sábado, 16 de dezembro de 2017

STF deve mudar forma de funcionamento

Por Dalmo Dallari
vox populi, a vontade popular ou o entendimento da população a respeito de assuntos referentes a interesses públicos é manifestada, atualmente, por meio das redes sociais. Com enorme frequência, nelas se encontram críticas ao Poder Judiciário e, muito especialmente, ao Supremo Tribunal Federal. Algumas, poucas, são análises sérias sobre as deficiências do aparelhamento judicial; outras, as mais numerosas, são feitas por meio de charges ou piadas ridicularizando todo esse universo. Isso é um sintoma muito expressivo, que merece atenção.
Essas críticas mais contundentes, embora, pelo humor, possam trazer alguma descontração, são muito contristadoras para todos os profissionais do Direito, seja qual for sua área de atuação. Porém, elas são bem mais deploráveis para os cientistas do Direito, aqueles que, dentro ou fora dos ambientes universitários, se preocupam com os meios e modos de realização dos ideais de democracia e Justiça, na medida em que atingem a cúpula da estrutura judicial e um dos alicerces do Estado Democrático de Direito.
O foco deste artigo não está na descrição do funcionamento, altamente deficiente, do Supremo Tribunal Federal. Não se cuidará de examinar o comportamento deste ou daquele ministro, muito embora haja uma sensível diferença na maneira de ser e de agir de cada um deles, sendo absolutamente inegável a motivação política, e até pessoal, em inúmeras decisões monocráticas. Também não haverá aqui considerações sobre o comportamento do conjunto, muito embora, possa parecer, para o cidadão comum, que o STF funciona nas horas vagas, tal o número de ausências de ministros em decorrência de viagens de todo tipo. O comparecimento às sessões de julgamento deveria ser um compromisso prioritário para cada ministro. A preocupação central, neste artigo, estará na produtividade do órgão no tocante à sua razão de ser: a prestação jurisdicional.
Como a análise será baseada na Constituição Federal, ou, mais exatamente, em princípios da CF, é mais do que oportuna a transcrição da noção de princípio constitucional, e de sua elevada positividade, feita pela ministra presidente do STF, Cármem Lúcia: “Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do sistema jurídico normativo fundamental de um Estado. Dotados de originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em princípios”. “Princípios jurídicos constitucionais não se propõem; proclamam-se. Não se cuida de propostas. São opções constituintes projetadas no sistema constitucional expressa ou implicitamente. E são eles as opções identificadoras das raízes do sistema constitucional” (CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, Princípios Constitucionais da Administração Pública, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1994, p. 25). Em síntese, princípios não são declarações românticas; são mandamentos de excepcional hierarquia e, consequentemente, de especial observância.
Para os fins deste estudo, merecem destaques três princípios contemplados no artigo 5º da CF: a afirmação de que “todos são iguais perante a lei”; a garantia do “devido processo legal”, e, no inciso LXXVIII, uma espécie de síntese de ambos — “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Quanto ao primeiro, desde os filósofos gregos já se sabe que a verdadeira igualdade consiste em tratar diferentemente os desiguais, na medida de sua desigualdade. O segundo qualifica o processo legal como “devido”, ou seja, adequado, apto a produzir resultados. E o terceiro afirma que os processos devem ter duração razoável, para que possam dar efetividade à prestação jurisdicional, com as nuances necessárias a que se promova a verdadeira igualdade.
O desencanto popular generalizado em relação ao STF tem muitos motivos, mas há um tema no qual a indignação do povo chega ao extremo, qual seja, o da suprema inoperância com relação aos crimes cometidos pelos detentores de foro especial por prerrogativa de função, que, na prática, acabou se tornando em verdadeiro foro privilegiado, com uma implícita garantia de impunidade. Já tivemos oportunidade de discorrer sobre esse tema em artigo publicado nesta coluna, com o significativo título de Foro por prerrogativa de função — na prática a teoria é outra. Deixamos claro que os agentes públicos, no exercício de sua funções, devem tomar decisões que, muitas vezes, são incompreendidas e ensejam que contra elas sejam intentadas ações judiciais. “Assim, diante da maior vulnerabilidade de quem exerce, legitimamente, o poder/dever de decidir, é compreensível a existência de uma proteção especial no tocante a decisões ou atitudes tomadas no exercício da função pública, ou, mais exatamente, à prática de atos de ofício. Portanto, não haveria violação ao princípio constitucional da igualdade se um número restrito de autoridades, da mais alta hierarquia, fosse contemplada com o foro especial por prerrogativa de função.” Aplicado, nos seus devidos limites, o foro especial seria uma forma de compensar as diferenças entre autoridades públicas e cidadão, restaurando a igualdade.
