A perder de vista
Tribunais precisam definir regras claras para impedir que ministros atrasem processos com base em critérios desconhecidos
Talvez o assunto parecesse de somenos aos olhos dos ministros das cortes judiciais brasileiras, mas advogados sempre se incomodaram, ainda que em geral de forma discreta, com uma excrescência dos chamados pedidos de vista.
A ferramenta, é claro, tem seu valor. Durante julgamentos colegiados, qualquer um dos juízes tem a opção de retirar um processo de pauta a fim de estudá-lo melhor. Evitam-se assim, ao menos em tese, decisões tomadas sem um nível satisfatório de informação.
Como seria natural, a apreciação da causa fica interrompida; para evitar excessos, os regimentos internos dos tribunais estipulam um prazo em torno de 20 dias.
Ocorre que, tanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) como no Supremo Tribunal Federal (STF), esse intervalo de tempo tem sido solenemente ignorado. Não por acaso há quem se refira ao mecanismo como "perdido de vista".
De acordo com o estudo "O Supremo e o Tempo", da FGV Direito Rio, dos quase 3.000 pedidos de vista feitos pelos ministros do STF de 1988 a 2013, apenas 22,6% foram devolvidos dentro do prazo.
Para piorar, a grande quantidade de atrasos nem constitui o maior absurdo; este fica por conta da intensidade com que os ministros violam a regra regimental. A depender do tipo de ação, a interrupção do julgamento dura, em média, mais de três anos --o recorde é de uma execução fiscal de 1989, cujo pedido de vista tomou 20 anos.
O STJ vive situação semelhante. Levantamento apresentado pelo ministro Luis Felipe Salomão aponta uma média de quase três anos para a duração dos 6.080 pedidos de vista nos últimos seis anos.
A situação é kafkiana; adia-se o fim do processo de forma indefinida e sem nenhuma explicação. A única coisa que se sabe é por que isso acontece: não existe, na prática, meios de impedir o atraso.
Por essa razão, o STJ estuda mudanças em seu regimento interno. As discussões a esse respeito começaram nesta semana e devem continuar em meados de dezembro.
Espera-se que a maioria dos ministros não ofereça resistência. Trata-se de medida de modernização do Judiciário, não apenas pelo que possa representar para a celeridade na tramitação, mas sobretudo por seu significado em termos de transparência e segurança.
A Justiça não pode conviver com tantos fatores de imprevisibilidade, deixando quem dela depende sem saber se sua ação sumirá da vista por anos a fio.
Tampouco deve aceitar que continue válida esta pergunta impertinente: a quem interessa que certos processos tenham seu desfecho adiado muito além do que as regras republicanas permitiriam?
- Transcrito do jornal Folha de São Paulo de 22.11.2014
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