu quando o juiz Sergio Moro tornou públicas as gravações de telefonemas entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com professores de Direito e advogados ouvidos pela ConJur, os grampos não poderiam ter perdido o sigilo, por dois motivos igualmente graves.
Primeiro, porque se um dos participantes da conversa tem prerrogativa de foro por função, caberia à primeira instância mandar as provas para a corte indicada. No caso, Dilma só poderia ser processada e julgada (em casos de crimes comuns) pelo Supremo Tribunal Federal, conforme manda o artigo 102, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal.
O outro motivo é que, ao que tudo indica, as gravações das conversas foram ilegais, e Moro as divulgou sabendo disso. Pelo menos é o que mostram os horários em que os eventos foram publicados no site da Justiça Federal do Paraná.
Posteriormente, o ministro do STF Teori Zavascki declarou inconstitucionala divulgação dos grampos. Segundo o ministro, ao constatar que havia autoridades com foro privilegiado nos áudios, Moro deveria ter enviado os autos ao Supremo, para que a corte decidisse sobre a cisão ou não do processo.
Nessa ocasião, Sergio Moro não quebrou o sigilo telefônico apenas de Roberto Teixeira, advogado de Lula, mas também do telefone central da sede do escritório dele, o Teixeira, Martins e Advogados, que fica em São Paulo. Com isso, conversas de todos os 25 advogados da banca com pelo menos 300 clientes foram grampeadas, além de telefonemas de empregados e estagiários da banca.
A interceptação do número foi conseguida com uma dissimulação do Ministério Público Federal. No pedido de quebra de sigilo de telefones ligados a Lula, os procuradores da República incluíram o número do Teixeira, Martins e Advogados como se fosse da Lils Palestras, Eventos e Publicações, empresa de palestras do ex-presidente.
A inviolabilidade da comunicação entre advogado e cliente está prevista no artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994). Segundo a norma, é um direito do advogado “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.
De nada adiantaram os dois ofícios enviados pela Telefônica em fevereiro e março ao juiz Sergio Moro informando que ele havia autorizado a interceptação do telefone central do escritório Teixeira, Martins e Advogados. O responsável pelos processos da operação “lava jato” em Curitiba enviou um novo documento ao Supremo Tribunal Federal dizendo que a informação só foi notada por ele depois que reportagens da ConJur apontaram o problema.
Recentemente, Moro autorizou, e a PF executou, a prisão do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega enquanto ele estava no hospital Albert Einstein, em São Paulo, acompanhando uma cirurgia de sua mulher. Desde 2012 a mulher do ex-ministro faz um tratamento contra o câncer. Com a repercussão negativa do caso, a detenção foi revogada.


Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2016.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Após norma do CNJ, hospitais emitem certidão de óbito em 10 estados e DF

Hospitais de ao menos 10 unidades da Federação passaram a emitir certidão de óbito conforme proposto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano passado. Antes, familiares dos mortos tinham de ir até a um cartório para obter o documento. Agora, postos dos cartórios podem gerar o registro nas unidades de saúde, tanto da rede pública e ou privada. A medida também é uma grande aliada no combate às fraudes com nomes dos que já morreram.
Após o falecimento de uma pessoa, o registro de óbito deve ser feito de imediato, antes do sepultamento. Cabe ao cartório civil local a emissão gratuita do documento. A certidão é necessária para questões como requerimento de pensão, iniciação do processo de testamento ou para pessoas viúvas que queiram se casar novamente em cartório.
Para agilizar o serviço, a Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do CNJ, publicou a Recomendação n. 18/2015, em março do ano passado. O ato orienta as Corregedorias de Justiça estaduais na fiscalização e expedição da certidão de óbito na unidade de saúde onde a morte ocorrer. A norma inspirou-se no sucesso de outra proposta do Conselho: em 2010, o órgão tornou obrigatória a emissão de certidão de nascimento no local do parto, como forma de combate ao sub-registro.
No Distrito Federal, a emissão de certidão de óbito alcança cerca de 80% da rede pública. Ao menos nove das 12 unidades regionais prestam o serviço, além de quatro particulares e duas maternidades. “Todos os hospitais de médio porte têm essa estrutura. Não há nas UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e nos hospitais psiquiátricos por falta de demanda”, esclareceu Pacífico Nunes, coordenador de correição e inspeção extrajudicial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TDJFT).
Antes, o registro de óbito levava até um dia. “Com o posto, isso se resolve na hora. Além da agilidade, nesse momento de dor e comoção, o serviço reduz erros. Se o funcionário do cartório percebe a necessidade de retificação, a pessoa corrige no próprio hospital. O médico já dá outro atestado. Isso previne ações judiciais de retificação”, relatou Nunes. “Também evita fraudes: estelionatários usam atestados falsos para obter benefícios previdenciários, como pensões”, ressaltou.
Visita anual - Para fiscalizar o serviço, cada cartório recebe uma visita anual da Corregedoria de Justiça local, conforme a especialidade. “No caso de óbito, verificamos os livros, se os atos foram lavrados dentro dos requisitos legais, se está interligado com a sede. O livro precisa ter o mesmo registro na sede e no posto avançado. Hoje, com todos conectados, isso é automático”, explicou Nunes.
O Rio de Janeiro possui, no país, uma das maiores taxas de adesão da rede hospitalar. No estado, há 58 postos interligados, aptos a emitir certidão de nascimento e de óbito. “É para facilitar a vida da família, em um momento de extrema dureza. Previne fraudes também. Quanto mais próximo do cartório, menor o risco. Já tivemos máfias de funerárias no estado”, observou Euclides Guinancio, diretor-geral da Divisão de Monitoramento Extrajudicial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
Em setembro, por exemplo, 749 (7,6%) das 9.838 mortes no Rio foram registradas nos postos de saúde. “Não é pouco, já que o óbito precisa ser registrado onde ocorre. Esses foram dentro de hospitais”, observou o diretor. Corpos de vítimas de morte na rua ou violenta, em regra, seguem para um dos Institutos Médicos Legais do estado. O maior deles ganhou o serviço em 2015.
Prestar o serviço alivia a dor da família, sobretudo em catástrofes, relatou Guinancio. “Em uma tragédia, como a de Angra dos Reis (quando deslizamentos de terra mataram 53 pessoas no réveillon de 2010), os corpos seguem para o IML do Rio. Se a unidade já existisse, o desgaste das famílias seria muito menor, por causa da rapidez do registro”, disse o diretor do TJRJ.
Adesão - Além do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, o serviço está disponível em unidades de saúde de Goiás, Acre, Pará, Bahia, Ceará, Ceará, Roraima, Minas Gerais e Santa Catarina. Após emitir a recomendação, a Corregedoria Nacional de Justiça iniciou campanha nacional para divulgar a norma. Cartazes foram enviados às 27 unidades da Federação para serem fixados em hospitais, cemitérios, funerárias e casas mortuárias, além de divulgação em redes sociais do CNJ.
Isaías Monteiro
Agência CNJ de Notícias


segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Juizados especiais perderam agilidade, diz corregedor nacional de Justiça

“Os juizados especiais não correspondem mais às expectativas da Lei 9.099/95”, afirmou na quarta-feira (16/11) o corregedor nacional de Justiça e ministro do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, durante palestra de abertura da 40ª edição do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (Fonaje), ocorrida na sede do STJ, em Brasília.

Para o corregedor nacional de Justiça, João Otávio de Noronha, Juizado Especial leve, ágil, desburocratizado e informal retratado na Lei 9.099 não condiz com a realidade brasileira.
Reprodução

Para Noronha, o juizado especial leve, ágil, desburocratizado e informal retratado na Lei 9.099 não condiz com a realidade atual. “Estamos com o juizado relativamente pesado, com audiências iniciais demorando de seis meses a um ano, decisões de 10, 12 laudas, quando não deveria passar de uma. Em síntese, nós estamos com um juizado, salvo um ou outro, que não responde mais à expectativa da Lei 9.099”, disse.
O corregedor de Justiça defendeu desburocratizar o processo desde a coleta de dados do jurisdicionado ao julgamento, pois “a simplicidade acelera”. “Se dependesse de mim, as causas dos juizados especiais seriam um formulário com um espaço para o juiz, no final, à mão ou no computador, dizer defiro, não defiro, julgo procedente ou improcedente”, afirmou o ministro. Ele também lembrou a importância da conciliação e da adequada preparação dos juízes para estimular o entendimento entre as partes.
Além disso, o ministro do STJ destacou o diálogo com agências reguladoras como ponto importante a ser discutido. Para ele, a má prestação de serviços públicos virou um grave problema para o Judiciário, principalmente nos setores de telefonia e energia.
Outro ponto levantado pelo corregedor foi a assiduidade dos juízes. Quanto a isso, disse que, como corregedor, vai tomar providências. Uma delas, adiantou, será a criação de um aplicativo para receber reclamações sobre juízes que não estão na comarca.
Alternativas
Como corregedor, Noronha se mostrou disposto a buscar alternativas para a melhoria da prestação jurisdicional nos juizados especiais. Disse que pretende criar um grupo de trabalho no CNJ com juízes que atuam nos juizados especiais, desembargadores e ministros para pensar nessa reestruturação e compartilhar os problemas dos jurisdicionados que buscam a corregedoria.
Ele ressaltou a importância de os juizados especiais serem uma constante preocupação de política judiciária por parte dos tribunais de justiça, mas destacou que os juízes, em suas respectivas varas, também podem colaborar para a melhoria do sistema.
“Reflitam nesse seminário o que precisamos mudar e o que pode mudar. Quanto eu posso melhorar a minha vara no juizado especial? Como posso melhorar o sistema de conciliação sem esperar que o Tribunal de Justiça o faça, que o CNJ o determine? Os senhores são soberanos no juizado, incorporem o espírito da simplicidade, da celeridade, que vocês se tornarão grandes juízes. Esse é o mais social de todos os ramos da Justiça”, avaliou o ministro.
Crítica ao sistema
O colunista da ConJur Vladimir Passos de Freitas tem visão semelhante à de Noronha. A seu ver, a possibilidade de se recorrer de decisões de juizados especiais a turmas de uniformização, ao STJ e ao Supremo Tribunal Federal acaba tornando as ações de pequenas causas extremamente ineficientes.
Uma das medidas adotadas pelo Conselho Nacional de Justiça para aumentar a celeridade desses processos é instituir turmas recursais on-line. A primeira delas, estabelecida em Luziânia (GO), consiste em uma plataforma virtual para que os magistrados integrantes das turmas recursais possam julgar os recursos interpostos em ações que tramitaram nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e, assim, proferir votos remotamente.
Outra ideia é enviar intimações pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, como os juizados especiais da Fazenda Pública do Distrito Federal vêm fazendo. A notificação pelo programa é feita apenas quando o autor da ação autoriza e só em ações cíveis, como previsto no novo Código de Processo Civil.
Segundo a Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a iniciativa está sendo implantada depois de bons resultados obtidos em testes. As primeiras tentativas foram feiras no Juizado Especial Cível de Planaltina em outubro de 2015, e os índices de aproveitamento apresentados totalizaram 98%. Em junho deste ano, foi a vez do Juizado de Planaltina aderir à prática.
Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
e
Revista Consultor Jurídico, 18 de novembro de 2016

Transparência e qualidade são metas do departamento de pesquisa do CNJ

Nomeada pela presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, para assumir o comando do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), a cientista política e professora da USP Maria Tereza Sadek sabe que tem alguns desafios pela frente. “Algumas missões são básicas e vamos tentar alcançá-las: aumentar o grau de transparência do Poder Judiciário, melhorar a qualidade das informações e trabalhar para dar apoio às prioridades estabelecidas pela ministra Cármen Lúcia”, afirmou em entrevista à Agência CNJ de Notícias.
Esta é a segunda passagem de Sadek pelo CNJ. Em 2009, ela integrou o Conselho Consultivo instituído pelo então presidente, ministro Gilmar Mendes, com o intuito de dar subsídios científicos para combater o excesso de ações judiciais no país. Agora, como diretora do DPJ, ela pretende aperfeiçoar alguns instrumentos que se tornaram marcas do conselho, como o Justiça em Números. Confira a entrevista.
Como pretende desenvolver o seu trabalho à frente do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ)?
Maria Tereza Sadek - O DPJ vai cumprir prioritariamente uma missão: fornecer pesquisas, dados e informações que baseiem as prioridades determinadas pela ministra Cármen Lúcia. Ela elegeu algumas prioridades de atuação, como violência contra a mulher - isso inclui a Lei Maria da Penha e o feminicídio - e também o sistema prisional. Neste momento, estamos tentando checar os dados, tanto do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) quanto os nossos dados sobre Justiça criminal. Já fizemos um levantamento das varas de execução penal e estamos fazendo um sobre juizados que atendem a mulher vítima de violência. Estamos também dando continuidade a vários projetos, como a série Justiça Pesquisa, avaliando relatórios, sugerindo mudanças e estamos abertos a novos estudos que com frequência são pedidos ao departamento.
Quais são as metas do DPJ?
O DPJ funciona para favorecer a transparência do Poder Judiciário, porque fornece informações e nós temos tido muito cuidado para que essas informações sejam as mais próximas possíveis da realidade. Uma coisa que também temos pensado muito é em aprimorar o Justiça em Números e vamos concentrar esforços nisso. Como hoje temos uma base que é alimentada quase que diariamente isso será muito mais fácil. O departamento tem algumas missões que são básicas, desafios que vamos tentar alcançar: aumentar o grau de transparência do Poder Judiciário, melhorar a qualidade das informações e trabalhar para dar muito apoio às prioridades estabelecidas pela ministra Cármen Lúcia.
Onze anos depois de sua criação, o CNJ vem cumprindo as funções previstas na Emenda nº 45?
 Ao comparamos o Brasil de antes da existência do CNJ com o que temos hoje, vemos uma mudança de qualidade extraordinária. Quando eu comecei a fazer pesquisas sobre Justiça, as informações estavam condensadas em uma publicação que se chamava Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário. Os tribunais respondiam se queriam, as informações eram completamente incompletas, não confiáveis. Não tinha como verificar esses dados. Fazer pesquisa sobre o Poder Judiciário ou proposta de reforma era algo baseado numa coisa chamada achismo. O CNJ representou uma mudança de forte impacto.
Como a senhora avalia o cenário da pesquisa judiciária no Brasil?
Se fizermos uma comparação com o passado, a situação hoje é muito melhor, mas ainda falta muita coisa. Os alunos das faculdades de Direito estão acostumados a fazer pesquisa de jurisprudência. Outra coisa é fazer pesquisa de natureza sociológica, antropológica, de correlação de dados, pesquisas mais empíricas. Nesse sentindo, ainda falta muito. Nas escolas mais tradicionais, o aluno é treinado a citar uma série de autores e ter muito o argumento de autoridade. O que a pesquisa faz é exatamente contestar um saber tido como irrefutável.
O que deve nortear o trabalho de um pesquisador?
Para fazer pesquisa, na verdade, você tem que ter uma certa humildade. Costumo dizer isso para os meus alunos e isso é muito básico: tenho que reconhecer que eu não sei. Que eu não sei, mas quero saber. Para isso, preciso definir o que eu quero saber, levantar algumas hipóteses, sujeitas à validação ou não, e depois definir onde vou buscar informações e dados para afirmar ou para contestar. Isso que é fundamental em uma pesquisa. Não adianta eu dizer, por exemplo, que no Brasil há muitos juízes. Eu tenho que ver como isso se correlaciona com o número de processos e com áreas temáticas. Dá no mesmo em um país tão grande como o nosso ser juiz no Distrito Federal, no Rio Grande do Sul, no Amazonas ou no Piauí? A pesquisa é a busca de um novo saber, mais que isso, a pesquisa é um saber provisório, que pode ser contestado.
Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Prescrição atinge um terço de ações contra políticos no Supremo


Levantamento feito pela Folha revela que um terço das ações penais concluídas no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre congressistas com foro na corte foi arquivado nos últimos dez anos por causa da prescrição dos crimes.
A demora que levou à prescrição, definida pelo Judiciário quando o Estado perde o direito de condenar um réu porque não conseguiu encerrar o processo em tempo hábil, leva em conta o andamento da ação nas instâncias inferiores e no STF.
Os atrasos, assim, podem ter ocorrido em etapas anteriores à chegada no Supremo.
Entre os casos arquivados estão acusações contra o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), abertas em 2008, 2011 e 2014, a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), iniciadas em 2007 e 2011, e o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP).
O foro privilegiado garante a detentores de alguns cargos públicos uma forma diferente de processamento e julgamento. Em casos de crimes, eles são julgados diretamente por tribunais sem passar pela primeira instância.
Além disso, ao ingressar ou deixar cargo com direito ao foro, o processo contra o político muda de instância, o que pode ampliar atrasos.
No Congresso Nacional, tramitam projetos para extinguir o foro privilegiado.
No caso de Maluf, a ação começou em 2007 após acusação por suposta lavagem de dinheiro em conta na França.
O caso veio à tona há 13 anos, quando Maluf foi detido pelas autoridades francesas ao tentar fazer uma transferência bancária em Paris. No fim de 2015, ele foi condenado a três anos de reclusão por um tribunal francês. O deputado recorreu da decisão.
No Brasil, porém, a causa sobre tema semelhante foi arquivada no STF em dezembro do ano passado. Ao longo de toda a tramitação, permaneceu sob segredo de Justiça.
Trecho dessa decisão revela que a denúncia havia sido recebida há mais de 11 anos e em 2011 já "se encontrava fulminada pela prescrição".
Para chegar ao número de 33% de ações prescritas no STF, a reportagem considerou um total de 113 causas cuja tramitação foi encerrada de janeiro de 2007 a outubro de 2016. A lista de processos foi fornecida pelo tribunal.
A corte trabalha com o número de 180 ações encerradas no período, porém a reportagem constatou que 67 acabaram por motivos alheios ao mérito, como congressistas que perderam foro no STF pois não se reelegeram, morte do réu e desmembramentos.
Das 113 ações encerradas, 37 tiveram a prescrição reconhecida pelo STF, muitas vezes a pedido da PGR (Procuradoria Geral da República), e outras cinco resultaram em condenação, porém as penas também já estavam prescritas.
Em um grupo de 41 ações, ou 36% do total, os ministros do STF decidiram, sozinhos, em turmas ou no plenário, pela absolvição do parlamentar. Somadas todas as ações em que não houve nenhum tipo de punição ao réu, o percentual chega a 96,5%.
Em apenas quatro houve condenação, atingindo sete políticos. Quatro foram condenados no mensalão a regime fechado, porém em menos de um ano as penas foram mudadas para regime semiaberto, quando o réu trabalha de dia e apenas dorme na cadeia, ou domiciliar.
Em outras duas ações, os dois condenados tiveram prisão em regime semiaberto. O quarto caso está sob sigilo.
CÁLCULO
O cálculo para a prescrição considera a data da prática do crime e a pena máxima prevista. Quando o réu completa 70 anos de idade, o prazo máximo cai pela metade.
Não há uma base de dados nacional que permita uma comparação com as prescrições em outras esferas.
O estudo "Justiça em números", divulgado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no mês passado, não traz dados nacionais de prescrições.
Em 2012, o CNJ divulgou um balanço apenas sobre casos de corrupção e lavagem de dinheiro. Para cerca de 25,7 mil casos desse tipo analisados à época, 2,9 mil prescreveram de janeiro de 2010 a dezembro de 2011.
Com o reconhecimento da prescrição antes da sentença, o mérito da acusação não chega a ser analisado.
No Senado, tramita desde 2013 uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do senador Álvaro Dias (PV-PR) e relatada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) que abole o foro privilegiado, com exceção de ações sobre crimes de responsabilidade.
Randolfe leu na quarta (9) o relatório que apoia a extinção do foro, que classificou de "anacrônico". Afirmou que os ministros do STF "em muitas ocasiões são submetidos ao constrangimento público de ter que decidir ações penais cujos crimes já tiveram suas penas prescritas". 

(Transcrito do jornal Folha de São Paulo, de 14.11.2016

domingo, 13 de novembro de 2016

GARANTIAS DE DIREITOS EM OCUPAÇÕES DE INSTITUIÇÕES DE ENSINO

Direitos exercidos em ocupações:

Liberdade de Expressão “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (Constituição Federal, art. 5º, IV) Liberdade de Reunião “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” (Constituição Federal, art. 5º, XVI)

Liberdade de Associação “É plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar” (Constituição Federal, art. 5º, XVII) Saiba No Brasil, por meio da Constituição da República, dos tratados e convenções internacionais e do Estatuto da Criança e do Adolescente, impera a doutrina da proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes, sendo dever do Estado, da família e da sociedade assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida, à dignidade, ao respeito e à liberdade deles.

 A Constituição determina que o ensino público tem como princípio a gestão democrática (art. 205, VI) Fique atento/a! Proteção do patrimônio público É dever de todos/as proteger o patrimônio público. A prática de destruição, inutilização ou deterioração de coisa alheia é considerada crime (Código Penal, Parte Especial, Título II, Capítulo IV, art. 163). Caso seja praticado, por exemplo, contra patrimônios da União, do Estado ou do Município, como escolas, o crime pode levar à detenção. Desacato A Defensoria entende que a condenação de alguém pelo crime de desacato não poderia ser feita, pois viola a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos. No Código Penal (art. 331), ainda consta que “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela” (Código Penal, art. 331), por isso tal prática pode ser interpretada como crime.

 Mas atenção! O policial e outros servidores estão sujeitos ao controle social. A utilização de equipamentos de gravação (celular, câmera, máquina fotográfica, etc.) para o registro da atividade deles não deve ser entendida como desacato. Registro audiovisual Todo cidadão/ã pode exercer a liberdade de expressão também por meio de equipamentos de comunicação. Qualquer impedimento ilícito praticado por uma autoridade deve ser denunciado. Ninguém é obrigado a fornecer senha ou liberar conteúdos (fotos ou áudios, por exemplo) sem ordem judicial.

Revista Você tem direito a ser revistado/a por policial do mesmo sexo para investigação. Qualquer revista da polícia, inclusive em objetos como mochilas, deve ser feita na presença de todos/as.

 Em caso de pedido de reintegração de posse A reintegração de posse somente pode ser realizada mediante a apresentação de decisão judicial autorizando o ato. Assim, é importante solicitar ao oficial de justiça que apresente o respectivo mandado judicial, bem como verificar se a ordem determina a imediata desocupação com uso de força policial, ou se é concedido prazo para cumprimento espontâneo dessa obrigação.

Uso da força policial O uso das forças policiais deve se pautar pela defesa dos direitos humanos (Portaria Interministerial N° 4.226/2010). As ordens que determinem o uso da força precisam ser dadas identificando o nome de um responsável, bem como instruções precisas da ação. Policiais precisam estar identificados. Caso estejam efetivando uma detenção, é necessário que eles expliquem a razão da medida. Você só pode ser preso em flagrante ou por ordem judicial, por isso, pergunte o motivo da prisão, demonstrando que não está resistindo. A pessoa detida deve ser conduzida para a Delegacia de Polícia (DP). Até lá, evite contestar o Policial Militar, que deve apenas leva-lo/a à DP.

 A investigação é feita pela Polícia Civil. Ao chegar ao local, demande a presença de um/a advogado/a ou defensor/a público. A Resolução 06/2013 do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) fixa que a ação do poder público deve garantir os direitos humanos no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse. O Conselho recomenda que essa atuação deve ocorrer por meios não violentos e que não devem ser usadas armas de fogo nessas situações. Mesmo armas consideradas de baixa letalidade, como balas de borracha, só podem ser usadas quando ficar comprovada sua necessidade para a garantia da integridade física dos agentes. Além disso, a recomendação destaca que “não deverão, em nenhuma hipótese, ser utilizadas por agentes do Poder Público armas contra crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiência e idosas”.

 Quais órgãos podem ser procurados? Todo/a cidadão/ã tem direitos. A Defensoria Pública da União (DPU) e dos Estados tem a função de assegurar a observância dos direitos individuais e coletivos de pessoas em situação de vulnerabilidade social, inclusive crianças e adolescentes, bem como o respeito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório em processos judiciais ou administrativos. Além disso, por buscar sempre uma solução extrajudicial aos conflitos, a Defensoria poderá exercer técnicas de mediação entre as partes, a exemplo dos ocupantes e da Administração Pública, estadual ou federal. Se a ocupação estiver ocorrendo em uma unidade federal de ensino, como universidades e institutos, e houver violações de direitos, a Defensoria Pública da União poderá ser procurada. Se ocorrer em escolas estaduais ou municipais, a atuação caberá às Defensorias Públicas estaduais, onde existem o Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) e o Grupo de Ações Integradas de Apoio aos Eventos Promovidos por Movimentos Sociais (GAI). O Ministério Público (Estadual e Federal) tem o dever funcional de assegurar o cumprimento da ordem jurídica e constitucional, bem como de realizar o controle externo da atividade policial. Assim, eventuais excessos na atuação dos profissionais de segurança pública podem ser comunicados a estas instituições. confira os endereços da dpu acessando o site www.dpu.def.br! procure também: • Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) da sua cidade • Ministério Público do Estado • Ministério Público Federal O Estado deve prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos dos estudantes adolescentes, em atenção ao que dispõe o artigo 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente; A Lei 13060, de 22 de dezembro de 2014, que disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, fixa que não é legítimo o uso de arma de fogo contra pessoa que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança.

(Transcrição da Cartilha elaborada pela Defensoria Pública da União)

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Inconstitucionalidade da PEC. 241/2016

PEC do Teto viola cláusulas pétreas da Constituição, diz estudo do Senado

Por Sérgio Rodas

Proposta de Emenda à Constituição 241/2016, que cria um teto para as despesas públicas para os próximos 20 anos, não deveria ter sido apresentada. Como foi, não deve ser aprovada. Se aprovada, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade deve ser proposta no Supremo Tribunal Federal para impedi-la de produzir efeitos.

PEC 241/2016 é a principal medida do governo Temer para recolocar a economia brasileira nos eixos.
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Tal como Carlos Lacerda anunciando seu plano de ação para impedir que Getúlio Vargas voltasse à Presidência da República em 1950 ("Não pode ser candidato. Se for, não pode ser eleito. Se eleito, não pode tomar posse. Se tomar posse, não pode governar"), o consultor legislativo do Senado Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior afirmou, em parecer, que a PEC 241/2016 não deve ser admitida. Isso porque ela viola as cláusulas pétreas do voto direto, secreto, universal e periódico; da separação de Poderes; e dos direitos e garantias individuais, previstas nos incisos II, III e IV do parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição.
A garantia ao voto é desrespeitada pelo fato de os próximos cinco presidentes e cinco legislaturas do Congresso não poderem “exercer, em sua plenitude, o mandato que lhe foi conferido pela soberania popular”. De acordo com o consultor, sem o devido manejo do Orçamento, ficaria quase impossível desenvolver políticas públicas próprias de impacto.
Já a separação dos Poderes é violada pelo desrespeito à autonomia financeira do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União. Dessa maneira, destaca Vieira Junior, essas carreiras jurídicas teriam condições de trabalho e remuneração pioradas, afastando os melhores profissionais e piorando o serviço que elas prestam à população.
Além disso, a proposta restringe o poder de o presidente da República e os parlamentares proporem projetos de lei ou PECs, uma vez que o artigo 103 da medida estabelece que o chefe de governo só poderá sugerir alteração do método de correção monetária após 10 anos do teto. Da mesma forma, esse dispositivo estabelece que o Congresso só poderá aprovar uma proposta de alteração de tal fórmula por mandato presidencial.
O consultor legislativo do Senado também enumera diversos direitos e garantias individuais que seriam atingidos caso a PEC 241/2016 seja aprovada. Os principais deles são o direito à saúde e à educação e a vedação ao retrocesso social. Citando estudos da professora de economia da USP Laura Carvalho e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Vieira Junior argumenta que o Brasil ainda não atingiu um patamar satisfatório desses serviços públicos e que o congelamento de seus recursos nos patamares de 2017, em vez da destinação de percentuais do Orçamento anual, impediria que eles atingissem um patamar de qualidade satisfatório.
Pior: como a população brasileira tende a aumentar e envelhecer, haveria ainda mais demanda de hospitais e escolas estatais. Ou seja, na realidade, os usuários desses sistemas receberiam um serviço ainda mais deficiente nos próximos 20 anos, ressalta o consultor, destacando a inexistência de mecanismos na PEC para contornar esse retrocesso social.
O parecer sustenta ainda que a proposta viola os princípios da razoabilidade (por instituir contenções por demais drásticas), da segurança jurídica (pelo fato de o Estado não poder cumprir com obrigações esperadas pelos cidadãos), do devido processo legal aplicado ao processo legislativo (por estabelecer um período grande — 20 anos — no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que se destina a regras de curto prazo) e da individualização da pena (por punir todos os órgãos de um Poder se um deles ultrapassar o teto de despesas).
Proposta polêmica
Medida-chave para o governo Michel Temer, a PEC 241/2016 vem gerando polêmica no mundo jurídico. Na visão da Procuradoria-Geral da República, o projeto é "flagrantemente inconstitucional". Isso porque daria ao Executivo poderes de um "superórgão", que poderia influenciar o Judiciário e o Legislativo, mesmo que indiretamente.
Magistrados federais têm entendimento semelhante. “Com a PEC 241, o Executivo passará a ser o 'super poder', controlando os demais poderes e o Ministério Público por meio dos recursos financeiros. A longo prazo, o Judiciário será obrigado a fechar varas diante da impossibilidade de contratação de novos juízes e servidores. A pretexto de controlar gastos, a medida irá dificultar o enfrentamento da corrupção, essa sim a raiz da crise econômica brasileira” afirmou o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Roberto Veloso.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a seccional de Sergipe da entidade também se posicionaram contra a PEC 241/2016. O presidente da Comissão Nacional de Direitos Sociais da OAB, Maurício Gentil, convocou a sociedade à luta pela defesa dos direitos sociais. “Estamos em um momento crucial, em termos de apontar para o futuro se vamos ceder e fazer da Constituição uma mera folha de papel ou se vamos lutar para que o retrocesso seja barrado e construir a efetivação dos ideais da Constituição.”
Henri Clay, presidente da OAB-SE, por sua vez, avaliou que a proposta representa um retrocesso social e disse que a emenda “será um golpe no avanço progressivo nos diretos fundamentais sociais dos cidadãos brasileiros”. “Vamos juntos resistir e mobilizar a sociedade contra essa pretensão política do governo Temer”, conclamou.

