quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A CPI da pedofilia e algumas de suas conclusões

          Após 33 meses de trabalho, 900 denúncias recebidas e 10 prisões efetuadas, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investigou os abusos sexuais contra crianças e adolescentes, encerrou sua tarefa em dezembro do ano passado.

          Em relatório final de 1696 páginas, a CPI recomendou à Justiça adotar técnicas menos danosas ao ouvir relatos de crianças vítimas de abusos sexuais, utilizando-se de brincadeiras, livros e material lúdico. Foram feitas pela CPI duas recomendações expressas de adoção de depoimento sem dano: uma ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outra ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

          Para Tatiana Hartz, psicóloga integrante da Associação Brasileira de Psicoterapia  Cognitiva (ABPC), o depoimento de uma criança vítima de abuso sexual é muito importante para produzir provas que levarão ao indiciamento do agressor. Mas para isso, a abordagem deve ser a menos danosa possível. Esse tipo de iniciativa já vem sendo adotada, por quase oito anos, nas varas da infância de Porto Alegre (RS). De acordo com o juiz José Antônio Daltoé Cézar, de Porto Alegre: "Muitos depoimentos são tomados antes mesmo da fase policial, para que a criança não seja ouvida por um delegado, um promotor, um juiz".

          Em seu relatório final, também foram listados pela CPI, 19 projetos de lei apresentados ou encampados por ela, mas em seu transcurso apenas uma lei acabou sendo aprovada e sancionada.

          Foram os seguintes, os mais importantes projetos apresentados pela CPI:

          PL nº 250, de 2008
          Possibilita a decretação de prisão preventiva de pedófilo estrangeiro acusado de abuso sexual, em fase de extradição, ainda que não tenha ocorrido o flagrante.

          PL nº 275, de 2008
          Prevê a punição para os adultos que, de alguma forma, se aproveitam sexualmente de crianças e adolescentes e não somente quem as submete à exploração sexual.

          PL nº 234, de 2009
          Determina que o prazo para a prescrição de um crime de abuso sexual comece a ser contado, a partir dos 18 anos de idade da vítima, nos casos em que ainda não houver sido oferecida  a denúncia.

          PL nº 236, de 2009
          Prevê que a lei brasileira se aplica incondicionalmente a agressores sexuais de crianças brasileiras, que residam no estrangeiro.

          PL nº 235, de 2009
          Veda a concessão de visto a estrangeiros indiciados em outros países por crimes contra a liberdade sexual.

          PL nº 100
          Pemite que agentes da polícia sejam infiltrados na internet, com a finalidade de investigar crimes contra a liberdade sexual de crianças e adolescentes.

          Além desses projetos de lei por ela apresentados, a CPI encampou alguns outros, como o PL nº 165, que prevê o monitoramento eletrônico de presos; o PL nº 338, de 2009, que cria um banco de dados de pedófilos condenados pela Justiça, com todos os dados pessoais disponíveis, acessíveis a qualquer pesssoa; o PL n° 156, de 2009, que institui o depoimento sem dano, sem submeter as vítimas a novamente reviver o abuso sexual por elas sofrido; o PL nº 278, de 2009, alterando critérios de escolha de conselheiros tutelares, no âmbito municipal.

         No curso da CPI o único projeto aprovado foi a Lei 11.829/08, que alterou o ECA prevendo como crime não apenas a transmissão de material pornográfico, mas também o  armazenamento de conteúdo pronográfico infantil.

          A aprovação dos projetos elencados é de suma importância, pois a repressão ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil esbarra em uma legislação falha e anacrônica, deixando brecha para a atuação dos pedófilos, como por exemplo, a utilização da internet.

          De fato, conforme balanço da Polícia Federal, os crimes sexuais contra a criança e o adolescente, por meio da rede mundial de computadores explodiram nos últimos anos. Entre maio de 2009 e novembro de 2010, pelo menos 80 pessoas acabarm presas, em todo o Brasil, por pornografia infantil, em geral por posse ou distribuição de imagens de menores. O número é 1.500% maior do que todas as prisões efetuadas no país entre janeiro de 2000 e abril de 2009, quando cinco criminosos foram detidos.

          A quantidade de inquéritos instaurados também se multiplicou. Entre janeiro de 2000 e dezembro de 2008, 1.018 investigações estavam em andamento. Somente de janeiro de 2009 a novembro de 2010 foram instaurados 1.318 inquéritos para apurar esse tipo de crime: um aumento de 29,4%.

          Ao explicar as razões para o aumento das estatísticas, o delegado Stênio Santos Sousa, do Grupo Especial de Combate aos Crimes de Ódio e à Pornografia Infantil na Internet (Gecop), afirma que existem vários fatores. O primeiro deles é que as pessoas estão mais informadas sobre esse tipo de crime e assim denunciam mais. Também a Lei nº 11.929/08, que alterou o ECA para aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, criminalizando a aquisição e posse de material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet, veio facilitar a ação da polícia. Tudo isso, aliado ao investimento do Estado no aparelhamento da polícia, contribuiu para o aumento dos números em termos absolutos. Mas, segundo ele não dá para dizer que houve um aumento na prática do crime, pois há que se condiderar duas importantes variáveis: o crescimento populacional e a ampliação do acesso à tecnologia.

          Um dos maiores entraves encontrados pelos investigadores nesse tipo de crime é a recusa de alguns provedores da internet em entregar para a polícia o registro de conexão do criminoso. Nesses casos os investigadores precisam de ordem judicial e nem sempre ela é obtida com a rapidez necessária.

          Na avaliação do delegado Stênio Santos "esses provedores que não colaboram com a polícia, de certa forma têm contribuído para que o criminoso continue solto e fazendo mais crianças e adolescentes serem violentadas".