Invocar a gravidade do fato sob investigação tem sido usado por alguns juízes como fundamento para decretar prisão preventiva, como garantia da ordem pública. Principalmente nos casos de grande repercussão, onde fatos e suposições são impulsionados pela mídia. A potencialização e o exagero estabelecem a noção de que é necessário prender o acusado. Não há um crivo sobre o cabimento da prisão, nem se a decisão é justa ou correta.
O ordenamento processual brasileiro prevê quatro motivos para que se decrete a medida extrema da prisão cautelar: a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Mas, sob o fundamento da “garantia da ordem pública”, usam-se questões de cunho emocional, como a gravidade do delito, a repercussão social, o número de vítimas ou a qualidade destas — idosos, crianças etc. Fatos que não guardam relação com o fundamento previsto no Código de Processo Penal. A garantia da ordem pública está relacionada aos casos em que a segregação cautelar é necessária para que não ocorram os chamados atos repetitivos, isto é, que o indivíduo, solto, continue cometendo crimes. Fora desses casos, a medida se torna despicienda e ilegal.
Distorcendo o que diz a lei, ou melhor, dando interpretação de “proteção social” ao fundamento da prisão por garantia da ordem pública, alguns julgadores decretam a medida excepcional como resposta à comoção social. Ou seja, para aplacar o sentimento de frustração da sociedade. A prisão preventiva serviria assim como um “remédio” à sociedade, que se sentiria mais tranquila porque houve a segregação do “malfeitor”. Não há, na maioria dos casos, indagação sobre os requisitos insertos no artigo 312 do Código de Processo Penal, mas tão-somente uma ideia de responder rapidamente aos anseios da população, como se o julgador pudesse de alguma forma medi-los.
É como se a segregação antecipada do investigado/acusado nos casos de comoção social, ainda que se fira frontalmente o princípio constitucional da presunção de inocência, servisse de exemplo da aplicação da lei. Nesses casos, o que vale é a gravidade do delito, ou a sua repercussão social, ainda que concretamente não se tenha nenhum indício de que o encarcerado, solto, possa representar um perigo à sociedade. Vale a presunção de perigo, ou melhor, a pronta resposta ao que o juiz entende por ser o reclame social.
Nessa linha de argumentação, algumas prisões decretadas na operação apelidada de “lava jato” estariam justificadas pelos atos possivelmente repetitivos, isto é, de que, soltos, os investigados pudessem seguir com as supostas atividades criminosas. Nesse primeiro tópico, observa-se que muitas vezes se trata de suposição sem qualquer suporte fático.
Outro fundamento comum é da preservação da prova. Em relação a esses casos, observa-se, na prática, que vem sendo aplicado esse motivo mesmo quando toda a prova já foi colhida, no momento da decretação. Mais estranha ainda a argumentação baseada na garantia de aplicação da lei penal, como se não houvessem outros meios menos gravosos, como retenção do passaporte ou até mesmo monitoramento eletrônico para garantir a sujeição à jurisdição brasileira. O mais grave, neste último caso, é que, na grande maioria das vezes, nem sequer existe indício de risco de evasão, prestando-se para isso a mera presunção baseada no “alto poder aquisitivo” do indivíduo.
Restaria, por fim, a garantia da ordem econômica, porém, no nosso ponto de vista, tal fundamento consiste em espécie de bis in idem da proteção da ordem pública, e, além disso, o sequestro de bens seria suficiente para evitar o dano à dita ordem econômica. Se há uma constrição de patrimônio do investigado, ou quando ele mesmo se dispõe a entregar como garantia ao Estado, não se justifica a restrição da liberdade com esse fundamento.
Ainda há resistência à previsão de aplicação das cautelares alternativas à prisão. Embora a lei que instituiu tais medidas como primárias seja de 2011. As cautelares permitem ao investigado ficar em liberdade no transcurso da investigação ou do processo, desde que atendidas as condições que lhe foram impostas, até que o mérito de eventual ação penal seja julgado.
A incompatibilidade da prisão preventiva com a presunção de inocência revela-se ainda mais grave quando se tem em conta a referência à função de alarme social. Como já mencionamos, parte-se de um dado emotivo, instável e sujeito a manipulações para impor, na verdade, a consciência do juiz em relação à necessidade da prisão, isso tudo de forma sumária, sem processo e sem os princípios que o norteiam.
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal tem corrigido as distorções e excessos desse ímpeto prisional — ainda que sob duras críticas —, superando, inclusive, a Súmula 691, por entender que os tribunais inferiores tardam muito em analisar o mérito do writ, o que alongaria a prisão preventiva por um prazo indeterminado.
É bem verdade que há uma divisão na suprema corte, onde as posições são contraditórias não só em relação à superação da Súmula 691, mas também em relação à manutenção da liberdade de investigados/processados que tiveram a liminar concedida anteriormente por decisão monocrática. A dita súmula termina por servir de fundamento para impedir o exame de mérito sobre a real necessidade da medida extrema, em outras palavras, se os requisitos ainda se encontram presentes. Esse preciosismo jurídico tem levado de volta ao cárcere pessoas que já se encontravam em liberdade por um bom período de tempo sem que fossem descumpridas as cautelares alternativas à prisão que lhes foram impostas.
Não é possível, nessa quadra da história, que tenhamos que esperar por meses a publicação de um acórdão para que se tenha a possibilidade jurídica de atacar o decreto prisional. Em muitos casos a superação da súmula é imperiosa para o restabelecimento da justiça. O critério para decretação da prisão cautelar não deve ser emocional, mas racional.
Revista Consultor Jurídico, 11 de setembro de 2018.
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