terça-feira, 30 de maio de 2017

De cada três leis, duas foram julgadas inconstitucionais pelo STF em 2016

Por Robson Pereira
Mais da metade das leis questionadas em sua constitucionalidade e julgadas no mérito pelo Supremo Tribunal Federal em 2016 foram retiradas do ordenamento jurídico. Em 68 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) entre as mais de 1.700 em tramitação analisadas pelo Plenário da corte, foi questionada a constitucionalidade de 62 leis, das quais 41 foram consideradas inconstitucionais, de acordo com levantamento do Anuário da Justiça. Ou seja, de cada três normas analisadas, duas foram consideradas em desconformidade com a Constituição.
O controle concentrado de constitucionalidade de leis aprovadas pelo Legislativo e julgadas pelo Judiciário criou tensão entre os poderes. Foi o caso da ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 402) ajuizada pela Rede Sustentabilidade com o pedido de afastamento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) do cargo de presidente do Senado. Em decisão liminar, o ministro Marco Aurélio acatou o pedido, sob a alegação de que, ao se tornar réu em decorrência do Inquérito 2.593, o senador não preenchia as condições para figurar na linha de sucessão do presidente da República. Chamado às pressas para analisar o mérito da questão, o Plenário do Supremo manteve a proibição, mas deixou de referendar a parte da decisão monocrática que ordenava o afastamento imediato de Renan Calheiros da Presidência do Senado, nos termos do voto produzido pelo ministro Marco Aurélio.
Das 68 ADIs julgadas no mérito pelo Supremo em 2016, 40 (59%) foram consideradas procedentes, no todo ou em parte. Outras 53 ADIs chegaram a ser incluídas na pauta de julgamento do Plenário, mas tiveram o prosseguimento cancelado ou foram extintas sem análise do mérito, quase sempre por ilegitimidade da parte autora ou por perda do objeto — que ocorre quando a lei ou o dispositivo impugnado já não existe mais no universo jurídico.
A maior taxa de sucesso no questionamento de leis, em tese, foi registrada pela Procuradoria-Geral da República, com dez ações propostas e nove delas consideradas procedentes (90%). As confederações patronais foram responsáveis pelo maior número de ADIs ajuizadas no Supremo (17 no total), conseguindo vitórias em 12 delas (70%). Nas quatro vezes em que questionou a validade de leis no Supremo, o Conselho Federal da OAB conseguiu apenas uma vitória (25%).









Na única vitória obtida no Supremo, a OAB derrubou lei que autorizava a Assembleia Legislativa do Pará a pagar aos seus deputados subsídios variáveis por participação em sessões extraordinárias. Na ADI 4.509, proposta em dezembro de 2010, a OAB viu reconhecida pelo STF a tese de que a Constituição Federal proíbe a percepção de qualquer parcela indenizatória por convocação extraordinária para deputados federais e senadores, vedação que se estende aos deputados estaduais.
Entre as 68 ADIs julgadas no mérito, apenas cinco foram ajuizadas em 2016, e outras nove chegaram ao Supremo em 2015. Mais da metade dos casos (38) deu entrada antes de 2010 e quando chegaram ao Plenário já estavam com os efeitos suspensos por decisões liminares.
Cinco ADIs foram ajuizadas para questionar pontos das novas regras para a propaganda eleitoral gratuita aprovadas na minirreforma eleitoral (Lei 13.165/2015). Uma delas (ADI 5.423) questionava a distribuição de tempo para propaganda eleitoral e as demais (ADIs 5.487, 5.488, 5.491 e 5.577) a participação de candidatos nos debates eleitorais. Por maioria de votos, o Plenário decidiu que os candidatos que têm participação garantida pela norma em debates eleitorais não podem vetar a presença de outros, convidados pela emissora organizadora dos debates, mesmo que esse convidado não atenda ao requisito legal que garante a participação no evento. A lei diz que a participação em debates está assegurada para candidatos de partidos que possuam um mínimo de dez deputados na Câmara dos Deputados, facultada a participação dos demais pretendentes.
O STF manteve, no entanto, as regras de distribuição de tempo da propaganda eleitoral, ao considerar improcedente ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN). Para a maioria dos ministros, a distribuição do tempo de maneira proporcional ao número de representantes na Câmara dos Deputados respeita os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. Marco Aurélio e Celso de Mello divergiram dos demais nesse ponto, por entenderem que um tempo maior de propaganda para os maiores partidos impõe uma barreira insuperável aos partidos minoritários e rompe a igualdade de participação dos que atuam no processo eleitoral.
A Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel) também atuou em bloco no Supremo Tribunal Federal e conseguiu anular leis estaduais que obrigavam a instalação de bloqueadores de sinais de telefones celulares em presídios no Paraná, na Bahia, em Santa Catarina e em Mato Grosso do Sul. A primeira dessas ações (ADI 3.835) questionava a Lei 3.153/2005, de Mato Grosso do Sul.
Por maioria de votos e sob o fundamento de que a lei invade a competência privativa da União para legislar em matérias relativas a telecomunicações, além de criar para as operadoras obrigação diretamente relacionada ao objeto da concessão do serviço móvel pessoal, a norma estadual foi declarada inconstitucional.
Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber, que defenderam a tese de que a distribuição de competência entre os diversos entes federativos não deveria se dar apenas sob o ponto de vista da predominância de interesses, havendo espaço nos quais os entes poderiam se sobrepor a áreas de competências de outros entes. Em anos anteriores, o STF já havia declarado a inconstitucionalidade formal e suspendido a vigência de normas estaduais e distritais que interferiam diretamente na prestação da atividade desempenhada pelas concessionárias de serviços de telecomunicação. Para o STF, em situações que envolvam possível interdisciplinaridade, as questões relacionadas ao interesse geral ou nacional deveriam ser tratadas de maneira uniforme no país inteiro e não isoladamente por cada ente da Federação.
Teve grande repercussão jurídica o julgamento conjunto de quatro ADIs (2.386, 2.397, 2.390 e 2.859) contra o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001, que permite aos órgãos da administração tributária requisitar aos bancos informações sobre transações financeiras de contribuintes sem necessidade de autorização judicial. Por maioria de votos, vencidos os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, o Plenário acompanhou o relator, ministro Dias Toffoli, e decidiu pela improcedência das ações.
Toffoli sustentou a tese de que a entrega das informações ao Fisco não configura quebra de sigilo bancário, e sim “transferência de dados sigilosos de um determinado portador, que tem o dever de sigilo, para outro, que mantém a obrigação de sigilo, permanecendo resguardadas a intimidade e a vida privada do correntista, exatamente como determina o artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal”. Destacou, ainda, dois elementos em seu voto: a inexistência de violação de direito fundamental (nesse caso, à intimidade) nos dispositivos questionados e a confluência entre o dever do contribuinte de pagar tributos e o do Fisco de tributar e fiscalizar. Ele também ressaltou que a Receita tem a obrigação do sigilo fiscal e que os dados bancários não são, em tese, divulgados.
Decano do STF, o ministro Celso de Mello acompanhou a divergência aberta pelo ministro Marco Aurélio e votou pela necessidade de ordem judicial para que a Receita Federal tenha acesso aos dados bancários dos contribuintes. Para o decano, a quebra de sigilo deve se submeter ao postulado da reserva de jurisdição, só podendo ser decretada pelo Poder Judiciário, que é terceiro desinteressado, devendo sempre ser concedida em caráter de absoluta excepcionalidade. “Não faz sentido que uma das partes diretamente envolvida na relação litigiosa seja o órgão competente para solucionar essa litigiosidade”, alertou.
Para o ministro Marco Aurélio, “a quebra de sigilo não pode ser manipulada de forma arbitrária pelo poder público”. Criticou a virada na jurisprudência, já que em 2010, seguindo o seu voto, o tribunal entendeu ser inconstitucional a quebra de sigilo sem autorização judicial. Atribuiu o resultado à nova composição do Plenário, “talvez colocando-se em segundo plano o princípio da impessoalidade”. Para o vice-decano, quem detém a prerrogativa de quebrar o sigilo bancário é o Poder Judiciário, “mesmo assim limitado pela Constituição”.
Ao julgar a ADI 1.532, o STF anulou a eleição da nova administração do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 5 de dezembro de 2016, vencida pelo desembargador Luiz Zveiter. Zveiter, que presidira a corte de 2009 a 2011, participou do pleito respaldado pela Resolução 1/2014, do TJ-RJ, que alterou a regra vigente para permitir um novo mandato a ex-presidentes do tribunal, “desde que observado o intervalo de dois mandatos”.
Em 2015, a PGR ajuizou a ação no Supremo arguindo a inconstitucionalidade da norma, por contrariar o artigo 102 da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979), que veda a reeleição para cargos de direção dos Tribunais de Justiça. O mérito da ação foi julgado nove dias depois da eleição de Zveiter, com o STF reconhecendo a ilegalidade da norma. Relatora da ADI, a ministra Cármen Lúcia destacou no voto que, ao permitir nova eleição de desembargador para cargo no órgão diretivo do tribunal, mesmo se observando o intervalo de dois mandatos, “o Plenário do TJ-RJ inovou e, dessa forma, contrariou as balizas fixadas pela Loman”. A decisão do Supremo levou o TJ-RJ a realizar nova eleição, vencida pelo desembargador Milton Fernandes, que vai comandar a corte fluminense no período 2017/2018.
 é editor do Anuário da Justiça.
Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2017.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

CNJ Serviço: O que são e como devem ser pagos os precatórios

Imagine a seguinte situação hipotética: um morador do Distrito Federal, proprietário de uma chácara, tem parte do terreno desapropriado pelo governo do DF para a construção de uma rodovia. Ao ter o terreno desapropriado, o morador recebe do governo uma indenização, que o proprietário considera ser abaixo do valor devido.
O morador ajuíza, então, uma ação na Justiça para questionar o valor recebido e pleitear o recálculo da indenização. Ao final do processo, caso o proprietário consiga uma vitória, o valor a mais devido pelo governo do Distrito Federal ao dono do terreno deverá ser pago por meio de um precatório.
A  situação serve para ilustrar apenas uma das hipóteses em que uma ação na Justiça pode ter como resultado final a emissão de um precatório. Precatórios são ordens de pagamento emitidas pelo Poder Judiciário para quitar dívidas do governo federal, estadual, municipal ou distrital, e de suas autarquias e fundações, decorrentes de uma condenação judicial transitada em julgado, ou seja, que não admite mais qualquer tipo de recurso. 
O precatório é expedido pelo presidente do tribunal onde o processo tramitou, podendo haver precatórios da Justiça estadual, federal ou trabalhista, a depender do direito que está sendo discutido na ação judicial. 

Gestão de precatórios

Cabe aos Tribunais de Justiça estaduais organizar e manter listas únicas com os precatórios devidos pelo estado e pelos municípios que estão sob sua jurisdição. Ao expedir a ordem de pagamento contra a Fazenda Pública, o tribunal dá início a um processo de precatório, que recebe numeração própria e é incluído em uma lista organizada por ordem cronológica, conforme estabelece o artigo 100 da Constituição Federal
Para cada ente devedor, o tribunal deve manter uma única lista organizada em ordem cronológica, tendo, os precatórios de natureza alimentar, preferência sobre os de natureza comum. São precatórios de natureza alimentar aqueles oriundos de processos que discutem salários, vencimentos, proventos, pensões, benefícios previdenciários e indenizações por morte e invalidez. Todos os demais são de natureza comum, como, por exemplo, decisões sobre desapropriações, repetição de tributos, indenizações por dano moral, etc.
De acordo com a Constituição Federal, a quitação dos precatórios deve obedecer a ordem cronológica, devendo ser quitados, primeiramente, os de natureza alimentar e depois, os não-alimentares. Já o pagamento de dívidas judiciais de menor valor, as chamadas requisições de pequeno valor (RPVs), é regulamentado pelo novo Código de Processo Civil (CPC), que determina que o pagamento seja feito no prazo máximo de dois meses contados desde a entrega da requisição. No caso das RPVs, o pagamento é ordenado pelo juiz de 1º grau.
O teto máximo para pagamento por meio de RPVs é definido por lei própria de cada ente federativo, levando em conta as diferentes capacidades econômicas. No caso do DF, por exemplo, condenações de até 10 salários mínimos são pagas por meio de RPVs. O restante é pago com precatórios.