No presente momento, já decidiu a maioria dos ministros do STF que esse tratamento diferenciado não é uma prerrogativa pessoal da autoridade, mas, sim, uma decorrência de sua atuação nessa qualidade, na prática, exclusivamente, de atos de ofício, sem abranger atuações e comportamentos pessoais, totalmente desvinculados do munus público. A votação foi interrompida exatamente por um pedido de vista clamorosamente político. Não é possível imaginar que, em questão de tamanha relevância, o ministro que pediu vista tenha tomado essa atitude para estudar o assunto. É gritantemente óbvio que tal assunto já vinha sendo objeto de preocupação desde muito tempo, sendo impossível acreditar que o ministro teve sua atenção despertada apenas na sessão de julgamento, que foi por ele interrompida. Esse é só um exemplo dentre muitos outros que poderiam ser lembrados. O pedido de vista, que pode ser muito importante, na prática tem servido, principalmente, para desviar o curso do processo.
Neste passo, seja permitido lembrar mais um princípio constitucional, que tem pertinência com a prática da protelação. A CF, em seu artigo 37, entre os vários princípios da administração pública, menciona, expressamente, o princípio da eficiência, que foi acrescentado ao texto original como um marco da substituição do modelo burocrático pelo modelo gerencial, no qual o foco principal está na produção de resultados, conforme este pequeno escolho doutrinário: “Podemos dizer, então, que o princípio da eficiência alia preocupação com correto emprego de recursos públicos, em busca de efetividade e celeridade, devendo o administrador público focar sua atenção nos resultados” (CRISTIANA FORTINI, Consórcios públicos, contratos de programa e a Lei de Saneamento, in Saneamento Básico – Estudos e pareceres à luz da Lei nº 11.445/2007. Organizadoras: Juliana Picinin e Cristiana Fortini, Editora Fórum, Belo Horizonte, 2009, p. 139)
Embora a CF se refira à máquina administrativa, à eficiência do aparelho do estado, é certo que a abrangência é muito maior. Toda atividade tipicamente administrativa é instrumental, movida para produzir resultados. O que se deseja com o princípio da eficiência é que o aparelhamento seja mais ágil, para que os fins sejam atingidos com maior celeridade. Isso, sem dúvida alguma, se aplica ao STF: esse tribunal tem que melhorar seu funcionamento, para que possa cumprir os princípios inicialmente invocados, produzindo a decisão que dele se espera. Isso é perfeitamente possível, desde que haja vontade dos ministros.
No caso das decisões monocráticas heterodoxas ou conflitantes, nada impede e tudo recomenda que cada um procure seguir a orientação predominante no tribunal, ou que, no mínimo, faça consultas informais a seus pares, em busca de uma solução pelo menos aceitável para todos. Em qualquer caso, especialmente nas sessões transmitidas pela TV, não custaria nada a cada ministro fazer uso de sua capacidade de síntese, com menos erudição e mais objetividade. Os pedidos de vista podem e devem voltar a cumprir sua função primordial e, muito especialmente, devem observar os prazos previstos nas normas processuais. Mas o que nos parece mais relevante é uma hierarquização dos feitos, conforme a matéria e conforme as possíveis repercussões.
Existem matérias de interesse pessoal do interessado, com pouca repercussão externa. Existem outras matérias que afetam interesses da coletividade, com acentuada repercussão social. Mas existem assuntos, e aqui se coloca a questão dos julgamentos dos detentores de foro privilegiado, que afetam o funcionamento das instituições, a probidade na conduta das autoridades públicas, o sistema representativo e o equilíbrio entre poderes. Todos os casos são importantes, e a prestação deve ser assegurada a todos, mas dar igual tratamento a situações completamente diferentes é prestigiar a desigualdade.
No caso específico dos acusados detentores de foro especial, cabe ao Supremo, para recuperar um pouco de seu perdido prestígio e diminuir as terríveis críticas que desmoralizam a corte, fazer um esforço para dar uma resposta à sociedade ou, pelo menos, para evidenciar que não é cúmplice dos acusados. É fato que o STF está assoberbado, em decorrência do texto constitucional analítico, mas, exatamente por essa razão, deve mudar sua forma tradicional de funcionamento. Não basta publicar estatísticas mostrando o volume de trabalho como justificativa para a paquidérmica lentidão. É preciso, sim, buscar formas mais ágeis de funcionamento para compensar a sobrecarga. Pedindo desculpas pelo lugar comum: não é possível atingir melhores resultados fazendo sempre as mesmas coisas.
Revista Consultor Jurídico, 14 de dezembro de 2017.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Innovare premia ações de juízes e tribunais para sistema prisional

O Prêmio Innovare da luz as ações desenvolvidas por integrantes do sistema de Justiça e da sociedade civil para melhorar o sistema prisional ao agraciar os vencedores da edição 2017,  em premiação realizada terça-feira (5/12) no Supremo Tribunal Federal (STF). 
Das sete categorias inscritas no prêmio, que valoriza soluções de gestão administrativa para o funcionamento do Poder Judiciário, os vencedores de cinco delas inscreveram projetos de melhorias do sistema prisional. 

A presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, entregou o prêmio da Categoria Tribunais aos magistrados do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), o desembargador Gilberto Marques Filho e o juiz Fernando Augusto Chacha de Rezende, pelo projeto “Amparando Filhos - transformando realidades”, que desde 2015 evita a reincidência criminal de mulheres presas ao estender aos filhos delas os serviços de proteção social oferecidos pelo estado. 

Outro projeto que mereceu o reconhecimento da comissão julgadora do prêmio foi o Sistema de Apreciação Antecipada de Benefícios (SAAB). Na prática, a iniciativa de nome complicado é uma rotina de trabalho adotada pelos servidores e magistrados da Vara de Execuções Penais (VEP) de Teresina para calcular com precisão as datas de soltura dos presos que concluíram o tempo que deveriam passar em uma prisão de regime fechado. Desde junho de 2016, com a ajuda de um software cedido pelo CNJ – o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) –, nenhum preso é mantido atrás das grades após cumprir o tempo estipulado em sua sentença. 

Sistema prisional

A comissão julgadora do Prêmio Innovare é composta por 31 personalidades dos meios jurídico, acadêmico e empresarial, entre elas a ministra Cármen Lúcia. O grupo decidiu premiar, na categoria Advocacia, o projeto da procuradora do estado do Rio Grande do Sul Roberta Arabiani Siqueira “Responsabilidade compartilhada: uma via para a humanização do sistema prisional e para proteção social”.
A iniciativa, ao fazer cumprir a Lei de Execução Penal, previne o domínio da Penitenciária de Canoas 1 por facções criminosas. 
O vencedor na categoria Justiça e Cidadania foi Antônio Tadeu Rodrigues, pelo projeto Visão de liberdade, que desde 2004 emprega presos da Penitenciária Estadual de Maringá na gravação de livros falados e outros materiais produzidos em braille para cegos da região. Uma categoria especial foi criada especialmente para premiar ações desenvolvidas no sistema carcerário. Os vencedores foram o agente penitenciário Marcus Karbage e a dentista Aline Cabral, que combatem com o projeto “Meninas que encantam” a discriminação contra homossexuais e transgêneros dentro de uma prisão dos arredores de Fortaleza.  

Demais vencedores

Na categoria Ministério Público, venceu o projeto das promotoras de justiça de Santa Catarina Barbara Elisa Heise e Karin Maria Sohnlein “GesPro – Projeto de gestão administrativa das promotorias”. Entre os projetos inscritos por defensores públicos, foi premiado o “Defesa dos direitos indígenas”, dos defensores públicos do Pará Johny Fernandes Giffoni e Juliana Andrea Oliveira.
O prêmio Innovare foi criado em 2004 com o objetivo de identificar, divulgar e difundir práticas que contribuam para o aprimoramento da Justiça no Brasil. Desde então,  já passaram pela comissão julgadora do Innovare mais de cinco mil práticas, vindas de todos os estados do país. Pouco a pouco, essas iniciativas vão mudando a cara da Justiça e estimulando novas iniciativas, num ciclo virtuoso. Participam da Comissão Julgadora do Innovare ministros do STF e STJ, desembargadores, promotores, juízes, defensores, advogados e outros profissionais de destaque interessados em contribuir para o desenvolvimento do nosso Poder Judiciário.
Manuel Carlos Montenegro 
Agência CNJ de Notícias 

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Profissionais do Direito precisam se adaptar às peculiaridades da conciliação