Gilmar Mendes diz que promotores e juízes usam pretexto do combate à corrupção para manter privilégios.
Carlos Humberto/SCO/STF

Por outro lado, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do STF, Gilmar Mendes, saiu em defesa da norma. Ele emitiu uma nota dizendo que a corte eleitoral é favorável à restrição de gastos e afirmou que juízes e promotores usam o pretexto do combate à corrupção para preservar seus privilégios.
Tramitação
A PEC 241/2016 foi aprovada em primeiro e segundo turnos pela Câmara dos Deputados. Ainda é necessário votar os destaques. Depois dessa fase, o projeto será enviado ao Senado. O presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), espera concluir a apreciação do tema em novembro para que a proposta seja promulgada e anexada à Constituição Federal.
Se a PEC for aprovada no Senado, os limites orçamentários serão corrigidos anualmente pelo IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior. Mas em 2017 o cálculo será diferente, contabilizando o limite a partir da despesa paga neste ano, corrigido em 7,2% (inflação prevista para o ano).
Já no décimo ano de vigência da PEC, os critérios poderão ser revistos pelo presidente da República uma vez a cada mandato. Caso haja excesso de gastos de um dos Poderes durante a vigência da medida, o Executivo poderá compensá-los no orçamento seguinte em até 0,25% do limite.
Revista Consultor Jurídico, 7 de novembro de 2016.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Auditoria vê irregularidade em pagamentos para juízes do trabalho

Auditoria realizada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) aponta que os 24 tribunais regionais do país descumpriram normas legais em relação a férias de juízes e desembargadores.
Nos casos mais graves, cinco TRTs pagaram a 335 magistrados, de 2010 a 2014, o total de R$ 23,7 milhões a título de indenização, ou seja, a conversão em dinheiro de férias não usufruídas.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional "não prevê a possibilidade de conversão de férias não gozadas em pecúnia [dinheiro]", registra o relatório da auditoria.
O TRT de São Paulo lidera a lista, com 872 pagamentos irregulares a 290 magistrados, no total de R$ 21,6 milhões. Seguem-se os tribunais regionais de Alagoas (R$ 1 milhão), Mato Grosso (R$ 906,7 mil), Goiás (R$ 67,4 mil) e Ceará (R$ 36,7 mil).

Segundo o relatório, esses tribunais "têm adotado prática contrária à jurisprudência do Conselho Superior da Justiça do Trabalho" (CSJT).
A auditoria foi determinada em junho de 2014 pelo então presidente do CSJT, ministro Antonio José de Barros Levenhagen. A apuração foi concluída em abril de 2015.
No último dia 17 de outubro, o ministro relator, Renato de Lacerda Paiva, do TST, fixou o prazo de 30 dias para os 24 tribunais apresentarem informações e justificativas.
O relator determinou aos cinco tribunais regionais (SP, AL, MT, GO e CE) que se manifestassem "acerca das irregularidades apontadas quanto ao pagamento de indenização de férias não usufruídas a magistrados, objeto principal da auditoria".

Magistrados consultados pela Folha entendem que as férias devem ser gozadas e não indenizadas ou fracionadas. Consideram que essas práticas contribuíram para aumentar a despesa do Judiciário, evidenciando o corporativismo na Justiça do Trabalho, que enfrenta restrições orçamentárias.
O documento aponta uma "tendência de acúmulo de dias de férias não usufruídos por magistrados" em todos os tribunais regionais. Em outubro de 2014, o saldo acumulado era de 254.649 dias, o que corresponde a um impacto financeiro superior a R$ 213,6 milhões, se eventualmente houver pagamento de indenização aos juízes.

A auditoria constatou outros problemas, como o usufruto de férias em períodos inferiores a 30 dias, que é expressamente vedado na Lei da Magistratura.
Foram identificados 22.694 casos de fracionamento. Segundo a auditoria, "22 dos 24 tribunais apontaram, em 2014, o usufruto de férias em período de apenas um dia" (2.738 ocorrências).
Em outro problema apontado pelo relatório, 11 magistrados receberam indenização de férias com valores a mais, no total de R$ 118,3 mil. O relatório não identifica os juízes, que são citados pelo número de matrícula.
DIVERGÊNCIA
Os tribunais regionais afirmaram aos auditores que fizeram os pagamentos com base em uma resolução de 2011 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Nos últimos anos, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho e o CNJ emitiram posicionamentos divergentes sobre a indenização de férias não usufruídas.
Alguns tribunais citam a resolução 133/2011 do CNJ, editada na gestão do ministro Cezar Peluso, que fixou a "simetria constitucional" da magistratura com o Ministério Público, equiparando vantagens. Mas a resolução condiciona a indenização de férias não gozadas à "absoluta necessidade de serviços, após o acúmulo de dois períodos".
Para realizar a auditoria, o TST usou critérios definidos pelo CSJT, pelo CNJ e pelo Tribunal de Contas da União.
OUTRO LADO
A presidência do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo afirma que os R$ 21,6 milhões de indenizações referentes a férias não usufruídas por 290 juízes "foram pagos adequadamente, dentro do que previa a legislação vigente à época".
Sobre o questionamento da auditoria a respeito de pagamento a mais por férias a alguns juízes, o tribunal paulista diz que, nesses casos, "calculou equivocadamente a indenização".
O erro, diz, resultou no pagamento equivocado de R$ 2.526,77 a seis magistrados. Segundo o tribunal, já houve "a abertura de processo para cobrança dos valores pagos a maior e a adoção de medidas de controle que evitem o equívoco novamente".
O TRT de Goiás informou que "o pagamento da indenização de férias não usufruídas, por absoluta necessidade do serviço, a magistrados em atividade, ocorreu" com fundamento na resolução nº 133/2011 do Conselho Nacional de Justiça.
"Dois magistrados receberam a indenização, uma concedida em setembro de 2013 e outra, no início de 2014. Após, o CSJT [Conselho Superior da Justiça do Trabalho] recomendou que não fosse mais deferida tal indenização, orientação que foi estritamente cumprida pelo TRT."
O Tribunal do Trabalho Alagoas deu explicação parecida. Diz que as indenizações não foram mais pagas "desde o primeiro entendimento" nesse sentido.
"Os pagamentos realizados anteriormente ao entendimento do CSJT foram feitos com base no artigo 1º, letra "f" da Resolução nº 133/2011 do CNJ, que dispõe que 'são devidas aos magistrados, cumulativamente, indenização de férias não gozadas por absoluta necessidade de serviço após o acúmulo de dois períodos'".
Disse ainda que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho mandou quatro juízes que tiveram férias remuneradas devolverem os valores recebidos.
"Os valores foram apurados, os juízes notificados para que fizessem a devolução, no entanto, após ingressarem com ações na Justiça Federal, estes obtiveram liminares ainda em vigor suspendendo a cobrança feita pelo tribunal", informa a assessoria.
O TRT do Ceará informou que "o tribunal foi notificado do despacho do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e está analisando as circunstâncias relativas aos pagamentos efetuados, para adotar as medidas cabíveis".
Procurado, o Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso disse que fez pagamentos "em hipóteses previstas na legislação", como em situações de aposentadoria e exoneração de magistrados.
Informou também que fez um planejamento para que as férias dos magistrados não se acumulem.
(Transcrito do jornal Folha de São Paulo de 07 de novembro de 2016)

Foro Privilegiado gera impunidade

Reavaliação urgente
Por Claudio Lamachia, advogado e presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
Após quase 32 anos do fim da ditadura militar e 127 anos da proclamação da República, ainda é longa a lista de privilégios desmedidos que beneficiam políticos e autoridades públicas em detrimento dos interesses da sociedade. Um deles é o "foro especial por prerrogativa de função" - nome longo e pomposo que a sabedoria popular resumiu, de forma muito apropriada, como "foro privilegiado".
Não está de acordo com as aspirações da Constituição Democrática de 1988 a existência de um instrumento que, na prática, confere vantagens exclusivas a uma casta de agentes públicos. Entre as consequências negativas do "foro privilegiado", estão a sobrecarga dos tribunais obrigados a julgar os privilegiados e a aplicação de tratamento distinto para casos idênticos. Outro efeito péssimo é a impunidade, uma vez que as estruturas dos tribunais ficam congestionadas e não dão conta de julgar as ações contra as autoridades privilegiadas, dando margem às prescrições e à morosidade. É preciso desafogar as cortes.
O Supremo Tribunal Federal (STF), que deveria cuidar das grandes questões constitucionais do país, dirimir impasses relevantes e orientar a aplicação da Carta, é obrigado a travar seus trabalhos com os casos corriqueiros de centenas de agraciados com o direito de serem processados na mais alta corte.
São mais de 600 detentores de foro no STF: presidente da República e vice, todos os ministros de Estado (24 atualmente), todos os deputados federais (513), todos os senadores (81), o procurador-geral da República, os comandantes das Forças Armadas e os ministros do próprio STF (11). Por mais que a Suprema Corte se esforce, as causas de grande interesse social ficam paradas. É de interesse da coletividade que alguns poucos ocupantes de cargos-chave na República estejam plenamente protegidos contra as variações de humor de seus adversários políticos e dos agentes econômicos. Isso é necessário para manter o funcionamento contínuo das instituições e garantir que a ascensão ao poder siga estritamente as regras definidas em lei.
O "foro privilegiado" tem que acabar ou deve ser muito reduzido. Em seu lugar, deve ser estabelecido um mecanismo de proteção às instituições democráticas que confira imunidade às poucas pessoas que realmente necessitem dela. Perante essa situação alarmante, o Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), instância máxima de deliberação da entidade, discutirá ainda neste ano a elaboração de uma Proposta de Emenda Constitucional destinada a corrigir as deformações causadas pelo "foro privilegiado" e apontar quais autoridades precisam manter essa proteção. Os objetivos são atuar, de forma prática e efetiva, contra a corrupção e a impunidade e em favor do descongestionamento do sistema de Justiça.
(Transcrito do jornal Correio Braziliense, de 06 de novembro de 2016).

domingo, 6 de novembro de 2016

Foro privilegiado leva à demora no julgamento

O presidente da República era Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e a TV Globo transmitia a novela "Torre de Babel" quando, em agosto de 1998, a Polícia Federal abriu inquérito em Porto Velho para apurar uma série de "saques indevidos de FGTS pelo Estado de Rondônia".
Quem assinava os contratos sob suspeita com a Caixa era o então governador do Estado, Valdir Raupp, hoje senador pelo PMDB.
Em 1º de setembro de 2000, o oficial de Justiça informou em ofício que "o acusado Valdir Raupp reside em Brasília". Desde então, o Judiciário não consegue dar uma palavra final sobre o caso, até para um eventual benefício do parlamentar, já que por três vezes o Ministério Público pediu o arquivamento, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não decidiu e Raupp segue como réu.
Ele enfrenta outras duas ações penais de um total de 84 contra 53 deputados e senadores hoje em andamento no Supremo, corte onde os integrantes do Congresso têm foro privilegiado.
Levantamento da Folha com informações fornecidas pelo STF a pedido do jornal revela que esses 84 casos que se tornaram ações penais estão, em média, há sete anos e oito meses sem um desfecho.
Desses, 22 (26%) estão em andamento há mais de dez anos. Outros 37 (44%) superam seis anos. Quatro, entre eles três de Raupp, ultrapassam 15 anos sem decisão final.
Para estabelecer o tempo de duração dos casos dos réus no Supremo, a reportagem também considerou a data do início das investigações sobre o político, inclusive antes de chegar à corte.
Quando um político investigado obtém cadeira no Congresso ou se torna ministro, um inquérito que começou em primeira instância precisa ser remetido a Brasília por força do foro privilegiado, o que pode atrasar ainda mais o andamento.
Na Lava Jato, 22 casos já receberam sentença do juiz Sergio Moro com tempo médio de um ano e seis meses.
A conta tem como ponto de partida a deflagração da operação, em março de 2014. Assim, os que estão sob condução de Moro foram cerca de cinco vezes mais rápidos que os de foro privilegiado no STF –mas, nas instâncias inferiores, o réu ainda pode recorrer após a sentença.
PRESCRIÇÕES
A longa tramitação abre risco de prescrição das penas. A Procuradoria-Geral da República então pede a extinção da ação porque o parlamentar não poderia ser mais condenado em razão do tempo da pena prevista em eventual condenação.
Com a prescrição, vão para o lixo anos de recursos públicos gastos para a apuração de supostos crimes.
O deputado federal Josué Bengtson (PTB-PA), por exemplo, foi denunciado em junho de 2007 por supostas corrupção e associação criminosa em inquérito derivado da Operação Sanguessuga.
Segundo a Procuradoria, Bengtson recebeu de uma quadrilha de empresários R$ 55 mil em sua conta e outros R$ 39 mil na de uma igreja em que atuava como pastor. Em troca, fez 14 emendas ao Orçamento da União para compra das ambulâncias.
Quando ficou sem mandato, foi investigado e denunciado em 2007 na primeira instância. Porém virou deputado em 2010 e seu caso foi para o STF. Até que a ação desse entrada na corte, em 2012, cinco anos haviam se passado.
Nos últimos quatro anos, o Supremo também não conseguiu julgar a denúncia. Em setembro, os ministros da corte reconheceram a prescrição e determinaram a extinção.
A vitória de Bengtson poderá ser comemorada por outros colegas: Nilton Capixaba (PTB-RO), Benjamin Maranhão (SD-PB) e Paulo Feijó (PR-RJ), investigados na Sanguessuga. Seus casos estão prontos para julgamento, porém prestes a prescrever.
A pedido da Folha, o STF enviou lista de outros 13 processos que recentemente receberam sentença, mas que ainda estão tecnicamente em andamento. Entre eles, está o do mensalão, em fase de cumprimento de pena.
O tempo médio que os 13 levaram, considerando o início da investigação em outras instâncias, foi de oito anos e dez meses.
OUTRO LADO
O STF (Supremo Tribunal Federal) trabalha com critérios diferentes dos utilizados pela Folha para chegar ao tempo médio de tramitação de casos no tribunal e diz que uma ação penal leva, em média, dois anos e quatro meses para ser concluída na corte.
O tribunal considerou como data do início da contagem o registro da abertura da ação, sem levar em conta toda a fase de inquérito no próprio tribunal, que em muitos casos se estende por anos e das outras investigações na primeira instância. Essas fases anteriores à ação penal também contam para prescrição das eventuais penas.
Segundo os dados divulgados à Folha, o STF analisou a tramitação de 180 ações penais de 2007 a outubro de 2016. Um grupo de 25 levou mais de cinco anos de tramitação. A mais longa demorou 3.297 dias, ou nove anos.
Em nota à reportagem, a Procuradoria-Geral da República defendeu a rediscussão do foro privilegiado e considera até mesmo sua extinção.
O advogado de defesa do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), José de Almeida Júnior, ressaltou que, em um dos processos contra o senador, existe desde 2005 parecer da PGR pela absolvição de seu cliente.
Sobre as outras duas ações, ele afirma que uma já está prescrita e que, na outra, há no processo evidências que mostram a regularidade das ações do senador.
"O STF é muito sobrecarregado de trabalho. São só 11 ministros. Nesse caso a demora está contra nós. Com o pedido de absolvição [em uma das ações] o senador podia estar sem o nome dele nesta tela há uns dez anos. A ação certamente será julgada improcedente", afirma o advogado.
Procurado na sexta (4) pela reportagem, o deputado Josué Bengtson não foi localizado para comentar o processo no STF que foi extinto por prescrição.
Em depoimento prestado à Justiça Federal, ele afirmou que era "falsa a acusação" feita pelo Ministério Público e que "nunca se associou a ninguém com fins de prejudicar o Erário". Disse que "nunca recebeu qualquer tipo de comissão ou qualquer outra contraprestação pelas ambulâncias".
(Transcrito do jornal Folha de São Paulo, de 06 de novembro de 2016).

