quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Alternativas contra a morosidade judicial

          As opiniões de vários juristas convergem no sentido de que, no Brasil, há uma cultura do conflito onde é o Judiciário quem resolve tudo. Também há uma coincidência de pensamento quanto à necessidade de se modificar a postura diante dos conflitos.

          Estas duas premissas levam à conclusão de que além de modernizar os seus recursos para atender à crescente demanda, as instâncias judiciárias devem incentivar a implementação de um sistema de resolução dos conflitos pelo consenso.

          Ou seja, de um lado desenvolver e trabalhar com a ideia de uma solução pacífica e negociada, mais preventiva do que curativa dos conflitos e, de outro, implementar mecanismos para atacar a crônica morosidade da Justiça.

          Como os modelos tradicionais encontram-se, em grande parte, esgotados para uma resposta eficaz aos conflitos sociais, uma forma de evitar a sobrecarga dos tribunais é o caminho das vias alternativas, que previniriam o conflito.

          A esse respeito, conforme já escrevi em meu blog postado em 23.10, merece atenção a proposta do ex-Secretário de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, Rogério Favreto, de um novo paradigma cultural com a política pública de"Redes de Mediação".

          No sentido oposto à cultura do bacharelismo, centrada no confronto, a proposta é trabalhar com uma solução pacífica e negociada, prevenindo os conflitos. A abordagem dar-se-ia em três momentos:

          a) introduzir nas grades curriculares do curso de direito matérias destinadas à formação no campo da mediação e composição dos conflitos, articuladas com os núcleos de prática jurídica;

          b) cursos de aperfeiçoamento em técnicas de mediação e composição de conflitos para os atuais profissionais do direito (magistrados, promotores de justiça, defensores públicos, advogados públicos e particulares);

          c) constituição de núcleos de justiça comunitária voltados à formação de agentes comunitários de mediação, na perspectiva de criar meios alternativos de resolução de conflitos.

          Estes são mecanismos que previniriam os conflitos, não permitindo que eles se instalassem.

          No que se refere aos mecanismos par atacar a crônica morosidade da Justiça, uma vez instalado o conflito, os dados de pesquisas apontam para a existência de dois grandes gargalos:

          a) a principal demanda ao Judiciário decorre do Poder Público federal, estadual e municipal;

          b) teses repetidas, com enorme quantidade de recursos protelatórios abarrotam os tribunais.

          Segundo estudo produzido pelo Banco Mundial (Bird), "Brasil: fazendo com que a Justiça conte", divulgado em 06.12.2007, em seminário promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), no Supremo Tribunal Federal, os juízes brasileiros têm alta produtividade. Mas a crescente demanda pela Justiça, especialmente em decorrência de disputa com os governos federal, estadual e municipal e o grande volume de recursos judiciais congestionam a Justiça no país. (Órgãos do governo têm o hábito de apresentar inúmeros recursos). Um dos maiores clientes dessas demandas é o INSS. Nos Tribunais Regionais Federais 50% dos processos estão relacionados a pensões.

          Também de acordo com dados do "Judiciário em Números" de 2003, 90% dos recursos ao Supremo Tribunal Federal naquele ano foram de recursos repetitivos. Ou seja, tratavam de questões sobre as quais o STF já tinha posição consolidada, mas o vencido, na maioria das vezes o Poder Público, recorreu para adiar o cumpriumento da sentença. Os dados demonstram, ainda, que 80% das causas, que tramitavam nos tribunais superiores e no STF, envolviam a administração pública, federal, estadual ou municipal.

          Para desobstruir esses gargalos o Judiciário já conta com alguns mecanismos que, infelizmente, são pouco utilizados, como a  Súmula da Repercussão Geral, Súmula Vinculante, litigância de má-fé e lide temerária.

          A Súmula Vinculante, que é restrita a matéria constitucional, destina-se a conter a multiplicação dos processos, impondo a sua observância aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (artigo 103-A, caput, da CF).  Essas Súmulas têm por objeto "a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual antre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica (art. 103-A, § 1º da CF),. Como a maioria dos processos que chegam a Supremo Tribunal é de recursos repetitivos (80%) e diz respeito aos interesses do Poder Público, as Súmulas Vinculantes impediriam, na origem, os recursos desnecessários, acelerando a tramitação dos processos. Mas até agora, o Supremo Tribunal estabeleceu apenas 13 Súmulas Vinculantes.

          Quanto à Súmula de Repercussão Geral, seu objetivo é impedir que processos sem relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico cheguem ao Supremo, ficando a ele reservadas as decisões mais difíceis e de relevância para o país. Esse critério também é aplicado na Alemanha e nos EUA e poderia ser mais aplicado no Brasil, evitando-se com isso, a procrastinação das decisões.

         No que diz respeito aos recursos procrastinatórios e repetitivos, considerando o direito ao prazo razoável do processo, estabelecido como direito fundamental pela EC 45, faz falta uma vigorosa cultura judicial e doutrinária de sua implementação, fixando limites e critérios de sua aplicação, pois sucessivos recursos além de retardar os processos, inviabilizam a realização da Justiça.

          Outros mecanismos, cuja aplicação diminuiria a morosidade judicial, estão previstos no Código de Processo Civil: priorizar os casos que digam respeito à litigância de má-fé (quando alguém  se utiliza do processo judicial, com o evidente objetivo de prejudicar a parte contrária) e lide temerária (quando alguém propõe demanda sem qualquer fundamento), aplicando, com rigor, as penalidades previstas pela lei processual. Lamentávelmente estes mecanismos são subutilizados pela magistratura. Basta ver a sua diminuta jurisprudência.

          Finalmente, um outro caminho que, caso fosse trilhado pelo Poder Público, contribuiria sobremaneira para desafogar o Judiciário seria o das Súmulas Administrativas. Amparada na necessidade de defesa do erário e de redução de litigiosidade judicial, a administração pública poderia propor, no seu âmbito, referidas súmulas, incorporando posições já pacificadas na Justiça. Com essa postura, vez que é, de longe, quem mais demanda o Poder Judiciário,  estaria contribuindo de forma eficaz para combater a morosidade judicial.