Legislação

Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 62, de 9 de dezembro de 2009, que alterou o artigo 100 da Constituição, foi instituído o chamado "regime especial" de pagamentos, que determinou a cada ente devedor de precatórios a fixação de um percentual de sua receita corrente líquida a ser repassado para o Tribunal de Justiça local para o pagamento de precatórios. A Emenda também instituiu a possibilidade do acordo direto entre o Governo e seus credores de precatórios, entre outras ferramentas de pagamento.
Em 2015, parte da Emenda n. 62 foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Uma das mudanças definidas no julgamento foi consolidada na recente Emenda Constitucional n. 94, de 15 de dezembro de 2016: a obrigação de que o acervo da dívida, ou seja, aqueles precatórios pendentes de pagamento até 25 de março de 2015, seja quitado até 31 de dezembro de 2020.
A Emenda n. 94 também determina que cada devedor estabeleça um plano de pagamento dos precatórios pendentes, homologado e acompanhado pelo presidente do Tribunal de Justiça. A ausência do plano pode resultar no sequestro de valores do ente devedor e na responsabilização do chefe do Poder Executivo por ato de improbidade administrativa (art. 104, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), sem prejuízo de crime de responsabilidade do próprio presidente do TJ (art. 100, §7º, da Constituição Federal). 
Ao tratar do percentual da receita corrente líquida do ente devedor a ser destinado ao pagamento de precatórios, a emenda fala em "percentual suficiente para a quitação", dando ênfase para que a quitação plena das dívidas ocorra até 31 de dezembro de 2020. Além disso, autoriza que até 50% dos valores destinados ao pagamento de precatórios vá para acordos diretos entre o credor e o devedor, com deságio máximo de até 40% do crédito atualizado. Nesse caso, é necessário que o Poder Executivo local regulamente a realização dos acordos.
Precatórios de natureza alimentar devidos a pessoas com 60 anos de idade ou mais ou portadores de doenças graves continuam tendo preferência no recebimento dos valores, no limite de três vezes o valor da RPV. São os chamados créditos superpreferenciais. A Emenda n. 94 estende o benefício também aos portadores de deficiência.
Por fim, a Emenda determina que o pagamento de precatórios seja feito por meio de recursos orçamentários próprios, mas permite, como suplemento, o uso de outros instrumentos financeiros, como parte do montante dos depósitos judiciais e administrativos em dinheiro nos quais a Fazenda Pública e suas empresas estatais sejam parte e também uma parcela dos depósitos judiciais referentes a processos entre particulares. A Emenda n. 94 permite ainda a contratação de empréstimos além dos limites autorizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Agência CNJ de Notícias
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sábado, 27 de maio de 2017

Freio à judicialização

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou decisão drástica para estancar a chamada judicialização da saúde: suspendeu todas as ações de fornecimento pelo poder público de medicamentos que não se encontram na lista oficial do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os pedidos com decisão favorável se multiplicam, e o ônus para as três esferas de governo já monta a R$ 7 bilhões por ano.
Verdade que as decisões individuais dos magistrados podem estar apoiadas em razão humanitária —minorar o sofrimento de doentes e seus familiares.
O efeito sistêmico do agregado de sentenças, entretanto, introduz uma injustiça com o conjunto dos usuários do SUS, mais de 70% dos brasileiros. Com a despesa adicional criada pela judicialização, restringe-se a verba disponível para melhorar um atendimento que está muito longe de ser ideal.
Mais ainda, há indicações de que várias decisões carecem de embasamento técnico e até de bom senso. Há juízes, por exemplo, que mandam prover itens como fraldas e outros artigos de higiene.
Ainda mais graves são as sentenças que determinam a distribuição de remédios que não contam com licença da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Aqui, o magistrado atropela a própria ordem jurídica, ao referendar drogas de venda ilegal, e solapa a autoridade de um órgão crucial para a segurança do cidadão.
Não se trata de presumir que as instâncias burocráticas do SUS e a própria Anvisa não cometam falhas. Há queixas contra a morosidade de todas na incorporação de medicamentos inovadores na relação dos distribuídos de graça.
A solução para o mau desempenho dos gestores de saúde, todavia, não cabe ao Judiciário. A algaravia de decisões isoladas jamais comporá uma política responsável para o dispêndio dos recursos finitos do contribuinte.
A suspensão determinada pelo STJ, de maneira prudente, mantém uma porta aberta para casos de real gravidade. Exige, contudo, que o paciente comprove a urgência da demanda e especifique a eficácia e a segurança do medicamento.
Falta agora o tribunal dar uma decisão definitiva, de maneira a uniformizar as situações em que juízes podem desconsiderar as normas do SUS. O dever do serviço público é atender todos os brasileiros necessitados, da melhor maneira possível, e não cada particular, em detrimento da coletividade.

(Transcrito do jornal Folha de São Paulo, de 27.05.2017)

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Práticas de Justiça Restaurativa contra violência doméstica

Cármen Lúcia: "Justiça restaurativa pela Paz em Casa"


Em reunião com os coordenadores estaduais da Mulher em Situação de Violência Doméstica, ocorrida nesta sexta-feira (26/5), a presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, sugeriu a inclusão das práticas da Justiça Restaurativa no combate à violência doméstica contra a mulher. 
A ministra ponderou que essa ação poderá fazer parte da programação da próxima edição da Semana Justiça Pela Paz em Casa, que ocorrerá entre os dias 21 e 25 de agosto.Cármen Lúcia também apresentou aos magistrados questionário a ser respondido pelas coordenadorias estaduais durante a Semana Justiça Pela Paz em Casa.
Na reunião, ocorrida na sala da presidência do STF, a ministra defendeu a utilização das técnicas da Justiça Restaurativa na recomposição das famílias que vivenciam o drama da violência doméstica em seu cotidiano. Ela reforçou a importância do foco familiar no combate à violência ao lembrar que, nessas situações, todos são atingidos e, mais profundamente, as crianças.
 “Temos de defender e cuidar também dos mais vulneráveis, aqueles que podem virar presas fáceis do vício e do tráfico de drogas, além de abusos físicos e psicológicos”, disse. 