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Polícia Federal pode usar dados do Coaf sem autorização, conforme STJ

Como as informações prestadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ficam à disposição de interessados, a Polícia Federal pode usá-las em investigações sem que isso caracterize quebra de sigilo. Dessa forma, o órgão não precisa pedir autorização judicial para usar tais dados. Esse foi o entendimento firmado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar Recurso em Habeas Corpus que corre em sigilo.
A decisão vai na contramão do que o colegiado já decidiu no âmbito da operação faktor, que apurou suspeitas de lavagem de dinheiro e crimes contra a ordem tributária no Maranhão. Na ocasião, em 2011, a 6ª Turma entendeu que o único fator que motivou a quebra de sigilo dos investigados foi um relatório de movimentações atípicas fornecido pelo Coaf. Para os ministros, seriam necessárias outras diligências e mais provas para justificar a quebra de sigilo, e não apenas o relatório do Coaf. Assim, a operação foi considerada ilegal desde o início.
O Ministério Público Federal entrou com Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal, que foi rejeitado pelo ministro Dias Toffoli em 2015. "A jurisprudência da Corte não autoriza, em sede de recurso extraordinário, a aferição da existência ou não dos requisitos exigidos para a quebra do sigilo por demandar, inegavelmente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, a teor da Súmula nº 279 do STF", escreveu. O MPF pediu reconsideração da decisão alegando haver repercussão geral, o que ainda não foi julgado no STF.
Prerrogativa das autoridades
No caso de agora, o autor do pedido pretendia o trancamento da ação penal com o argumento de que o acesso às informações do Coaf violou o sigilo do investigado sem autorização judicial. No entanto, os ministros da 6ª Turma afirmaram que a autoridade investigativa possui prerrogativa para consultar as informações, e esse fato isolado não configura quebra de sigilo.
O ministro relator do caso, Nefi Cordeiro, apontou que o Coaf informa as movimentações financeiras atípicas, conforme disposto no artigo 15 da Lei 9.613/98. Como os dados ficam à disposição, não é necessário autorização judicial de quebra de sigilo para acessá-los ou utilizá-los dentro de contexto investigatório.
Segundo o relator, não há ilegalidade pelo fato de a polícia ter provocado, de ofício, a geração do relatório. O magistrado explicou que o Coaf já havia constatado a movimentação suspeita, e a polícia não precisa esperar a comunicação do órgão para agir.
Os ministros consideraram que o procedimento estava integrado em um contexto investigatório com diversas outras provas, não sendo plausível a alegação de que o acesso às informações do Coaf sem autorização de quebra de sigilo tenha gerado prejuízo ao réu.
O Coaf é um órgão ligado ao Ministério da Fazenda que produz informações para proteger os setores econômicos contra a lavagem de dinheiro e outras atividades ilícitas, como o financiamento ao terrorismo. No caso de movimentações financeiras atípicas, o órgão produz um relatório de inteligência financeira comunicando a operação suspeita.
Foi uma dessas movimentações que foi acessada pela Polícia Federal, no âmbito de investigação de um suposto esquema de corrupção organizado em setores do governo federal.
Polêmica sobre sigilo
Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal decidiu ser constitucional a Lei Complementar 105/2001, que permite aos órgãos da administração tributária quebrar o sigilo fiscal de contribuintes sem autorização judicial.
Ficaram vencidos no julgamento os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio. Saiu vencedor o entendimento de que a norma não configura quebra de sigilo bancário, mas transferência de informações entre bancos e o Fisco, ambos protegidos contra o acesso de terceiros.
Segundo o STF, como bancos e Fisco têm o dever de preservar o sigilo dos dados, não há ofensa à Constituição Federal. Na decisão também foi destacado que estados e municípios devem regulamentar, assim como fez a União no Decreto 3.724/2001, a necessidade de haver processo administrativo para obter as informações bancárias dos contribuintes.
Mas o posicionamento do Supremo não agradou advogados tributaristas ouvidos pela ConJur. Entre eles o professor de Direito Financeiro da USP Fernando Facury Scaff, que considerou a decisão “uma lástima” e disse que o inciso XII do artigo 5º da Constituição garante o sigilo de dados, exceto, no último caso, por ordem judicial.
 Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Tribunais conciliam conflitos via "Constelação Familiar"

Pelo menos 11 estados (Goiás, São Paulo, Rondônia, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Alagoas e Amapá) e o Distrito Federal já utilizam a dinâmica da "Constelação Familiar" para ajudar a solucionar conflitos na Justiça brasileira.

Tribunais têm usado dinâmica conhecida como "Constelação Familiar" para ajudar na solução de conflitos.
123RF

A medida está em conformidade com a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que estimula práticas que proporcionam tratamento adequado dos conflitos de interesse do Poder Judiciário. A técnica vem sendo utilizada como reforço antes das tentativas de conciliação em vários estados.
A intenção ao utilizar no Judiciário a técnica criada pelo psicólogo alemão Bert Hellinger é buscar esclarecer às partes o que há por trás do conflito que gerou o processo judicial. Os conflitos levados para uma sessão de constelação, em geral, versam sobre questões de origem familiar, como violência doméstica, endividamento, guarda de filhos, divórcios litigiosos, inventário, adoção e abandono. Um terapeuta especializado comanda a sessão de constelação.
Na capital federal, a técnica vem sendo aplicada dias antes das tentativas de acordo em seis unidades do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, como no Centro de Conciliação e Solução de Conflitos (Cejusc) Superendividados, onde a servidora aposentada Heloísa (nome fictício), 65 anos, foi encaminhada há um ano, para saldar uma dívida que superava seu patrimônio.
Heloísa revela que a constelação foi fundamental para que pudesse identificar onde estava o problema familiar, que fazia com que ela repetisse os padrões de seu pai: quando estava bem financeiramente, arrumava um jeito de entrar no vermelho e contrair mais dívidas.
Ela participou de três constelações e hoje já está com quase 60% da dívida paga.
Outras experiências 
Na Vara Cível, de Família, Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante (DF) a técnica foi aplicada em cerca de 52 processos, desde março, alcançando índice de acordos de 86%, com a participação das duas partes na dinâmica. Nas unidades judiciárias que fazem parte do Projeto Constelar e Conciliar do órgão, as sessões acontecem, em geral, uma semana antes das audiências de conciliação. A juíza Magáli Dallape Gomes, umas das supervisoras do projeto, explica que antes de encaminhar os casos para a sessão de constelação, seleciona processos com temáticas semelhantes e que não obtiveram êxito em conciliações anteriores.
“Depois de participarem da constelação, as partes ficam mais dispostas a chegar a um acordo. Isso é fato. A abordagem, além de humanizar a Justiça, dá novo ânimo para a busca de uma solução que seja benéfica aos envolvidos. Quem faz, percebe uma mudança em sua vida”, disse. Para realizar as constelações, o TJ-DF conta com servidores do Cejusc e voluntários, como a servidora Adhara Campos, especialista e facilitadora das constelações.
Reaproximação familiar
Na Vara de Infância e Juventude de Brasília, no ano passado, houve oito atendimentos com adolescentes em situação de acolhimento. Segundo Adhara Campos, os constelados que estavam afastados da família conseguiram uma sensível melhora na relação entre eles. “A constelação ajudou a amenizar o conflito deles com as famílias adotivas e, em outras situações, ajudou na reaproximação com os pais biológicos. Também foram percebidas mudanças positivas dos jovens no trato com as cuidadoras”, revelou a servidora.
Um dos primeiros a trazer a prática para o Judiciário, o juiz Sami Storch, da 2ª Vara de Família de Itabuna (BA), afirmou ter conseguido um índice de 100% de acordos em conflitos familiares ao utilizar a técnica antes das audiências de conciliação. Na época, em 2012, a técnica foi aplicada aos cidadãos do município de Castro Alves, a 191 quilômetros de Salvador. Das 90 audiências nas quais pelo menos uma das partes participou da vivência de constelações, o índice de conciliação foi de 91%. Nos processos em que ambas as partes participaram da vivência de constelações, o resultado foi 100% positivo.
“Já nas simples audiências de conciliação, sem constelação, o índice foi de 73%”, comparou. Segundo ele, o próximo passo, em Itabuna, será a constelação em processos de inventário. “Eles costumam ser processos demorados, que têm carga emocional envolvida de vários entes familiares. A técnica já foi aplicada em alguns processos e conseguiu reaproximar herdeiros. Deveremos incluir mais esse tema”, afirmou o magistrado.
Em Goiás, o Projeto Mediação Familiar, do 3º Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania da comarca de Goiânia, rendeu para o Tribunal de Justiça de Goiás o primeiro lugar no V Prêmio Conciliar é Legal, promovido pelo CNJ. A novidade apresentada no projeto era exatamente a utilização da técnica da constelação nas sessões de mediação. De acordo com o juiz Paulo César Alves das Neves, coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do tribunal e idealizador do projeto, o índice de solução de conflitos com auxílio da técnica é de aproximadamente 94% das demandas.

Revista Consultor Jurídico, 1º de novembro de 2016

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Prisão para delação X Devido processo legal

Prisão para obter delação é ato execrável que macula o devido processo legal

Por 
Ao se entregar ao Estado o monopólio da distribuição da Justiça, por meio do processo, buscou-se a superação das demais alternativas para a solução da controvérsia: autotutela e renúncia.
Constituído de uma série coordenada de atos conducentes à solução da questão, firmou-se que o processo se conforma com uma ideia teleológica, pois ele jamais se explica por seu fim. Trata-se de uma luta civilizada, caraterizada como o único meio hábil para a concretização da Justiça, com a garantia de que todas as regras estabelecidas na Constituição Federal serão rigorosamente observadas, dentre as quais, o contraditório, a ampla defesa e a publicidade, E, nesse aspecto, destaca-se o que a doutrina chama de dilema existencial do processo penal: efetividade da coerção penal e a garantia dos direitos fundamentais, buscando-se um ponto de equilíbrio inerente ao Estado Democrático de Direito. A eficácia da coerção penal só pode ser obtida com ética e respeito aos direitos e garantias fundamentais.
A regra da ampla defesa finda por se desdobrar em outras garantias para o acusado no processo penal. Destacam-se, assim, o direito ao silêncio (artigo 180 do CPP, artigo 5º, inciso LXIII, da CF); direito de não declarar contra si mesmo; direito à informação pessoal do inteiro teor da acusação; direito de se manifestar somente ao final da instrução etc.
Dentre os princípios constitucionais, observa-se nos tempos atuais que aquele que mais sofre violações é o que garante a presunção de inocência. Apesar de a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, no seu artigo 9º, estabelecer que “todo homem é considerado inocente, até o momento em que, reconhecido como culpado, se julgar indispensável a sua prisão: todo o rigor desnecessário empregado para efetuá-la deve ser severamente reprimido”.
Também a Constituição Federal, no inciso LVII do art.5º, prescreve que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Em tempos de persecução midiática e seletiva, os regramentos processuais assumem especial relevância, lembrando-se de que, se o acusado não apresenta motivos para prisão processual, nada justifica tal ato. Lembre-se, também, que a prisão processual é exceção e, como tal, necessita fundar-se em hipóteses legais restritas, fartamente comprovadas no mundo fático. Dessa forma, decretação de prisão para obtenção de delação se constitui em ato execrável que macula o devido processo legal, num Estado Democrático de Direito. A custódia provisória não pode ser utilizada como ameaça, sendo ela própria, a delação, verdadeira revelação da incompetência do Estado na apuração de delitos, criando verdadeiro clima de terror o que é intolerável num Estado Democrático de Direito cuja missão é proteger os direitos fundamentais. Mas isso é coisa do passado.
 é promotor de Justiça e associado do Ministério Público  Democrático.

Revista Consultor Jurídico, 31 de outubro de 2016.