A explosão de processos que abarrotou o Poder Judiciário brasileiro, da primeira à última instância, fez com que as tentativas de conciliação adquirissem maior importância, fossem estimuladas e até mesmo impostas pelo legislador. Elas foram ocupando espaços em todos os ramos do Direito.
Na verdade, nisto não há novidade alguma. A Constituição de 1824, no artigo 161, já dispunha que não se iniciaria o processo civil sem tentar-se a reconciliação entre as partes. No âmbito trabalhista, a CLT de 1943, determinava, no artigo 764, que se tentasse a conciliação.
No entanto, o avanço se deu a passos lentos. No âmbito penal, Magalhães Noronha, em 1964, ao comentar a ação penal, era enfático ao dizer que o Ministério Público “não pode declinar do exercício, transigir, aguardar oportunidade, etc.”[i]
Mas os fatos sempre se sobrepõem às normas, legais ou principiológicas, adaptando-se o Direito à realidade. Foi por isso que, em 1995, a Lei 9.099, que trata dos Juizados Especiais, rompeu com a secular obrigatoriedade da ação penal pública. Nos arts. 72 e 89 permitiu a transação e a suspensão do processo na área criminal, curvando-se ao pragmatismo norte-americano.
Na verdade, os Cartórios e Secretarias de Varas Criminais não suportavam mais os milhares de processos que se avolumavam, alguns tratando de infrações tão pitorescas como simulação de autoridade para celebrar casamento (art. 238 do Cód. Penal) ou vadiagem (art. 59 da Lei das Contravenções Penais).
E assim, pouco a pouco, foram surgindo diferentes possibilidades de conciliação, fosse qual fosse o nome dado a este ato, como transação ou reajustamento de conduta. E já vieram tarde. Só para que se tenha uma ideia, o “Federal Judicial Center”, dos Estados Unidos, em 1997 já preparava juízes federais para mediar os conflitos que lhes eram submetidos.[ii]
Na área ambiental, no âmbito do Ministério Público ou nos órgãos ambientais, acordos são celebrados diariamente, com base no art. 5º, § 6º da Lei 7.347/85, que trata da Ação Civil Pública.
O CNJ transformou a ideia em projeto. Ao comemorar um ano da sua criação, a ministra Ellen Gracie afirmou: “Ao implantar o Movimento pela Conciliação em agosto de 2006, o Conselho Nacional de Justiça teve por objetivo alterar a cultura da litigiosidade e promover a busca de soluções para os conflitos mediante a construção de acordos”.[iii]
O CPC de 2015 transformou a tentativa de conciliação em dever (art. 334) e Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) foram implantados em todo o país.
A possibilidade de mediação de conflitos foi adotada, também, na área da administração pública, através da Lei 13.140/2017, inclusive sendo implantada no âmbito interno de órgãos do Poder Judiciário, como é o caso da Justiça Federal do Rio Grande do Norte, onde a portaria 239/2017 da direção do foro ordenou a sua aplicação no âmbito de questões administrativas.
Para eliminar, de vez, qualquer discussão sobre o assunto, a colaboração premiada entrou no universo jurídico brasileiro através da Lei 12.850/2013, fixando os acordos como algo definitivo, mesmo em crimes de alta gravidade.
Pois bem, se isto é inquestionável e definitivo, não há muito o que discutir a respeito. Há séculos o brocardo jurídico dizia: é melhor um mau acordo do que uma boa demanda. Superada esta fase, o que há de se estudar agora é como conduzir-se nas audiências ou reuniões de conciliação, sejam feitas no Poder Judiciário, em Tribunais Arbitrais ou em escritórios de advocacia.
Qual o papel de cada um? Como se comportar, sentar, olhar, falar, concordar ou negar? Todos estes verbos exigem postura, posição adequada, pois disto depende o sucesso da tentativa.
Contudo, há um detalhe, ninguém foi preparado para tanto nos cursos de graduação em Direito. E, em dado momento, lá está o jovem advogado diante de um representante da Caixa Econômica Federal, que faz ao seu cliente uma proposta para pôr fim a uma antiga ação em que se discute a quitação de prestações atrasadas na compra de imóvel. Que fazer?
Não há uma receita completa, perfeita. A negociação passa por perspicácia, inteligência emocional, experiência de vida e uma boa dose de psicologia no trato. E neste caudal de sentimentos, impõe-se ter em conta a busca de uma solução que leve à satisfação pessoal dos envolvidos. O desembargador Roberto Portugal Bacellar observa que:
Para satisfazer integralmente os interesses dos jurisdicionados e realizar justiça, é preciso investir na adoção de um modelo consensual que amplie o foco, busque visão sistêmica com raciocínio exlético. No modelo adversarial, no qual se pautou a estrutura processual brasileira, efetivamente o raciocínio é só jurídico e puramente dialético.[iv]
Se assim é, vejamos algumas regras de conduta.
Ninguém vai para uma audiência ou reunião sem ter examinado, previamente, todos os aspectos do conflito. Não só fatos e provas, mas também a jurisprudência. Este é o ponto de partida para saber até onde se recomenda ceder.
A proposta inicial, geralmente, é feita por quem provocou a reunião. Ou, em Juízo por indagação do juiz ou do conciliador. À parte contrária cabe avaliar de que provas dispõe o proponente, qual a sua situação econômica (pessoas mal financeiramente tendem a aceitar propostas menores) se for pessoa física, a idade (idosos têm pressa em acabar com o litígio), origem (alguns povos são menos propensos a conciliar), sexo e religião.
Neste primeiro momento não se deve mostrar fraqueza econômica nem emocional. Ambas levam o opositor a um fortalecimento, que se traduzirá em concessões menores. Por exemplo, se o conflito for de elevado valor econômico, uma jovem advogada não irá à reunião vestindo jeans com um buraco no joelho, mas sim um traje convencional, que passe a ideia de alguém estabilizada profissionalmente e habituada a tal tipo de embate.
É importante identificar, do lado oposto, quem manda. Às vezes estão sócios e funcionários. Em outras, familiares. Mas, em todo grupo humano, há os que lideram, encaminham as posições. É importante saber quem é quem e, a partir daí, dedicar-lhe especial atenção.
Durante a audiência ou reunião, há que se cuidar para a linguagem corporal. Colocar as mãos para trás mostra ou morder a caneta revelam falta de confiança, cruzar os braços significa estar na defensiva, pescoço caído aparenta fraqueza, pernas mexendo indicam nervosismo, corpo curvado na mesa e pernas dobradas apontam para submissão.[v]
Mesmo que a proposta inicial seja indecente, jamais deve ser recusada com uma frase radical como “esta oferta é absurda, jamais aceitaremos”.
Expor a própria posição com segurança, sem arrogância, tem alto poder de persuasão. Quando o oponente se contrapõe, é oportuno ceder no detalhe, dando-lhe a oportunidade de, aparentemente, vencer a discussão, usando esta concessão para conquistar uma vantagem maior logo em seguida.
O tempo deve ser bem calculado. Se o oponente dispõe de pouco tempo, porque tem uma audiência logo em seguida, talvez aceite logo fazer um acordo. Contudo, se a tendência dele é não conciliar porque não dispõe de tempo para avaliar a proposta, o melhor a fazer é propor que as tratativas prossigam em outro dia.
O acordo pode ser fatiado, não precisa ser um tudo ou nada. Pode ser que se avance mais discutindo e encerrando por aspectos diversos do que querendo resolver tudo de uma vez só.
Por exemplo, um ajuste de conduta a ser discutido em inquérito civil com um promotor de Justiça, talvez não permita discussão sobre a existência do dano ambiental, por ser inequívoco. No entanto, mesmo reconhecendo-o, o infrator pode negociar o prazo da recuperação da área, a forma de indenizar o prejuízo, juros, etc. Afinal, o acordo interessa a ambos: ao MP, porque evita uma ação judicial, ao causador do dano, porque define sua situação jurídica.
Acordos costumam ser feitos por equipes. É comum que uma equipe tenha um interlocutor mais agressivo e outro que ameniza a situação. Esta é uma técnica para enfraquecer o adversário, sentir sua posição, constatar se ele se intimida com as ameaças. A reação deve ser sempre de calma, ponderação. Se necessário, pede-se a suspensão para falar reservadamente com seu grupo.
Por vezes a parte contrária quer, acima de tudo, um pedido de desculpas, um reconhecimento. Isto pode ser feito, dentro dos limites do caso concreto. Pode-se incluir no termo, se for o caso, o dever de sigilo, ou seja, um reconhece o erro mas o outro fica proibido de divulgar aquele reconhecimento.
Por vezes o encontro está se encaminhando para o fracasso. Em tais casos, ensina Ken Langdon, “você pode solicitar um adiamento da negociação a qualquer hora. Isso permite a ambos os lados uma oportunidade para reavaliar suas estratégias à luz dos novos desdobramentos”.[vi]
Outras tantas observações merecem ser acrescentadas. Porém, o mais importante é saber que este é um novo mundo que se abre diante do profissional do Direito e que é imprescindível conhecê-lo.
 
[i] MAGALHÃES NORONHA, Edgar Curso de Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 1964, p. 33.
[ii] NIEMIC J. Robert. Mediation & Conference Programs in the Federal Courts of Appeals. Washington D.C., Federal Judicial Center, 1997.
[iv] BACELLA, Roberto Portugal. Administração Judiciária com Justiça. Curitiba: InterSABERES, 2016.p.248.
[v] Vide “8 erros fatais de linguagem corporal que você deve evitar”. In:https://www.agendor.com.br/blog/linguagem-corporal-maos/ . Acesso em 2/12/2-17.
[vi] LANGDON, Ken. Você sabe conduzir uma negociação? São Paulo: SENAC,\ 2009, P. 85.
Revista Consultor Jurídico, 03 de dezembro de 2017.

domingo, 3 de dezembro de 2017

Fortalecimento da conciliação

Já tradicional no calendário jurídico brasileiro, a Semana Nacional da Conciliação ocorre até esta sexta-feira (1º/12) em todo o país. A campanha é organizada anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2006 e envolve os tribunais de Justiça, tribunais do Trabalho e tribunais federais. No ano passado, foram 130 mil acordos e R$ 1,2 bilhão homologados.
Desde a promulgação do novo Código de Processo Civil, a conciliação ganhou força no cenário dos litígios. O advogado Rodrigo Mutti, sócio de Silveiro Advogados e especialista no assunto, conversou com a ConJur sobre como essa ferramenta jurídica está sendo utilizada. 
Segundo ele, como ainda é barato litigar no Brasil, uma alternativa legislativa para fomentar os acordos seria tornar o prosseguimento da causa mais oneroso financeiramente aos envolvidos.
Leia a entrevista:
ConJur — O que o novo Código de Processo Civil trouxe para a conciliação?
Rodrigo Mutti — O novo CPC alterou significativamente o rito processual com o intuito de fomentar a conciliação entre as partes demandantes. Como regra geral, a audiência de conciliação passou a ser ato fundamental e obrigatório em qualquer ação judicial. No rito ordinário, agora, o réu não é mais citado para apresentar contestação, mas para comparecer à audiência de conciliação. Somente na hipótese da realização da audiência que o réu deverá apresentar sua defesa. A audiência não é presidida pelo juiz, mas por um conciliador ou mediador treinado e desvinculado da causa. Sua missão é criar o ambiente mais favorável possível para que as partes resolvam o impasse de forma amistosa.
ConJur — O que falta em termos de legislação para a conciliação ser mais forte no Brasil?
Rodrigo Mutti — 
Talvez com exceção dos conflitos trabalhistas, a legislação atual disponibiliza todas as ferramentas necessárias para que o acordo celebrado de forma amistosa extrajudicialmente tenha validade e eficácia, conferindo ampla segurança jurídica às partes. Nos casos de acordos celebrados no âmbito do Poder Judiciário, essa segurança é ainda maior. Uma alternativa legislativa para fomentar mais os acordos seria tornar o prosseguimento da causa mais oneroso financeiramente aos envolvidos. Ainda é barato litigar no Brasil, tanto pelo custo com escritórios de advocacia (cada vez mais reduzidos e automatizados), como pelas custas processuais, que não costumam representar mais do que 4% do total discutido. Isso sem adentrar ao temerário uso inadequado da gratuidade judiciária por autores que não preenchem os requisitos legais, o que é muito pouco fiscalizado pelo Judiciário.
ConJur — E em termos de estrutura do Judiciário?
Rodrigo Mutti — 
A informatização dos sistemas do Poder Judiciário vem revolucionando a condução das ações judiciais no Brasil. Hoje em dia é muito mais rápido para uma empresa se inteirar do conteúdo de uma ação judicial, estabelecer tratativas amistosas com a outra parte e promover a assinatura conjunta de um acordo, tudo sem a necessidade de qualquer deslocamento. Infelizmente, por motivos não bem esclarecidos, alguns tribunais atuam com sistemas eletrônicos totalmente distintos um dos outros. Há estados no Brasil que possuem três sistemas ativos de gestão de processos. Certamente a padronização traria mais celeridade, facilitaria o acesso às informações (inclusive estatísticas) e daria ainda mais dinamismo aos fluxos de negociações de acordos. Questões pontuais do Judiciário como a adoção de alvarás eletrônicos e transferências diretas de valores depositados em juízo, assim como a priorização de casos onde há pendência de homologação de acordos, também colaborariam para a missão de pacificação.
Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2017.