segunda-feira, 30 de maio de 2016

CNJ publica tradução das Regras de Mandela para o tratamento de presos

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dará publicidade, no dia 31 de maio, durante a 232ª Sessão Ordinária, à tradução oficial das chamadas Regras de Mandela, preceitos mínimos da Organização das Nações Unidas (ONU) para o tratamento de presos atualizadas no ano passado pela instituição internacional. O documento oferece balizas para a estruturação dos sistemas penais nos diferentes países e reveem as "Regras Mínimas para o Tratamento de Presos" aprovadas em 1955. As normas vão ao encontro de programas implantados pelo CNJ para melhoria das condições do sistema carcerário e garantia do tratamento digno oferecido às pessoas em situação de privação de liberdade, como os programas Audiência de Custódia e Cidadania nos Presídios.
As Regras de Mandela levam em consideração os instrumentos internacionais vigentes no Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção contra Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. De acordo com o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, juiz Luís Geraldo Lanfredi, as regras têm caráter programático, e se prestam, primordialmente, a orientar a atuação e influenciar o desenho de novas políticas pelo Poder Judiciário para o sistema carcerário. “A tradução e a publicação das Regras de Mandela conferem instrumental e qualificam o trabalho dos juízes, na medida em que atualizam as orientações das Nações Unidas para os mínimos padrões que devem nortear o tratamento das pessoas presas no país”, diz o juiz Lanfredi.
As regras buscam estabelecer bons princípios e sugerir boas práticas no tratamento de presos e para a gestão prisional, assegurando a dignidade e respeito não só às pessoas privadas de liberdade, como também a seus familiares. O documento está dividido em regras de aplicação geral, direcionadas a toda categoria de presos, e regras aplicáveis a categorias especiais, como presos sentenciados, presos com transtornos mentais ou problemas de saúde, entre outros tipos. Na apresentação da publicação, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, reconhece que as Regras de Mandela podem e devem ser utilizadas como instrumentos a serviço da jurisdição, porque têm aptidão para transformarem o paradigma de encarceramento praticado pela Justiça brasileira.
Sem tortura - Entre as regras de aplicação geral, está previsto que “nenhum preso deverá ser submetido à tortura ou tratamentos cruéis e desumanos”, e que “não haverá discriminação baseada em raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou qualquer outra opinião”. O documento também enfatiza a necessidade da separação de presos homens de mulheres, bem como dos jovens de adultos.
Em relação às acomodações dos presos, as Regras de Mandela estabelecem que todos os ambientes de uso dos presos, inclusive as celas, devem satisfazer exigências de higiene e saúde, levando-se em conta as condições climáticas, a iluminação e a ventilação. Há previsão também em relação ao vestuário, roupas de cama, alimentação, exercício e esporte, bem como serviços de saúde que deverão estar à disposição dos presos.
Revistas íntimas – As regras deixam claro que revistas íntimas e inspeções não serão utilizadas para assediar, intimidar ou invadir desnecessariamente a privacidade do preso. As revistas das partes íntimas de pessoas serão conduzidas apenas por profissionais de saúde qualificados. Onde forem permitidas visitas conjugais, as Regras de Mandela estabelecem que este direito deverá ser garantido sem discriminação, e as mulheres presas exercerão este direito nas mesmas bases que os homens.
De acordo com as novas regras, os instrumentos de restrição, como é o caso das algemas, não devem ser utilizados em mulheres em trabalho de parto, nem durante nem imediatamente após o parto. Em relação aos presos com transtorno mental ou problemas de saúde, o documento prevê que os indivíduos considerados inimputáveis, ou que posteriormente forem diagnosticados com deficiência mental ou problemas de saúde severos, não devem ser detidos em unidades prisionais, a eles reservando-se instituições para doentes mentais assim que possível. As regras estabelecem, ainda, que os serviços de saúde das instituições penais devem proporcionar tratamento psiquiátrico a todos os outros prisioneiros que necessitarem.
Atuação do CNJ – Três programas específicos do CNJ se destacam pelo esforço e aposta na melhoria das condições das unidades prisionais e tratamento digno às pessoas presas. O Audiências de Custódia, em fase de expansão em todo o país, garante a apresentação de presos em flagrante ou por mandado de prisão à autoridade judicial competente, em até 24 horas. Entre outros encaminhamentos, a entrevista pessoal entre juiz e a pessoa presa em flagrante permite detectar situações de vulnerabilidade social, drogadição, alcoolismo, além de contribuir para a redução da reincidência criminal. 
O Cidadania nos Presídios, em experiência-piloto no Espírito Santo, propõe um olhar mais humano, sobretudo, para os recém-egressos do sistema. Além de alterar as rotinas das varas de execução penal e qualificar a “porta de saída dos estabelecimentos prisionais”, o investimento do programa é no fortalecimento da rede público-privada de instituições, visando a otimizar as opções para a criação de oportunidades e qualificação pessoal daqueles que passaram pelo sistema de Justiça.
Já o PAISA será a terceira aposta do CNJ para modificar o cenário do sistema prisional brasileiro. Com seu lançamento programado para o mês de junho, o objetivo do programa é investir em melhores condições de saúde para o contingente carcerário, alcançando-se, assim, um melhor padrão de ambiência prisional junto às carceragens em todo país.
Situação do Brasil – Segundo o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), publicado neste ano, o retrato do encarceramento no país, em dezembro de 2014, mostra que o Brasil mantém sob custódia mais de 620 mil pessoas, 41% delas ainda sem condenação definitiva. No período de 1990 a 2014, o aumento da população prisional foi de 575%, algo que, sensivelmente, colaborou para agravar o problema da superlotação nos presídios brasileiros.

Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias

terça-feira, 24 de maio de 2016

A interpelação judicial e o erro da ministra Rosa Weber

A interpelação judicial e o erro da ministra Rosa Weber

Por Rômulo Moreira
Dispõe o artigo 144 do Código Penal que "se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa".
Esse dispositivo da lei penal consagra em nosso ordenamento jurídico o que se convencionou chamar de "pedido de explicações em juízo", ou "interpelação judicial criminal". Nesse procedimento, o interpelado não é obrigado a comparecer em juízo, a prestar esclarecimentos, exibir documentos, fazer, deixar de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa. O que se pretende com essa medida, de caráter meramente cautelar e preparatória, é o esclarecimento de frases ou expressões, escritas ou verbalizadas, caracterizadas por sua dubiedade, equivocidade ou ambiguidade, a fim de se verificar a prática de algum crime contra a honra do interpelante. Visa, portanto, em última análise, a instrumentalizar uma futura ação penal de natureza condenatória por um dos crimes contra a honra.
Assim, a finalidade única da interpelação judicial criminal é a de “fixar a intenção do responsável pelo escrito, no endereço da calúnia, difamação ou injúria contidas no mesmo”[1], não cabendo em absoluto “a apreciação de questão de fundo”[2], após o que os “autos serão entregues aos interessados, independentemente de traslado, abstendo-se a Corte de qualquer valoração sobre as explicações ofertadas”[3]
Como o Código de Processo Penal não estabelece um rito a ser seguido quando da interpelação judicial, deve ser observado o disposto no artigo 726 do Código de Processo Civil, como permite o artigo 3º do Código de Processo Penal.
Como se disse acima, após, e se prestadas as explicações, não cabe ao juízo qualquer avaliação acerca do seu respectivo conteúdo, tampouco exame da legitimidade jurídica de uma eventual recusa em prestá-las. Tais matérias devem ser enfrentadas em processo diverso, caso haja o exercício de uma ação penal imputando ao interpelado crime contra a honra do interpelante.
Igualmente, o interpelado não está compelido a responder ao pedido de explicações. Poderá ficar silente, simplesmente não responder à notificação, sequer sendo necessário comunicar ao juízo que não irá responder. Não é preciso, portanto, dar ciência porque não o fez ou não o fará. Suas razões não interessam ao Poder Judiciário. Decididamente, não é dessa atenção que o Poder Judiciário precisa em uma República.
Pois bem.
Sabe-se que seis deputados federais utilizaram-se do artigo 144 do Código Penal para "cobrar" explicações à presidente Dilma Rousseff em relação ao fato de ter afirmado em discursos, eventos públicos e pronunciamentos oficiais  que o processo de impeachment constituiria um suposto “golpe de Estado”. Os interpelantes pedem, então, que a presidente da República esclareça:
1) A interpelada ratifica as afirmações — proferidas em distintos eventos — de que há um golpe em curso no Brasil?
2) Quais atos compõem o golpe denunciado pela interpelada?
3) Quem são os responsáveis pelo citado golpe?
4) Que instituições atentam contra seu mandato, de modo a realizar um golpe de Estado?
5) É parte desse golpe a aprovação, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, da instauração de processo contra a interpelada, por crime de responsabilidade, nos termos do parecer da Comissão Especial à Denúncia por Crime de Responsabilidade 1/2015, dos senhores Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaina Conceição Paschoal?
6) Se estamos na iminência de um golpe, quais as medidas que a interpelada, na condição de chefe de governo e chefe de Estado, pretende tomar para resguardar a República?
Entendemos que a interpelação sequer deveria ter sido conhecida. A ministra Rosa Weber errou. Deveria ter negado seguimento ao pedido de explicações e determinado o seu imediato arquivamento. Senão vejamos.
A utilização da expressão "golpe" ou "golpe de Estado" vem sendo utilizada reiteradamente por diversos juristas do Brasil e do mundo, inclusive chefes de governo e de Estado de outros países. Vários parlamentares brasileiros e estrangeiros também. Personalidades das mais diversas áreas das ciências. Eu próprio, membro do Ministério Público e professor de Direito Processual Penal, já afirmei em diversos eventos que tenho participado que está em curso um golpe civil no Brasil e assim continuarei afirmando.
É preciso atentar-se para a semântica quando se utiliza a palavra "golpe" no (triste e lamentável) contexto pelo qual atravessa a história brasileira. Um dos maiores juristas do Brasil, por exemplo, o professor Marcelo Neves, já afirmou:
"Nessas circunstâncias, o processo de impeachment atua como um equivalente funcional a um golpe de Estado. O objetivo é, na verdade, destituir a Chefa de Estado com base na distorção de um instituto constitucional legítimo. Ao falar de equivalente funcional a um golpe de Estado no sentido clássico da expressão, não descarto ser também adequado afirmar-se que se trata de um golpe parlamentar, judicial e midiático. Retomando e relendo aqui uma velha distinção de Louis Althusser e entre aparelhos repressivos e aparelhos ideológico de Estado, um tanto fora de moda, pode-se dizer que, enquanto na versão clássica do golpe, a dimensão repressiva do aparato estatal sobressai, na versão atual, “moderna” ou (se quiserem) “pós-moderna”, prevalece a dimensão ideológica de agentes estatais e atores da sociedade civil. (...) Tudo isso é a expressão de uma conspiração protagonizada por organizações empresariais midiáticas corruptamente parciais, por um parlamento dominado por uma cleptocracia, um Ministério Público ao mesmo tempo parcial e anfíbio, e um judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, não apenas acovardado, mas sobretudo politicamente capturado por umprojeto golpista liderado em sua origem por um gângster, ainda solto e, portanto, capaz de liderar os seus cúmplices e manipular o processo"[4] (grifamos).
Ora, ora... Será que o professor Marcelo Neves desconhece significantes e significados[5]? Aliás, o sexteto indignado deveria interpelar, se tivesse coragem (e não tem, evidentemente), o ministro Marco Aurélio, que, ao ser questionado se a presidente da República tinha razão em chamar o processo de impeachment de "golpe", afirmou:
“Acertada a premissa, ela tem toda razão. Se não houver fato jurídico que respalde o processo de impedimento, esse processo não se enquadra em figurino legal e transparece como golpe.” (grifamos)[6].
Ademais, uma questão que passou desapercebida pela ministra Rosa Weber (e fez uma chefe de governo e de Estado passar por mais um — desnecessário — constrangimento) diz respeito à ilegitimidade (processual) dos interpelantes.
Apenas tem legitimidade para propor a interpelação judicial em matéria penal quem foi, ainda que de forma reflexa ou indireta, supostamente ofendido. Ora, a presidente da República não citou nomes, sequer instituições. Na verdade, os interpelantes "vestiram a carapuça" e, infelizmente, tiveram o respaldo da ministra Rosa Weber.
