No dia 18 de maio foi comemorado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes, mas na verdade não há o que comemorar.
Em 2009 foram denunciados 15.345 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, segundo dados divulgados pela Agência de Notícia dos Direitos da Infância (ANDI), mas 60% dos casos no Distrito Federal não originaram sequer um processo criminal.
A pesquisa do Centro de Referência para Violência Sexual - ligado à Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, revela aquilo já confirmado em pesquisas anteriores. Estão no topo da lista dos agressores os pais (24%), os padrastos (18,5%) e os conhecidos, vizinhos ou amigos da família (12,9%).
Embora o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleça que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, o medo e a impunidade acobertam o abuso sexual, levando 57,8% das vítimas, em sua grande maioria meninas (79,7%) a conviver com os recorrentes episódios. Quando, finalmente, elas conseguem romper o silêncio, a omissão do Judiciário as desencoraja, pois, em 60% dos casos, a denúncia da vítima não dá origem a qualquer processo criminal, conforme dados de uma pesquisa do Centro de Referência para a Violência Sexual (Ceres), órgão ligado à 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF.
Muitos casos são encerrados na própria delegacia ou são arquivados pelo Ministério Público, por ausência de indícios que levem à produção de provas materiais, uma vez que a maior parte dos abusadores não deixam marcas: quase sempre o crime ocorre entre quatro paredes e não deixa evidências físicas. A pesquisa do Cerevs mostra que 57,6% dos abusados tiveram consequências emocionais e apenas 12,3% físicas.
De acordo com o diretor-geral adjunto da Polícia Civil do DF, Adval Cardoso de Matos, é alta a quantidade de casos em que os investigadores têm convicção de que o crime ocorreu, mas provar o abuso é um desafio quase impossível. Geralmente, quando o fato chega ao conhecimento da polícia já se passou muito tempo, dificultando a reunião de indícios materiais que possam convencer o Ministério Público e depois o Juiz a condenarem o autor. Sem provas materiais resta a palavra da vítima contra a do agressor, em geral uma pessoa respeitada em seu meio social.
A promotora Laís Cerqueira Silva, que coordena o Núcleo de Enfrentamento à Violência e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Distrito Federal, defende mais sensibilidade por parte dos promotores e juízes que lidam com ações dessa natureza. "O processo em si já é uma violência. É preciso tomar as decisões avaliando o fato e todas as circunstâncias. Não se pode partir do pressuposto de que a fala de uma criança tem menos valor que a de um adulto", afirma.
Quando sobrevive ao inquérito da delegacia e à atuação do Ministério Público, a denúncia do abuso esbarra na morosidade do Poder Judiciário. O juiz Francisco de Oliveira Neto, Vice-presidente de Infância e Juventude da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), defende que é preciso criar varas especializadas no atendimento às vítimas de violência dando prioridade na tramitação dos processos. Segundo ele já há um consenso no sentido de que a atuação dos magistrados nesses casos precisa ser completamente diferente daquela relacionada a outros crimes de violência. A boa notícia é que, ainda nesse ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deverá apresentar um plano de ação para que o Judiciário se estruture nesse sentido.
Sem uma mudança de postura tanto da polícia, do Ministério Público e, principalmente do Judiciário, esse crime hediondo, que deixa sequelas irreversíveis, continuará sendo praticado, e, embora perpetuando o ato criminoso incontáveis vezes, seus agressores segirão impunes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário