A judicialização de questões cotidianas decorre de muitos fatores, tais como o aumento do acesso ao Judiciário, com a assistência jurídica gratuita, e a criação dos Juizados Especiais Cíveis pela Constituição Federal de 1988. Fato é que somente no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foram 2.171.800 novos casos no ano de 2017, segundo o levantamento Justiça em Números 2018, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça. Uma ação cível pelo rito comum demora 4 anos e 8 meses para ser sentenciada no TJ-RJ. O índice de sucesso de conciliação é de apenas 11%, revelando um grande desafio para a Justiça brasileira, mas cujas soluções já estão sendo implementadas.
A legislação para a solução de conflitos por outros meios já estava pronta, seja em leis como a de arbitragem, seja nas iniciativas mediatórias do Código de Processo Civil. Daí para que o Judiciário recorresse às novas tecnologias para ajudar nesse trabalho não demorou muito. O TJ-RJ, para ficar no mesmo tribunal cujos dados evidenciam o problema ora em análise, já está utilizando uma ferramenta digital chamada “Centro de Integração Online”, que pode ser acessada pelo site do tribunal ou por aplicativo de celular. Inicialmente, ela visará a solução de conflitos da área de saúde, que geraram uma entrada de 50 mil novas ações em 2018, com o custo médio para o tribunal de R$ 2,9 mil por processo.
O TJ-RJ espera que essa ferramenta permita resolver um problema da área de saúde em até três horas, evitando a judicialização da demanda e promovendo uma solução que dá segurança jurídica a todos os envolvidos. Foi neste mesmo sentido que o Conselho Nacional de Justiça lançou, em fevereiro, seu Laboratório de Inovação, com um centro de inteligência artificial para reunir iniciativas que utilizem solução tecnológica para a pesquisa e a produção de serviços inteligentes para auxiliar na construção e aprimoramento de módulos do processo judicial eletrônico.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais desenvolveu uma solução de tecnologia batizada de Radar, capaz de ler processos e identificar se o processo se repete na Justiça e o entendimento a ser aplicado, com base no Superior Tribunal de Justiça, no Supremo Tribunal Federal ou no próprio TJ-MG. Assim, o robô sugere um padrão de voto que é revisado pelo relator. Na primeira vez em que foi usado, em novembro do ano passado, em uma sessão-piloto, o colegiado da 8ª Câmara Cível julgou, em menos de um segundo, 280 processos similares. “Queremos ser os Jetsons, não os Flintstones”, disse o vice-presidente do TJ-MG.
O ministro do STF Luiz Fux produziu um ensaio sobre o reflexo da inteligência artificial no Direito em que reúne exemplos de sucesso da aplicação das chamadas lawtechs no Judiciário brasileiro, com destaque para o robô Victor, usado pelo Supremo. Ele ajuda na avaliação do enquadramento dos recursos em relação aos principais temas de repercussão geral fixados pelo tribunal, bem como separa e classifica as peças mais relevantes do processo judicial. Essa tarefa a máquina faz em cinco segundos, um trabalho que antes era feito por servidores em aproximadamente 30 minutos.
O ministro também lembrou do advogado-robô Ross, criado pela IBM e usado por uma das maiores bancas dos Estados Unidos, a Baker & Hostetler.
No que diz respeito aos advogados, as principais faculdades de Direito já despertaram para a importância de enfatizar na formação dos futuros profissionais a capacidade de conciliar e recorrer a técnicas de mediação. O ensino não pode mais preparar o advogado somente para litigar. Direito já não é mais sinônimo de processo.
O advogado precisa entender as novas ferramentas conciliatórias e enxergá-las não como ameaça ao seu trabalho, mas como novas oportunidades para sua execução. Não é por acaso que o mercado de lawtechs está em franca expansão. Antes do que se pode imaginar, a judicialização será uma exceção na Justiça brasileira, o que permitirá que ela se torne mais célere e capaz de responder ao clamor social por meios mais eficientes para a solução de conflitos.
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