A propósito (e eu nem gostaria de fazê-lo), no próprio Supremo Tribunal Federal já foi arquivada a Petição 4.553, ajuizada contra o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva pelo cidadão brasileiro Clóvis Victorio Mezzomo, que alegava ter se sentido pessoalmente ofendido pela declaração do ex-presidente, feita à imprensa, de que a então crise econômica mundial era “fomentada por comportamentos irracionais de gente branca, de olhos azuis, que antes da crise pareciam que sabiam tudo, e que agora demonstra não saber nada”. Como cidadão de ascendência italiana, branco e de olhos verdes, o interpelante afirmou que se sentia pessoalmente ofendido e pretendia processar o ex-presidente. Ao analisar o caso, o ministro Celso de Mello explicou que a interpelação judicial, com pedido de explicações, só é cabível quando existe dúvida ou ambiguidade nas declarações questionadas, “ou onde inexistir qualquer incerteza a propósito dos destinatários de tais declarações”. Onde não houver dúvida quanto ao conteúdo das afirmações questionadas, não cabe a interpelação judicial, arrematou. Segundo Celso de Mello, é exatamente isso o que aconteceu no caso. "O interpelante não revelou dúvida ou incerteza quanto às afirmações do presidente, mas frisou que se sentiu pessoalmente ofendido pela declaração", disse o ministro.
No mesmo sentido:
“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PETIÇÃO 4.005-8 - A interpelação processa-se perante o órgão judiciário que seria competente, em tese, para julgar a ação penal principal em face do suposto ofensor (cf., nesse particular, ressalto o julgamento da Questão de Ordem na Petição nº 851/SE, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno,unânime, DJ 16.9.1994).Tendo em vista que o interpelado é Senador da República, o processamento desta interpelação compete ao Supremo Tribunal Federal (STF), nos termos do art. 102, I,“b”, da Constituição Federal. Quanto à legitimidade ativa para o pedido, cabe registrar o seguinte pronunciamento unânime do Plenário desta Corte no Agravo Regimental na PET nº 1.249/DF, Rel.Min. Celso de Mello, DJ 9.4.1999:“LEGITIMIDADE ATIVA PARA O PEDIDO DE EXPLICAÇÕES EM JUÍZO. Somente quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. A utilização dessa medida processual de caráter preparatório constitui providência exclusiva de quem se sente moralmente afetado pelas declarações dúbias, ambíguas ou equívocas feitas por terceiros.Tratando-se de expressões dúbias, ambíguas ou equívocas, alegadamente ofensivas, que teriam sido dirigidas aos Juízes classistas, é a estes - e não à entidade de classe que os representa - que assiste o direito de utilizar o instrumento formal da interpelação judicial. O reconhecimento da legitimidade ativa para a medida processual da interpelação judicial exige a concreta identificação daqueles (...) que se sentem ofendidos, em seu patrimônio moral (que é personalíssimo), pelas afirmações revestidas de equivocidade ou de sentido dúbio” - (AgRg na PET nº 1.249/DF, Rel.Min. Celso de Mello, Pleno, unânime, J9.4.1999 - RTJ 170/60/61).Não desconheço o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que, apesar do teor literal da parte final do art. 144 do Código Penal, no procedimento preparatório da interpelação para explicações de ofensas equívocas, não caberia ao juiz decidir sobre a significação penal da eventual recusa de prestá-las ou sobre serem elas satisfatórias.Tal assertiva não elide, contudo, o poder-dever de decidir, antes de ordenar a interpelação requerida,quanto à sua admissibilidade processual, que implica pronunciamento sobre os pressupostos do pedido da medida cautelar preparatória ou a respeito da viabilidade da prenunciada ação penal, a cuja eventual propositura vise o pedido de explicações (cf., nesse ponto, a decisão monocrática de minha lavra, na PET nº 3.556/DF, DJ18.11.2005).A interpelação judicial destina-se exclusivamente ao esclarecimento de situações alegadamente dúbias ou equívocas. Ou seja, não é cabível quando ausente a demonstração de circunstância ensejadora de ambigüidade no discurso supostamente contumelioso, à obtenção de provas penais pertinentes a definição da autoria do fato delituoso.Nesse particular, é pertinente transcrever o inteiro teor da ementa do julgamento da Questão de Ordem na PET nº 851/SE, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, unânime, DJ16.9.1994, verbis:“EMENTA: INTERPELAÇÃO JUDICIAL CONTRA MEMBRO DO CONGRESSO NACIONAL – LEI Nº5.250/67 (ART. 25) – PROVIDÊNCIA DE NATUREZA CAUTELAR PENAL – COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL –PRESSUPOSTOS DO PEDIDO DE EXPLICAÇÕES EM JUÍZO – INOCORRÊNCIA – DESCABIMENTO DA INTERPELAÇÃO JUDICIAL.- A interpelação judicial fundada na Lei de Imprensa (art. 25) ou no Código Penal (art. 144), desde que requerida contra membro do Congresso Nacional, deve ser formulada perante o Supremo Tribunal Federal, por constituir medida cautelar preparatória de ação penal referente aos delitos contra a honra.- O pedido de explicações em juízo acha-se instrumentalmente vinculado à necessidade de esclarecer situações, frases ou expressões, escritas ou verbais,caracterizadas por sua dubiedade,equivocidade ou ambigüidade. Ausentes esses pressupostos, a interpelação judicial,porque desnecessária, revela-se processualmente inadmissível.- A interpelação judicial, por destinar-se exclusivamente ao esclarecimento de situações dúbias ou equívocas, não se presta, quando ausente qualquer ambigüidade no discurso contumelioso, à obtenção de provas penais pertinentes à definição da autoria do fato delituoso.- O pedido de explicações em juízo não se justifica quando o interpelante não tem dúvida alguma sobre o caráter moralmente ofensivo das imputações que lhe foram dirigidas pelo suposto ofensor” – [PET (QO)nº 851/SE, Pleno, unânime, DJ 16.9.1994]. (...) Na espécie, a interpelação é incabível porque ausentes os indispensáveis pressupostos de “dubiedade, equivocidade ou ambigüidade, às expressões que dele sejam objeto” [PET (QO) nº 851/SE, Rel. Min. Celso de Mello,Pleno, unânime, DJ 16.9.1994]. Da simples leitura dos termos da inicial, a ausência de tais elementos é inequívoca, porque o requerente, dentre as indagações que pretende ver respondidas pelo requerido, em nenhum momento, coloca em dúvida a compreensão e a alegada ofensividade das declarações, procurando apenas obter sua eventual ratificação e/ou a contextualização de sua suposta divulgação pelo requerido.Ante o exposto, na linha da jurisprudência deste STF, nego seguimento a esta interpelação por se tratar de pedido manifestamente incabível, nos termos do art. 21, § 1º, do RI/STF.Após o trânsito em julgado desta decisão,arquivem-se estes autos.Publique-se.Intime-se.Brasília, 18 de junho de 2007.”
Portanto, não há dubiedade, equivocidade ou ambiguidade no uso da expressão "golpe de Estado" ou da palavra "golpe". Aliás, pelo contrário, é de uma clareza solar! E, não as havendo, incabível seria dar seguimento à interpelação. Onde reside a dúvida em relação às afirmações da presidente da República? Alguém as tem? Será que a ministra Rosa Weber? Evidentemente não se pode e não se deve explicar o que já está claro. Eventual discordância com as manifestações da presidente da República não autoriza a providência cautelar. Mais um erro de um ministro da suprema corte do Brasil, coincidentemente no bojo da crise política e no contexto do golpe (sem aspas).

[1] MIRANDA, Darcy Arruda, Comentários à Lei de Imprensa, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª. ed., 1995, p. 452.
[2] TACRIMSP – AC – Rel. Silva Pinto – JUTACRIM 82/338.
[3] Superior Tribunal de Justiça, Petição – Rel. Bueno de Souza – RT 656/336.
[4] http://www.ocafezinho.com/2016/05/08/marcelo-neves-um-dos-principais-constitucionalistas-do-brasil-denuncia-o-golpe.
[5] Professor titular de Direito Público da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Direito pela Universidade de Bremen, com bolsa do DAAD (1991). Obteve livre-docência pela Faculdade de Direito da Universidade de Fribourg na Suíça (2000). Foi bolsista-pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Frankfurt am Main, Alemanha (2000). Foi Jean Monnet Fellow no Departamento de Direito do Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália (2000-2001).
[6] http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-03/marco-aurelio-diz-que-impeachment-sem-respaldo-juridico-transparece-como.
Revista Consultor Jurídico, 23 de maio de 2016.

sábado, 21 de maio de 2016

O papel do vice-presidente durante o processo de impeachment

O papel do vice-presidente durante o processo de impeachment

Por Ricardo Lodi Ribeiro e Nina Pencak

No início do dia 12 de maio de 2016, com base no artigo 86 da Constituição, sacramentou-se, com mais de dois terços dos integrantes do Congresso, a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
O encerramento da votação no Senado Federal significou, nos termos da Constituição, a admissibilidade do pedido de impeachment, que, por se tratar de requerimento embasado em suposto crime de responsabilidade, passará a tramitar na Câmara Alta, sob presidência do presidente do STF.
Ocorre que, com o afastamento da presidente Dilma e, ato contínuo, assunção do cargo pelo vice-presidente Michel Temer, instaurou-se, no país, momento político e jurídico sem qualquer precedente.
Hoje, é possível afirmar que temos dois presidentes: Michel Temer, eleito como vice, que se convencionou chamar de presidente em exercício ou presidente interino, e Dilma Rousseff, presidente afastada por, no máximo, 180 dias.
Diferente da postura de Itamar Franco, que iniciou, oficialmente, a escolha de seus eventuais ministros quando assumiu a Presidência provisoriamente no período de afastamento de Collor, Temer, após a primeira fase da admissibilidade do julgamento de Dilma, ocorrida na Câmara, já se reunia com partidos de oposição e com conhecidos nomes políticos a fim de compor seus ministérios, como amplamente noticiado.
Essa postura do vice, apesar de dentro da normalidade do ponto de vista jurídico, por ser um tanto quanto precipitada, causou perplexidade, posto que somente a primeira fase da admissibilidade do pedido havia se encerrado. E, nesse momento, relembramos, ao menos, dois atos praticados por Temer, não reprováveis juridicamente, porém, cuja lembrança é necessária para entender o panorama político criado pelo então vice-presidente:
i) em 7/12/2015, cinco dias após a autorização para abertura do processo de impeachment na Câmara por Eduardo Cunha, há a divulgação de carta à Dilma Rousseff, enumerando os momentos em que se sentiu desprestigiado e apontando episódios em que teria restado clara a desconfiança de Dilma em relação ao PMDB, tornando público o distanciamento — para não falar em ruptura — do vice em relação à presidente;
ii) em 11/4/2016, seis dias antes da votação da admissibilidade do pedido de impeachment pela Câmara, Temer envia a aliados gravação de 14 minutos em que fala dos rumos do país, assumindo que a votação da Câmara teria decidido pela admissibilidade do pedido, em discurso que seria feito caso essa situação se concretizasse. Nessa fala, o vice-presidente já apresenta prévia de seu programa de governo caso chegasse à Presidência, mencionando tópicos como reforma tributária, revisão do pacto federativo, mudança nas leis trabalhistas e reforma previdenciária.
Após destacar fatos relevantes para delimitação das circunstâncias políticas anteriores à admissibilidade do processo de impeachment, passaremos à análise dos dispositivos constitucionais que devem pautar a atuação do vice-presidente na condição de presidente em exercício, durante os 180 dias de afastamento da presidente.
Em primeiro lugar, as atribuições do vice estão dispostas nos artigo 78 e 79 da Constituição, com destaque para o caput do último:
“Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente (...)”.
Verifica-se que o artigo 79 dispõe sobre duas situações distintas em que o vice passa a ocupar o cargo de presidente: i) impedimento, em que o vice substitui o presidente; e ii) vacância, em que o vice o sucede.
Ao tratar das duas hipóteses, José Afonso da Silva as diferencia da seguinte forma:
“‘Impedimento’ é qualquer causa que obsta ao exercício de cargo ou função pública. Esse obstáculo pode ser de fato ou de direito. (...)
A suspensão também é um impedimento jurídico. Assim, quando o presidente fica suspenso de suas funções, por recebimento da denúncia nos crimes comuns ou instauração do processo de crime de responsabilidade, tem-se uma causa que o impede de exercer aquelas mesmas funções (art. 85, §1º). (...)
O impedimento é, assim, uma situação temporária, de fato ou de direito, que não permite ao titular cumprir os deveres e responsabilidades de seu cargo ou função. Por isso se lhe dá substituto.
impeachment é ato de cassação do mandato do presidente da República. É, pois, impedimento definitivo, que tem como consequência a vacância do cargo. A hipótese, pois, já não é substituição, mas de sucessão”[1].
Assim, a primeira conclusão a que se chega é a de que o vice só sucede o presidente na vacância do cargo, que, no caso do processo de impeachment, ocorre com a aplicação da sanção de perda do cargo ao final do julgamento. Michel Temer, portanto, está substituindo a presidente Dilma Rousseff durante o afastamento que pode durar até 180 dias.
Passando à análise do artigo 86, parágrafo 1º, II e parágrafo 2º, da Constituição, que trata do rito do processo de impeachment, no caso de crime de responsabilidade, observa-se que:
“Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
(...)
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.
§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo (...)”.
Desse modo, após o reconhecimento da denúncia pelo Congresso, inicia-se o seu julgamento, com fase de contraditório e produção de provas. 
O constituinte previu no parágrafo 2º, do artigo 86 da Constituição, o afastamento por até 180 dias do réu do cargo de presidente. Como visto, o afastamento temporário não configura vacância do cargo, mas impedimento, porque, nesse estágio do processo de impeachment, não houve condenação, somente indícios de que o réu teria cometido crime de responsabilidade. Trata-se, contudo, de mera plausibilidade de ação ilícita que justifica o início da fase de julgamento do processo de impeachment, de modo que não ocorre a sucessão do presidente afastado pelo vice-presidente. Como observado, o vice-presidente substitui o presidente no exercício do cargo, sendo daí que decorre a utilização da expressão “presidente em exercício” ou “presidente interino”.
E o papel ocupado pelo vice durante o período de 180 dias é inerente a essa condição provisória, pois, antes do julgamento final do mérito do processo, não há qualquer decisão condenatória. Quando o processo é admitido pelo Senado, é forçoso que se reconheça, em interpretação teleológica do artigo 86, parágrafo 2º, da Constituição, que o presidente é afastado do cargo, pois se verificou a fumaça do bom Direito em que se baseou o pedido de impeachment.
Havendo, portanto, um juízo político prévio que reconheceu a verossimilhança das alegações, afasta-se o presidente, assumindo o vice, sob espécie de condição suspensiva, já que assume a função que só se torna definitiva após o julgamento do processo no Senado, no caso de condenação do presidente eleito por crime de responsabilidade.
Tanto é precário o exercício da Presidência pelo vice no período de afastamento, que o constituinte, no parágrafo 2º, do artigo 86 prevê a possibilidade de retorno do presidente afastado caso o julgamento se prolongue por mais tempo do que o referido prazo.
Da leitura do artigo 86 da Constituição, portanto, verifica-se que o constituinte, em claro exercício de ponderação, em sede de juízo preliminar sobre o mérito do processo de impeachment, decidiu:
  1. considerando a verossimilhança do direito em que se fundamentou o pedido, pelo afastamento, por 180 dias, em caráter cautelar do presidente, após a admissibilidade do processo de impeachment;
  2. tendo em vista o alto grau de irreversibilidade desse afastamento, pelo retorno do presidente eleito para o cargo, ainda que o julgamento não tenha sido concluído.
A partir dessas duas premissas, conclui-se que, durante o afastamento do presidente, o vice assume precariamente, com o fim de substituição, podendo, apenas, tomar medidas de urgência, sem alterações na ordem vigente e no programa de governo do presidente eleito.
Isso porque, entender que o vice, em exercício precário da Presidência, possui competência para colocar em prática reformas institucionais, econômicas e sociais e/ou romper com os programas instaurados pelo presidente afastado, é assumir que o constituinte permitiu a ocorrência de gravíssimo periculum in mora in reverso.
Em outras palavras, o constituinte definiu que o melhor cenário seria aquele em que, durante o julgamento, o presidente permanecesse afastado, tendo em vista que se encontra impossibilitado de exercer plenamente as atribuições constitucionais descritas no artigo 84, vez que se tornou réu e precisa produzir os elementos necessários à sua defesa. Afirmar que a previsão de afastamento implica em presunção de culpa pelo constituinte é admitir que há contradição na Constituição de 1988, que confere status de direito fundamental à presunção de inocência, no artigo 5º, LVII.
Portanto, deve-se reconhecer que o constituinte não conferiu plenos poderes presidenciais ao vice durante o período de afastamento, pelo seguinte: i) o vice-presidente não foi eleito para ocupar a função do presidente da República; ii) seria, no mínimo, leviano por parte do constituinte assumirpericulum in mora in reverso de tamanha monta, aos custos da sociedade brasileira, já que a previsão constitucional é clara no sentido de afastamento temporário; iii) não menos importante, o constituinte não previu que o vice presidente não estaria alinhado com o presidente, de modo a não dar continuidade ao programa de governo até então praticado e iniciar seu próprio mandato, como ocorre atualmente.
Ressalta-se o último tópico acima: era imprevisível, quando da elaboração do artigo 86, que o vice não estaria alinhado com o governo.
Quanto à imprevisibilidade de um cenário de ruptura política entre o vice e a presidente, que ficou claro, é necessário que se reconheça que era impossível ao constituinte cogitar essa hipótese quando impôs que o vice assumiria no período de afastamento, antes de sentença condenatória, e mudaria radicalmente os rumos dos programas até então praticados. O constituinte delineou o rito do impeachment contando que o vice assumiria de forma precária, no período de afastamento da presidente, dando, ao menos nesse primeiro momento, continuidade ao programa em andamento. Deve-se reconhecer que é contrária à vontade do constituinte, e, por óbvio, à própria Constituição, qualquer alteração significativa na ordem social, econômica e institucional vigente, devendo o presidente em exercício se ater à tomada de medidas emergenciais.
Dessa forma, a série de mudanças propostas ou já implementadas por Temer que rompem com o programa de governo da presidente Dilma são, no presente momento, inconstitucionais. Exemplifica-se: redução no número de ministérios, com extinção de pastas de relevância ímpar para as políticas públicas consagradas pelos eleitores, como Cultura, Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento Agrário, Direitos Humanos e Previdência Social; redução da autonomia da Controladoria-Geral da União com a sua transformação em ministério; implementação de reformas tributárias e previdenciárias; venda de participação da União nos Correios e na Casa da Moeda; flexibilização nas regras sobre privatizações; redução de direitos trabalhistas, distribuição de cargos para partidos de oposição ao da presidente afastada; alteração de programas sociais; a anulação de atos praticados pela presidente durante o regular exercício mandato, no período entre a autorização da Câmara e antes da abertura do processo pelo Senado, dentre outras.
Ou seja, desde o primeiro dia no exercício da Presidência, Michel Temer se comporta não só como presidente efetivo, mas como líder de um movimento que subverte todas as políticas públicas que avalizou nas eleições.
Trata-se de rompimento com o programa de governo em andamento para a adoção de ideias que fragilizam o Estado Social e que, por isso, nunca foram levadas aos eleitores pelos principais candidatos ao pleito de 2014. Essas modificações bruscas na formulação de políticas públicas em nosso país criam um cenário político, social e econômico irreversível, contribuindo para que a presidente afastada não retorne para o seu cargo e, caso retorne, encontre um país impossível de se governar.
Não cabe, ainda, o argumento de que o vice-presidente também foi eleito democraticamente, possuindo, portanto, competência para conduzir o país, atualmente, sem qualquer parâmetro. O constituinte de 1988 abandonou o modelo vigente na Constituição de 1946 que permitia que o vice fosse eleito por chapa diferente daquela do presidente. Se aquele modelo admitia a independência programática entre o presidente e o vice, gerando a possibilidade de crises institucionais, como a verificada em 1961 com a renúncia do presidente Jânio Quadros e o veto militar à posse do vice-presidente João Goulart, a Carta atual pressupõe o alinhamento político e programático dos dois mandatários maiores do país.
Assim, no sistema atual, o vice, na verdade, é eleito para cumprir as suas próprias atribuições constitucionais, podendo vir a substituir a presidente em caso de impedimento temporário, ou sucedê-la, em caso de vacância do cargo, dando cumprimento ao programa apresentado por ambos e que foi sufragado pelos eleitores. Por isso, caso qualquer impedimento permanente venha a ocorrer, espera-se que o vice dê continuidade ao programa iniciado pelo presidente impossibilitado de ocupar o cargo em caráter permanente. Afinal, aquele também se comprometeu com o programa escolhido pelos eleitores. Com mais razão, a necessária continuidade programática exige-se quando o afastamento é transitório.
Por essas razões, antes da conclusão do julgamento definitivo do processo deimpeachment da presidente Dilma Rousseff pelo Senado Federal, não é compatível com a Constituição Federal que o exercício provisório da Presidência pelo vice seja marcado por decisões de cunho permanente, especialmente quando claramente distintas dos compromissos assumidos pela presidente eleita pelo povo brasileiro, como as medidas acima enumeradas.
Corre-se o risco de vermos o poder deixando de ter origem direta no povo e passando a ser intermediado pela vontade do Congresso, que aprovou a abertura do processo de impeachment, o que, decerto, não encontra fundamento na Constituição e no Estado Democrático de Direito.

[1] José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, Malheiros: 2007, p. 478.


Ricardo Lodi Ribeiro é advogado e professor adjunto de Direito Financeiro da Uerj.

domingo, 15 de maio de 2016

Novo Ministro da Justiça e seu passado

Alexandre de Moraes cotado para a Justia de Temer um renomado liberticida

Alexandre de Moraes, cotado para a Justiça de Temer, é um renomado liberticida
A presença de Alexandre de Moraes no Planalto não dá conforto a ninguém que preze pela democracia e pelos direitos humanos. Se quiser um raio-x rápido de sua forma de atuar observe os acontecimentos recentes no Centro Paula Souza, ocupado por estudantes até a semana passada.
Moraes enfiou sua polícia lá dentro sem mandado algum, desrespeitou um acordo judicial, desencadeou a reintegração de posse sem a presença de representantes do Conselho Tutelar, descumpriu o Estatuto da Criança e do Adolescente. Um espetáculo sombrio de autoritarismo, ilegalidade e beligerância.
Alexandre de Moraes é um rolo compressor temido inclusive por peixes graúdos. O procurador do Ministério Público Federal, Matheus Baraldi Magnani, que o diga. Baraldi foi alvo de centenas de ações judiciais e medidas persecutórias iniciadas pelo escritório de advocacia de Alexandre de Moraes em nome do governo do estado de São Paulo, que tinham o objetivo exclusivo de intimidá-lo.
O procurador havia feito denúncias contra a PM. O ano era 2012 e o assassinato de 18 criminosos em uma operação da Rota provocou uma reação do PCC (Primeiro Comando da Capital) e logo depois uma série de chacinas ocorreu nas periferias de São Paulo.
Aliás, o nome do PCC associado ao do atual Secretário de Segurança de Geraldo Alckmin é um ponto intrigante em sua biografia. Alexandre de Moraes aparece no Tribunal de Justiça-SP como advogado de uma cooperativa de transporte suspeita de associação com o PCC para lavagem de dinheiro em pelo menos 123 processos.
A Trasncooper é tão umbilicalmente ligada ao PCC que o PT expulsou o deputado Luiz Moura, flagrado em uma reunião da cooperativa na qual estavam presentes 13 membros da facção.
O receio de que a repressão vista em São Paulo nos tempos atuais se amplifique é realista. A PM comandada por Moraes tem uma postura nitidamente parcial. Protege os acampados da Fiesp e ataca meninas democratas no MASP; Ataca bombas e atira balas de borracha contra estudantes da PUC e dá abrigo aos pró-impeachment do Mackenzie; espanca adolescentes que protestam contra Alckmin pela educação mas assiste de braços cruzados a taxistas contrários a Fernando Haddad praticarem um quase linchamento. Todo esse modo de operar tem um viés claro, um recado mais do que implícito.
Inicialmente, Alexandre de Moraes estava cotado para o cargo de Advogado Geral da União, no posto de José Eduardo Cardoso. Mas certamente Michel Temer e sua turma pensaram melhor e analisaram bem o currículo de Moraes e se lembraram que a Polícia Federal é subordinada ao Ministério da Justiça. Ficará sob o comando de Moraes. E em tempos de desejo de aniquilar a Lava Jato, Alexandre de Moraes é o cara.
Como diria o finado Cunha, deus tenha misericórdia de nós.
Transcrito do site JusBrasil, de 13.05.2016

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Programa de cidadania em regiões carentes ganha prêmio Conciliar é Legal

Ao promover um programa de cidadania, com a realização de debates sobre direitos constitucionais, direitos previdenciários, oficinas e até palestras de saúde para comunidades carentes do Rio de Janeiro, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) recebeu o Prêmio Conciliar é Legal, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na categoria Tribunal Regional Federal.

A iniciativa começou em 2013 e foi organizada pelo Centro de Atendimento Itinerante da Justiça Federal (CAIJF), órgão integrante do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos da 2ª Região (NPSC2). “A nossa ideia era levar informação para o cidadão, aproximá-lo da Justiça”, contou o juiz federal Vladimir Vitovsky, coordenador do projeto.

Duas comunidades carentes foram escolhidas: Cidade de Deus e Complexo do Alemão. Foram realizadas palestras interativas e oficinas, inclusive com a participação de parceiros de autarquias federais - o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e a Caixa Econômica Federal, por exemplo -, do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União, e de servidores da própria Justiça Federal. “Começamos explicando o que é a Justiça Federal e depois explicamos sobre direito previdenciário, que era a maior demanda local. Levamos até uma perita do INSS para tirar dúvidas da população”, detalhou o magistrado.

O trabalho foi focado nos líderes comunitários e agentes comunitários de saúde. “Eles serão os nossos disseminadores de informação”, explicou o coordenador do programa. Foram mais de 50 palestras, pelas quais passaram mais de duas mil pessoas. “Estamos desenvolvendo formas de contabilizar os resultados positivos, mas o melhor indicativo de sucesso são os convites que recebemos para levarmos o programa para outras comunidades, como Rocinha e Acari”, completou.

O Prêmio Conciliar é Legal é promovido pelo CNJ e busca reconhecer as práticas de sucesso, estimula a criatividade e dissemina a cultura dos métodos consensuais de resolução dos conflitos. Concorrem aos prêmios tribunais, magistrados, instrutores de mediação e conciliação, instituições de ensino superior, usuários e empresas, que apresentaram práticas com resultados comprovados.

Paula Andrade

Agencia CNJ de Notícias




sábado, 7 de maio de 2016

Admissibilidade do processo de impeachment pelo Senado

Breve Nota Crítica ao Relatório Anastasia: contra a admissibilidade do processo de impeachment por crime de responsabilidade da Presidente da República
Por Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia – 06/05/2016
A citação feita no Relatório Anastasia[1] do texto dos comentários ao art. 85 da Constituição da República que escrevemos[2] não considera de modo adequado a integridade do texto, nem do trecho referido. Para nós, o fato do rol do art. 85 ser exemplificativo reforça ainda mais a exigência prevista no parágrafo único do mesmo artigo da Constituição de que a lei especial e regulamentar tipifique e defina os crimes de forma completa, afastando, portanto, “tipos abertos”, bem como a interpretação extensiva ou por analogia – o que não é possível por se tratar de crime. Indicamos, portanto, a leitura do trecho dos Comentários à Constituição do Brasil:
“Para os crimes de responsabilidade valem os dispositivos constitucionais e sua regulamentação através da Lei 1.079/50.” E, logo em seguida, “O rol previsto no art. 85 é meramente exemplificativo, constando sua definição completa naquela citada norma infraconstitucional”, ou seja, a Lei 1.079/50. Este é o último parágrafo do texto dos comentários ao artigo 85, in Comentários à Constituição do Brasil, p. 1287. Depois de ter explicado, portanto, que a Lei 1.079/50 tipifica os crimes.
O Senador Anastasia, assim, nos cita para tirar uma conclusão com a qual não concordamos, pois o fato de o elenco do art. 85 ser exemplificativo não significa que esteja afastada a exigência de previsão legal taxativa dos crimes de responsabilidade, conforme o parágrafo do mesmo artigo.
Como na Carta aberta a Anastasia que foi encaminhada por professores, estudantes e servidores da Faculdade de Direito da UFMG:
2) A CR/88 dispõe em seu art. 85, parágrafo único, que uma lei especial definirá os crimes de responsabilidade e estabelecerá as normas de processo e julgamento do impeachment. Esta lei, como já afirmado pelo STF no julgamento do caso Collor em sucessivos mandados de segurança (MS 21.564, MS 21.623 e MS 21.68) e agora na ADPF 378 é a Lei 1079/50. Entendemos que em consonância com o devido processo constitucional as hipóteses de crime elencadas pela lei do impeachment devem ser atendidas taxativamente, não cabendo, portanto, interpretações extensivas ou analógicas em respeito às garantias do próprio sistema presidencialista, e do ordenamento jurídico como um todo, em que restrições de direitos devem ser interpretadas de forma taxativa.”[3]
Para a Constituição da República, justamente porque o rol é exemplificativo que a lei especial regulamentará tipificando os crimes, por uma questão de segurança jurídica! Ou seja, cabe à lei especial definir por completo. Como diria Gomes Canotilho, estamos diante de uma vinculação expressa do legislador à Constituição. Sabemos, pois, quais são os crimes de responsabilidade e qual o procedimento de impeachment porque a Constituição estabeleceu os parâmetros no art. 85, incisos e parágrafo, e no art. 86 (também art. 51, I, e art. 52, I), e a Lei 1.079/50 os regulamentou, prevendo, taxativamente e definindo de forma completa, os tipos penais.
Não cabe assim interpretação extensiva e analógica dos crimes completamente definidos pela lei especial prevista no parágrafo do art. 85. O preceito fundamental em questão é mesmo o princípio da reserva legal. Somos, pois, daqueles que concordam com Marcelo Neves[4] e Alexandre Morais da Rosa[5] no sentido de que crime de responsabilidade é crime e se submete à reserva legal, em lei específica, no caso, a lei 1.079/50, no que foi recepcionada[6]. O fato de o rol do art. 85 não ser numerus clausus não afasta, muito antes pelo contrário, a exigência constitucional, prevista no parágrafo único do art. 85, de que a lei especial taxativamente o faça. Ou, como dissemos no texto dos Comentários, defina completamente os crimes. Questão mesmo de segurança jurídica, não há como se falar em “tipos abertos”. Ou seja, o Senador Anastasia termina por tirar conclusões com as que jamais concordaremos.
A estratégia do Relatório Anastasia é a de se admitir que não há a tipificação taxativa dos crimes de responsabilidade, mas que isso “não é um problema”, pois que “o tipo seria aberto” e, então, poder-se-ia a ele aderir legislações e capitulações que lhe são estranhas, como a responsabilidade fiscal ou qualquer outra. Ora, se há previsão de hipóteses de “crime de responsabilidade” e “crime comum” de Presidente da República, a serem apreciados em processos diferentes, é justamente porque há crimes, ainda que diferentes.
Cabe lembrar, ademais, que, embora estejamos numa República democrática em que, com certeza, o Presidente é responsável, o sistema de governo constitucionalmente adotado é o presidencialismo e não o parlamentarismo. Logo, no Brasil, o Presidente da República só pode ser impedido quando estiver configurado crime, segundo a Constituição e nos estritos termos da legislação a que a própria Constituição se refere.
Nesse sentido, cabe dizer que é perceptível desde o início qual seria a estratégia do relatório. A estratégia de pretender descaracterizar o caráter de crime do crime de responsabilidade para defender a possibilidade de afastar a exigência jurídica de taxatividade dos crimes previstos em lei especial, abrindo espaço para a interpretação extensiva e por analogia, defender uma responsabilidade objetiva, sem dolo, e por atos que a Presidente não cometeu, como bem mostrou Alexandre Morais da Rosa[7], mesmo no caso das chamadas “pedaladas fiscais” (sic) referentes ao Plano Safra, fato atípico posto que não há de se confundir o atraso no repasse dos valores referentes a subvenções sociais com operações de crédito e onde sequer há atos cometidos pela Presidente da República, como bem mostrou, mais uma vez, Ricardo Lodi[8].
O que se faz, ao fim e ao cabo, revela, justamente o que nós, e os demais autores aqui citados, temos dito desde o início: trata-se de uma flagrante inconstitucionalidade que sacrifica o caráter jurídico-político, portanto, constitucional, do instituto do impeachment para reduzi-lo apenas à vontade de uma maioria tardiamente formada.
Notas e Referências:
[1] Ver Relatório, p. 53. Disponível em http://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/05/04/veja-aqui-a-integra-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia. “No mesmo sentido, encontramos fartos ensinamentos na doutrina, podendo ser citados, como exemplos, as posições de Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Alexandre Bahia (in: Leo Ferreira Leoncy et al., Comentários à Constituição do Brasil, p. 1287); Bernardo Gonçalves Fernandes (Curso de Direito Constitucional, p. 900), Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (Curso de Direito Constitucional, p. 956) e Alexandre de Moraes (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, p. 1263). Como se vê, a doutrina praticamente unânime reafirma que a lista de bens jurídicos protegida pelos tipos do art. 85 da CF é meramente exemplificativa. Nada há de ilícito, portanto, na especificação de um novo tipo pelo legislador ordinário, como ocorreu com o art. 11. Aliás, esse argumento levaria a conclusões absurdas: o legislador, a quem cabe exclusivamente tipificar os crimes, pois se trata de hipótese de reserva legal, não teria o poder de tipificar nenhuma conduta, a não ser as expressamente previstas na Constituição?”
[2] STRECK, Lenio Luiz; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; BAHIA, Alexandre. Comentário ao artigo 85 In: CANOTILHO, JJ Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1285 a 1287.
[3] Disponível em http://emporiododireito.com.br/professores-estudantes-e-servidores-da-faculdade-de-direito-da-ufmg-escrevem-carta-aberta-ao-senador-anastasia/
[4] Parecer disponível em https://cloudup.com/ig-cUkufb7N
[5] Ver o artigo disponível em http://emporiododireito.com.br/o-erro-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia-pode-anular-o-impeachment-por-alexandre-morais-da-rosa/
[6] Sobre o tema, afirma Lenio Streck: “As regras de interpretação – sobre as quais não existe uma taxonomia – apontam para algumas questões básicas: quando se trata de Direito Penal, não pode haver analogia in malam partem. E quando está em jogo a coisa mais sagrada da democracia – que é a vontade do povo — também não se podem fazer pan-hermeneutismos, a partir de analogias e/ou interpretações extensivas. Parece-me que qualquer interpretação sempre deverá ser indubio pro populo. In dubio pro vontade popular.” (Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-ago-24/lenio-streck-constituicao-impeachment-mandato-anterior). Ver também os diversos artigos publicados em http://emporiododireito.com.br/category/constituicao-e-democracia/ sobre o tema do impeachment, especialmente, o artigo “Golpe Vergonhoso passa na Câmara”, disponível em http://emporiododireito.com.br/golpe-vergonhoso-passa/, bem como a obra BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes; BACHA E SILVA, Diogo; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O Impeachment e o Supremo Tribunal Federal: História e Teoria Constitucional Brasileira. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.
[7] Ver o artigo disponível em http://emporiododireito.com.br/o-erro-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia-pode-anular-o-impeachment-por-alexandre-morais-da-rosa/.
[8] Ver a manifestação de Ricardo Lodi, assim como a de Geraldo Prado e Marcello Lavenère, disponível em http://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2016/05/juristas-dizem-que-dilma-nao-cometeu-crime-de-responsabilidade. Também http://www.conjur.com.br/2015-dez-04/ricardo-lodi-pedaladas-hermeneuticas-pedido-impeachment.
Autores:
Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia é Doutor e Mestre em Direito pela UFMG, Professor da UFOP e da IBMEC.
Lenio Luiz Streck é Professor da Unisinos e Unesa, Doutor e Pós-Doutor em Direito, Ex-Procurador de Justiça e Advogado..
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira é Doutor em Direito e Professor associado da Faculdade de Direito da UFMG.
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