Sensibilidade

A Justiça Restaurativa é uma técnica de auxílio na solução de conflitos que tem como foco a escuta das vítimas e dos ofensores; ela tem sido utilizada em diversos casos, inclusive na resolução de crimes contra a vida. A prática é incentivada pelo CNJ por meio do Protocolo de Cooperação para a difusão da Justiça Restaurativa. Nos casos de violência doméstica, a técnica tem como objetivo restabelecer o respeito entre as relações familiares, mas não significa restaurar a relação. 
O presidente do Fórum Nacional de Violência Doméstica (Fonavid), Deyvis Marques, juiz do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), elogiou a proposta apresentada pela ministra Cármen Lúcia e explicou que o uso das técnicas da Justiça Restaurativa no combate à violência doméstica é fundamental para expandir o trabalho de apoio à família como um todo e contribuir na pacificação da sociedade. “Ainda que cesse a relação de convívio com o homem, muitas vezes há vínculos que serão eternos. Estamos lidando com mães, pais, filhos, avós. E essas relações precisam ser restabelecidas, pacificadas. Os vínculos familiares vão continuar”, disse.

Justiça

A ministra mencionou, ainda, que o número de casos sobre violência doméstica que chegam ao Judiciário só cresce e que, com isso, cresce também a responsabilidade dos juízes. “Não sabemos se aumentaram os registros ou se, de fato, a violência recrudesceu. Sabemos que cada dia mais a família precisa de apoio e nós precisamos atuar não só resolvendo um direito, mas fazendo a Justiça, recompondo esse tecido rasgado. Um juiz é como um ativista pela paz e deve agir para restaurar e pacificar a comunidade”, afirmou. 
A ministra defendeu ainda empenho dos tribunais na criação de mais varas exclusivas de violência doméstica no país. Atualmente, há apenas 115 unidades nesse perfil. “Entendo que elas são especiais e que por demandarem profissionais multidisciplinares dificulta sua criação, mas precisamos de juízes e servidores com um perfil específico para lidar com esse tema. Muitos deles não estão preparados e atuam com preconceito contra a própria vítima, a mulher”, disse. 

Questionário

Durante as três edições anuais das semanas Justiça Pela Paz em Casa, ficou estabelecido que os tribunais deverão responder um questionário, elaborado pelo Departamento de Pesquisa Judiciária (DPJ- CNJ), com dados sobre a situação das varas e juizados no período imediatamente anterior ao do esforço concentrado, assim como informações sobre dados obtidos durante a semana especial, como número de magistrados que atuaram na Semana, número de audiências realizadas, despachos proferidos, sentenças em casos de feminicídio e de medidas protetivas concedidas.   
O levantamento de dados judiciais e processuais nos casos envolvendo violência doméstica permitirá melhor acompanhamento do trabalho da Justiça nessa área e de melhores políticas públicas, consequentemente. A ministra pediu que o questionário seja respondido com extremo cuidado por todos os tribunais “a fim de evitarem inconsistências nos dados”.
    
Regina Bandeira 
Agência CNJ de Notícias
  


quarta-feira, 24 de maio de 2017

Tribunais debatem no CNJ como tratar ações de repercussão geral

Membros de tribunais de Justiça de todo o país se reuniram ontem no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília, para discutir como lidar com as ações de repercussão geral. O instrumento foi criado em 2004 para transformar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre determinados processos em uma resposta única da Justiça para milhares de causas idênticas. 
O déficit de pessoal para lidar com o tema em muitos tribunais, no entanto, foi apontado pelos juízes e servidores da Justiça Estadual presentes à reunião como principal empecilho para a efetividade do instituto da repercussão geral. 

Criado para tornar a Justiça mais célere, a repercussão geral leva o STF a decidir, por meio do julgamento de um único processo, qual posicionamento os tribunais de instâncias inferiores devem adotar ao julgar causas idênticas àquela (leading case) julgada pelo Supremo. Esses casos são escolhidos por terem reconhecida relevância econômica, política, social ou jurídica, além de guardar semelhança com um grande número de ações que tramitam em instâncias inferiores. A concessão de medicamentos reclamada em ações públicas, por exemplo, predomina entre os temas dos recursos parados na Justiça de Pernambuco, enquanto a contratação de pessoal para o setor público concentra 70% das ações sobrestadas no Judiciário acreano, à espera de decisão do Supremo Tribunal Federal.  

Embora eficiente na teoria, a repercussão geral ainda não produziu impacto na quantidade de processos em andamento na Justiça – cerca de 73,9 milhões de processos aguardavam solução da Justiça ao final de 2015, de acordo com os dados mais recentes. Muitos deles (935 mil, no último dia 27 de abril, de acordo com estatísticas do STF) estão com a movimentação suspensa até que o Supremo tome uma decisão a respeito.
O encontro de terça-feira (23/5) serviu para buscar quais motivos explicam a falta de efetividade do mecanismo e formas de o CNJ e o STF auxiliarem os tribunais a dar vazão a mais demandas da sociedade, especialmente aos processos sobrestados após julgamento no Supremo Tribunal Federal. 

Pessoal

Na reunião, os representantes dos tribunais de Justiça reclamaram de pouco efetivo para dar conta da missão, que envolve identificar quais processos no tribunal são abrangidos pelas decisões de repercussão geral, informar os juízes a respeito e conferir a posterior aplicação do entendimento da Suprema Corte, entre outras tarefas. Embora o advento da repercussão geral date de 2004, quando da publicação da Emenda Constitucional n. 45, que seria regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça em 2016, repercussão geral ganhou um setor próprio na Justiça do Maranhão há duas semanas, com a lotação de apenas um servidor. A carência de quadros é um problema também dos tribunais de Alagoas (TJAL), Minas Gerais (TJMG), Pernambuco (TJPE) e Rio Grande do Norte (TJRN).

Precisão

“Reforço a importância da catalogação correta do processo, com o cuidadoso preenchimento de informações sobre cada ação nos tribunais. Temos de ser capazes de identificar quais processos serão afetados por julgamentos de repercussão geral, especialmente agora em momento de restrição orçamentária, pois o andamento de processos gera elevados gastos para a Justiça”, disse o secretário-geral do CNJ, Júlio Andrade. 

Soluções

Alguns tribunais revelaram estratégias próprias para contornar o problema. No Tribunal de Justiça de Roraima, o cadastramento não cabe mais aos juízes ou a seus subordinados, e sim ao Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (NUGEP) local. No Tribunal de Justiça do Maranhão, uma gratificação é paga aos servidores para estimulá-los a preencher corretamente os cadastros.
O acervo gerado pelos sobrestamento de processos de repercussão geral reflete nas finanças da Justiça. O TJMG gasta milhares de reais anualmente para manter em galpões alugados seus processos suspensos, de acordo com seu representante, desembargador Afrânio Vilela. No Judiciário do Paraná, uma empresa de logística teve de ser contratada para separar, nos depósitos do tribunal, quais processos estão sujeitos ao alcance da repercussão geral dentre um acervo de 26 mil ações em papel, de acordo com o juiz do TJ do Paraná, Victor Martim.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias 




terça-feira, 23 de maio de 2017

Prisões preventivas X Devido processo legal

DEVIDO PROCESSO

"Nada pode justificar" preventivas de longa duração, diz Celso de Mello



Alongar preventiva sem justificativa atenta contra princípio constitucional da dignidade humana, afirma Celso de Mello.

O ministro concedeu o Habeas Corpus nesta segunda-feira (22/5) por entender que ficou configurado “excesso de prazo” numa preventiva que já dura quatro anos. Prisões processuais, diz Celso, não podem ter duração indeterminada “sob pena de consagrar-se inaceitável prática abusiva de arbítrio estatal, em tudo incompatível com o modelo constitucional do Estado Democrático de Direito”.
A decisão é mais uma crítica às prisões provisórias por parte do Supremo. Não é um posicionamento novo por parte do ministro e nem uma prática nova por parte dos entes estatais – 44% dos quase 700 mil presos do Brasil ainda não têm condenação, segundo dados do Ministério da Justiça.
Mas as críticas, especialmente por parte do decano do STF, têm se intensificado. No despacho desta sexta, Celso escreveu que “a duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém, como sucede na espécie, ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial”.
O ministro discute ainda o fato de não haver regra sobre a duração das prisões processuais no Brasil. Mas a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, diz, no item 5 do artigo 7º, que toda pessoa presa “deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade”.
Portanto, analisa o ministro, a alternativa à prisão processual alongada sem justificativa é a liberdade. “Isso significa, portanto, que o excesso de prazo, analisado na perspectiva dos efeitos lesivos que dele emanam – notadamente daqueles que afetam, de maneira grave, a posição jurídica de quem se acha cautelarmente privado de sua liberdade –, traduz, na concreção de seu alcance, situação configuradora de injusta restrição à garantia constitucional do due process of Law [devido processo legal].”
Revista Consultor Jurídico, 22 de maio de 2017.

Blindada a delação da JBS é ilegal e inconstitucional

Por Pedro Canário

A delação premiada dos donos do Grupo J&F chamou atenção de advogados pela eficiência. Os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da empresa, confessaram à Procuradoria-Geral da República terem pagado cerca de R$ 600 milhões como suborno a mais de 1,8 mil pessoas para facilitar os negócios de suas empresas. Mas, como resolveram delatar outros envolvidos e pagar multa de R$ 110 milhões cada um, receberam da PGR a garantia de que não serão mais denunciados, seus processos serão perdoados e ainda garantiram a permissão de morar fora do Brasil.

Fachin não viu ilegalidades e nem inconstitucionalidades nos termos da delação da JBS.
Rosinei Coutinho/SCO/STF

acordo foi homologado pelo ministro Luiz Edson Fachin, relator dos processos no Supremo Tribunal Federal, e não há muitas saídas jurídicas para questionar seus termos – a jurisprudência do STF define que terceiros, ainda que acusados por delatores, não têm interesse processual para questionar cláusulas de acordos de delação. Mas criminalistas ouvidos pela ConJur acreditam que os envolvidos se aproveitaram da falta de previsões legais concretas para assinar uma delação desproporcional.
De acordo com a cláusula 4ª do acordo, com a entrega de informações pelos irmãos, a PGR oferece a eles “o benefício legal do não oferecimento de denúncia”. O parágrafo único dessa cláusula diz que, “no caso de existirem investigação criminal e/ou denúncias já oferecidas” em outras instâncias, o benefício dado aos delatores será, “no caso das investigações, a imunidade”, e, no caso de denúncias já oferecidas, “o perdão judicial”.
A cláusula 10 é que permite que eles morem fora do Brasil. A proposta original da dupla era que o acordo dissesse expressamente que a PGR não se oporia a que os delatores fixassem residência em outro país. A PGR sugeriu mudar a redação desse trecho para dizer que o Ministério Público Federal providenciará quaisquer medidas de segurança exigidas pelos delatores, suas famílias e seus defensores. E já foi divulgado para a TV Globo que os irmãos
vêm sofrendo ameaças por causa do que contaram à Justiça.
O problema está na adequação da realidade à norma. A Lei das Organizações Criminosas, que sistematizou a delação premiada no Brasil, só prevê o não oferecimento de denúncia em dois casos: se o delator em questão for o primeiro a fazer o acordo e se ele não for o líder da organização criminosa, conforme dizem os dois incisos do parágrafo 4º do artigo 4º da lei.

Ineditismo dos fatos levados por delatores à PGR justifica perdão judicial, afirma Janot.
Jefferson Rudy/Agência Senado

No pedido de homologação do acordo enviado a Fachin, o procurador-geral, Rodrigo Janot, afirma que, “em razão do ineditismo” dos fatos descritos pelos delatores, “a premiação pactuada entre as partes signatárias dos acordos foi o não oferecimento de denúncia em face dos colaboradores”.
Fachin não entrou em grandes discussões jurídicas na análise do pedido de homologação. Apenas disse que a jurisprudência do Supremo é a de que, nessa fase, o Judiciário não faz qualquer juízo sobre o conteúdo dos depoimentos, apenas analisa a legalidade e a voluntariedade do acordo. “Não depreendo contrariedade com o Texto Constitucional e com as leis processuais penais”, escreveu o ministro.
Mesa de negociação
Para o advogado Luís Henrique Machado, doutorando em Direito Penal na Universidade Humboldt de Berlim, o problema do acordo está na negociação. “Além de ilegal, o acordo é inconstitucional.”
No pedido de homologação, Janot afirma que a delação dos irmãos batista é inédita porque trouxe elementos de crimes que ainda estavam para ser cometidos e revelou fatos ainda desconhecidos pelos investigadores. O grande trunfo do pedido é o fato de Joesley já ter aparecido para negociar com diversas provas em mãos, envolvendo inclusive o presidente Michel Temer.
“A negociação de um acordo de delação não envolve apenas o tamanho dos crimes relevados e nem o tanto que colaboraram. Uma parte muito importante da análise é o envolvimento dos delatores na empreitada criminosa. E no caso da JBS, sem a participação dos irmãos Batista, o crime não teria acontecido”, diz o advogado.
Machado explica que a lei prevê o perdão judicial a quem não for o chefe da organização justamente para que o delator possa entregar o “tubarão”. No caso da JBS, os tubarões nadaram livres e os peixes pequenos ficaram na rede: enquanto os donos da empresa receberam a garantia do não oferecimento de denúncia, os executivos que participaram do acordo tiveram de se satisfazer com a garantia de que só ficarão presos por no máximo quatro anos.
Segundo Machado, o MPF levou em consideração apenas o nível da colaboração. “É uma visão equivocada. Se o envolvimento do delator é decisivo para o sucesso da atividade delituosa, ele não deve ter o benefício do perdão judicial, sob pena de gerar impunidade e infringir o princípio da isonomia”, diz Machado.
A falta de isonomia, diz ele, está no fato de diversas outras pessoas serem implicadas pelos mesmos fatos que os delatores. Mas somente os acusados serem punidos. O acusador, réu confesso, não. “O lógico é que o chefe da organização tenha uma pena mais alta do quem está lá embaixo na organização.”
Chefes e colaboradores
É difícil avaliar a posição de Joesley e Wesley dentro da organização criminosa descrita pelo Ministério Público Federal, avalia o criminalista Daniel Bialski. Desde as primeiras apurações da “lava jato”, em Curitiba, a tese era de que o esquema não tinha organização vertical, mas eram núcleos organizados de maneira horizontal sem hierarquia entre si.
No caso da JBS, Joesley se diz vítima de extorsão por parte de políticos, partidos e funcionários do Poder Executivo. A PGR usa a mesma argumentação para pedir a abertura de inquéritos: organizações criminosas foram montadas por políticos e dirigentes partidários para extorquir empresários e manter um esquema de propina e caixa dois que alimenta suas campanhas em funcionamento.
Machado acredita que isso só reforça o argumento contrário ao perdão judicial. Se as organizações são horizontais e não havia hierarquia entre elas, analisa o advogado, “por que o núcleo empresarial terá perdão e o núcleo político, por exemplo, não?”
Essas incongruências violam os princípios da isonomia e da proporcionalidade, acredita Luís Henrique Machado.
“Mas Joesley não é o senhor da verdade”, diz Bialski. “Ele é um oportunista que se aproveitou dessa argumentação para implicar o presidente da República e outros políticos influentes.”
O criminalista aponta alguns indícios de que os empresários tinham interesses nas delações. O primeiro deles, diz, é a grande compra de dólares feita pelo Grupo J&F horas antes de trechos da delação ser divulgado pelo jornal O Globo. Outro, o fato de um dos procuradores da República que trabalhava em inquérito instaurado contra a JBS ter se demitido do MPF para integrar o escritório que negociou a delação. A gravação da conversa de Temer com Joesley aconteceu um dia depois da demissão do procurador.
Para Bialski, o MP “ficou deslumbrado” com os fatos narrados por Joesley envolvendo um candidato a presidente o próprio presidente da República. “Talvez por isso não tenha feito uma análise mais minuciosa sobre os elementos levados pelos delatores.”
Únicos perdoados
Embora o perdão judicial tenha sido homologado pelo ministro Fachin, não é medida popular na operação “lava jato”. Os delatores cujos processos correm em primeira instância tentaram ser perdoados em troca das informações que revelaram, mas nenhum deles conseguiu.
Todos tiveram o pedido negado pelo juiz Sergio Fernando Moro porque “não cometeram atos no céu”. Para o magistrado, o que deve contar na análise da concessão do perdão é a “gravidade em concreto dos crimes” e “a elevada reprovabilidade das condutas”.
 é editor da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 22 de maio de 2017.

domingo, 21 de maio de 2017

CNJ define temas de pesquisa para diagnóstico do Judiciário

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) definiu os temas da 3ª edição da série Justiça Pesquisa para um diagnóstico qualificado sobre a situação do  poder judiciário no Brasil. A  superlotação de presídios e a transparência do Poder Judiciário são alguns dos pontos pesquisados. Os dados deverão subsidiar o CNJ na elaboração de políticas públicas e diretrizes nacionais para o Judiciário.
A medida está em conformidade com a missão do CNJ, de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional no país. Leia, abaixo, os campos temáticos que já foram definidos. 
Poder Judiciário e superpopulação prisional: o colapso do sistema de justiça criminal e a cultura do encarceramento. Nessa área, a proposta deve tomar o diagnóstico do sistema prisional como um ponto de partida para investigar, com metodologias de pesquisas empíricas, problemas, entraves e gargalos institucionais que afetam o Poder Judiciário, propondo alternativas possíveis aos seus modos de funcionamento e pontos de ineficiência identificados.

Transparência no Poder Judiciário

Os Tribunais de Justiça e o dever de prestação de contas. A pesquisa deve investigar o nível de adesão e cumprimento dos órgãos do Poder Judiciário à Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527), identificando quais as informações que estão disponíveis ao público e possíveis correlações entre as que se referem à prestação jurisdicional propriamente dita e as que se referem à gestão administrativa dos Tribunais.

Execução Fiscal

O impacto de formas pré-processuais de recuperação do crédito tributário e a efetividade dos mecanismos eletrônicos de constrição patrimonial.A proposta de pesquisa a ser apresentada deve adotar a criticidade da execução fiscal nos dados de litigiosidade e taxa de congestionamento do Poder Judiciário como um pressuposto para a indagação de práticas de gestão dos processos que geram ou tem o potencial de gerar a alteração do estado de coisas já suficientemente documentado na literatura técnica.

Modelos alternativos de gestão de processos e celeridade processual

A política de especialização de competências, a unificação de serventias e a melhoria da prestação jurisdicional no Brasil. Essa pesquisa deve necessariamente mapear inciativas de melhoria da gestão cartorária, especialmente a especialização de competências e a unificação de serventias, e apresentar instrumentos de análise da eficiência de tais práticas para a redução do tempo de tramitação processual. 

O Poder Judiciário brasileiro e o combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas.

A proposta dessa pesquisa deve fornecer um panorama detalhado a respeito das demandas que envolvem o trabalho escravo e o tráfico de pessoas no Brasil, de modo que interessa saber não somente a quantidade de processos a respeito dos assuntos existente, mas onde tramitam, qual seu tempo médio de duração, o perfil das partes envolvidas e outras questões que auxiliem na produção de um diagnóstico aprofundado do tema.

Quem pode participar

Poderão concorrer no Edital de Convocação Pública e de Seleção instituições de ensino superior, públicas ou privadas, e demais entidades incumbidas, regimental ou estatutariamente, de atividades de ensino e/ou de pesquisa, desde que sem fins lucrativos. É proibida a participação de pessoas jurídicas de direito privado que desempenhem finalidade lucrativa. 
O edital ainda não tem data marcada para ser publicado, mas já foi definido o tempo de vigência do contrato com as instituições selecionadas: será de até oito meses, contados a partir da assinatura. 

Edições anteriores

Na última edição do Justiça Pesquisa, as pesquisas selecionadas tinham como foco temas ligados à violência contra a mulher; Justiça Restaurativa; Processo Judicial Eletrônico (PJe); Maiores Litigantes da Justiça e Audiências de Custódia. A previsão de término e entrega dos materiais é para este ano. O resultado dessas pesquisas é publicado pelo CNJ e disponibilizado ao público no portal do conselho.
As instituições selecionadas na 2ª edição do Justiça Pesquisa, e que estão elaborando os estudos, foram Fundação Getúlio Vargas (FGV); Universidade Católica de Pernambuco (Unicap); Fundação José Arthur Boiteux, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) e Organização Não Governamental (ONG) Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A primeira edição do projeto ocorreu em 2012, com temas escolhidos a partir de dois eixos temáticos: Direitos e Garantias Fundamentais e o eixo Políticas Públicas do Poder Judiciário. Na época, 10 projetos de pesquisas foram selecionados. Dentre os temas pesquisados, estão: tempo médio dos processos relacionados à adoção no Brasil; judicialização do direito à saúde no Brasil e Lei Maria da Penha e a efetividade da prestação jurisdicional. As pesquisas estão disponibilizadas no site do CNJ.  

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias 


sábado, 20 de maio de 2017

A autofagia da Lava Jato


A autofagia da operação "lava jato" e de seus executores

Autofagia, segundo o Novo Dicionário Aurélio, 4ª edição, página 232, é a nutrição ou sustento de um organismo à custa de sua própria substância; em sentido figurado, o ato de consumir-se ou devorar-se.
Exemplo clássico de autofagia política foi a Revolução Francesa. Instituída sobre o lema que até hoje consta do ideário dos modernos Estados de Direito Democráticos — Liberdade, Igualdade, Fraternidade — e com o objetivo de derrubar a monarquia absolutista francesa, tornou-se um símbolo do despotismo, levando ao cadafalso cerca de 2,8 mil pessoas.
Entre os nobres, que constituíram a maioria dos executados, destaca-se o caso da rainha Maria Antonieta. Chamada de “a austríaca” pelos franceses, que a odiavam mais que ao próprio Luis XVI, era menor de idade quando deixou seu país para com ele se casar. Diz a história, ou a lenda, que quando a população faminta aglomerou-se nos portões do Palácio de Versailles, onde a família real se refugiara, ao saber que faltavam pães, ela teria dito: “então, deem brioches”. Apesar de sua ingenuidade e despreparo, portou-se com invulgar dignidade durante seu processo: na prisão, nas sessões do julgamento quando foi falsamente acusada de incesto com o filho, ao ser conduzida ao cadafalso numa carroça e ao subir a este. A tal ponto que a multidão, que costumava festejar freneticamente as execuções, manteve-se, pela primeira vez, em absoluto e respeitoso silêncio.
Danton, um dos líderes da Revolução, no seu início disse: “Sejamos terríveis para que o povo não precise sê-lo”. Mas depois, ao ser condenado à morte, indagou: “O que fazer para que os oprimidos de ontem não se tornem os opressores de hoje?”
Robespierre, o mais sádico dos revolucionários e um dos últimos a ser levado à guilhotina, antes de sua execução tentou por duas vezes o suicídio.
A desmoralização final da Revolução Francesa ocorreu quando foi instituída a chamada pelo povo de “La Grande Peur” (O Grande Pavor), onde os processos não podiam durar mais do que três dias e só havia duas decisões possíveis: absolvição ou condenação à morte. Em um trágico processo autofágico, a Revolução acabou por devorar-se, extinguindo-se poucos anos depois.                   
No Brasil de hoje, vivemos uma outra “revolução”. Justamente indignada com a endêmica e generalizada corrupção política e empresarial, a população foi às ruas, aplaudindo a "lava jato" e o juiz de Curitiba. Empresários de renome e políticos foram e são conduzidos coercitivamente para depor, ou presos temporária ou preventivamente, sob aplauso geral, inclusive da mídia.  
Nenhum cidadão de bem pode ser contra o combate à corrupção. Mas abusos têm sido cometidos: condução coercitiva sem qualquer prévia intimação; prisões temporárias não prorrogadas ou preventivas revogadas apenas se o detido fizer delação premiada; prisões provisórias, criadas para garantir a cautelaridade do processo criminal, que se prolongam ao longo do tempo, convertendo-se em antecipação da pena e violando o princípio constitucional da presunção de inocência; mandados de prisão ou de condução coercitiva antecipadamente comunicados à mídia, em operações escandalosas que recebem nomes de fantasia cada vez mais apelativos; delações premiadas, que legalmente deveriam ser mantidas em segredo até o recebimento de eventual denúncia, reveladas diuturnamente à imprensa sob o falso manto do “sigilo da fonte”...
Investigados — culpados ou inocentes, não importa — têm seus nomes e imagens expostos à execração pública. Os maus exemplos vindos do Paraná, espalham-se, com incríveis rapidez e desfaçatez, por outras unidades da Federação. Os tribunais do país, inclusive superiores, não coíbem tais abusos, permitindo, ainda que por omissão, que eles aumentem a cada dia.
Apesar do aplauso quase unânime e do aparente sucesso do combate à corrupção, a médio e longo prazo as contínuas e crescentes ilegalidades serão nocivas ao Estado Democrático de Direito e à própria moralidade pública.
Exemplo disso veio à tona em recente episódio no Rio de Janeiro. Quando a eminente ministra do Superior Tribunal de Justiça Maria Thereza de Assis Moura restaurou decisão de um juiz carioca que, seguindo o exemplo de  magistrado norte-americano por ocasião da prisão provisória de um casal de bispos evangélicos brasileiros, permitira, com apoio em recente lei, que a mulher do ex-governador Sérgio Cabral ficasse em prisão domiciliar para cuidar dos filhos menores. Populares se aglomeraram na frente do prédio da família para, aos gritos, protestar contra uma medida de conteúdo antes de tudo humano.
De abuso em abuso, ilegalidade em ilegalidade, acredito que, como a Revolução Francesa, a "lava jato" e seus aplaudidos executores já tenham iniciado sua autofagia...


Roberto Delmanto é advogado criminalista formado pela Faculdade de Direito da USP, foi membro do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Estado de São Paulo e do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente).
Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2017.

terça-feira, 16 de maio de 2017

STF: Decisão me ação coletiva vale apenas para os associados

Decisão em ação coletiva vale apenas para associados, diz Supremo

O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que os beneficiários do título executivo, nos casos de ação coletiva proposta por associação, são aqueles que moram na área da jurisdição do órgão que resolveu o litígio. É preciso ainda, antes do ajuizamento, ser filiado à entidade e constar da lista apresentada com a peça inicial.

Plenário do STF decidiu que ação coletiva movida por entidade não vale para não associados.
Carlos Moura/SCO/STF

Com a definição, o tribunal concluiu o julgamento de um recurso sobre o assunto, com repercussão geral reconhecida, iniciado na última quinta-feira (4/5) e retomado nesta quarta (10/5). Ficou decidido também que não haverá modulação dos efeitos da decisão por falta de pedido das partes.
Prevaleceu o voto do relator, ministro Marco Aurélio, pelo desprovimento do recurso. Ele se posicionou no sentido de que filiados em momento posterior ao da formalização do processo do conhecimento e que, por esse motivo, não constaram da relação de nomes anexada à inicial da demanda não podem ser beneficiados pela eficácia da coisa julgada. Com isso, votou pela constitucionalidade do artigo 2-A da Lei 9.494/1997, que estabelece o alcance dos efeitos de ações coletivas propostas por entidade associativa contra a Fazenda Pública. O vice-decano deixou claro em sua decisão que o processo não tratava da ação civil pública, que tem seus ritos e regras.
Os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia acompanharam o relator. O ministro Luís Roberto Barroso não participou do julgamento porque se declarou impedido. Para Fux, é necessário fazer a limitação para impedir que as pessoas se associem em diversas entidades só para aproveitar o resultado das ações, no momento da execução, que elas levam à Justiça. “A parte deve saber quem está do outro lado para não haver ferimento do princípio do contraditório e dificultar a ampla defesa.”
Para Gilmar Mendes, é preciso criar limites para não transformar a ação coletiva em “bomba atômica”. Ele lembrou que o STF já decidiu que apenas os membros que tenham dado autorização expressa para propositura das ações por entidades associativas poderão executar o título judicial. Mendes disse ainda que a decisão desta quarta não acabará com a tutela coletiva de direitos, lembrando que o novo Código de Processo Civil privilegia a formação de precedentes nas decisões judiciais e determina sua aplicação vinculante.
O ministro Ricardo Lewandowski foi o primeiro a abrir divergência, provendo o recurso da Associação dos Servidores da Justiça Federal no Paraná. O caso concreto envolve ação que pedia restituição por Imposto de Renda recolhido sobre férias não gozadas de servidores. Ele entendeu que a restrição do alcance do resultado das ações pode limitar o acesso à Justiça pela população, principalmente a mais pobre. Por isso, defendeu o fortalecimento das ações coletivas que são feitas pelas associações. “Para o indivíduo, diferentemente do que ocorre com as grandes organizações, litigar representa grande sacrifício e desgaste pessoal. Daí a relevância da substituição por suas associações, que têm melhores condições de exercer sua defesa e, mais do que isso, têm o conhecimento jurídico necessário para identificar a lesão que, por mero desconhecimento, o indivíduo muitas vezes não terá como identificar”, disse.
Votaram dando parcial provimento ao recurso os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes. O mais novo membro da corte defendeu, para evitar uma multiplicidade de processos, a ampliação territorial da competência do órgão julgador. Ou seja, que a disputa encerrada em primeira instância valha para o residente em todo o território da jurisdição do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal. Já Fachin entendia que a pessoa deveria ser associada até a formulação do título a ser executado, na hora do trânsito em julgado da ação.
A tese aprovada, por unanimidade, foi a seguinte: “A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o sejam em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes de relação juntada à inicial do processo de conhecimento”.
RE 612.043

Revista Consultor Jurídico, 10 de maio de 2017

Conflitos previdenciários X Conciliação

Conciliação pode ajudar no tratamento adequado dos conflitos previdenciários


A perspectiva de aumento na demanda de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez por conta da Reforma Previdenciária, em análise no Congresso Nacional, exige dos órgãos da Justiça, da Administração Pública, em especial o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), esforços para corrigir falhas e aprimorar os mecanismos de análise desses benefícios. “Esta é uma preocupação do Conselho Nacional de Justiça, e é nesse sentido que a conciliação pode ser uma aliada”, avalia a conselheira Daldice Santana, coordenadora do Comitê Gestor Nacional da Conciliação do CNJ.

Para evitar demora na concessão e na revisão desses benefícios, Daldice Santana propõe maior interlocução entre o CNJ, o Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o INSS, a fim de que esses órgãos possam identificar e corrigir as falhas que podem se acentuar com a nova lei. “O auxílio-doença é temporário, mas, enquanto a média de duração do benefício é de dois anos na via administrativa, após judicializado, salta para quatro anos, o que decorre, frequentemente, não do tempo de recuperação da moléstia em si, mas das dificuldades para a revisão do benefício. Isso significa que o erário está tendo uma carga maior do que muitas vezes deve suportar. É preciso que a Administração Pública corrija os equívocos e, nesse sentido, audiências de conciliação podem não só favorecer a Administração Pública, como o cidadão e a Justiça”, explicou a conselheira, que escreveu artigo sobre o assunto

A colaboração entre o Judiciário e a Administração Pública em prol da sociedade já vem ocorrendo e rendendo bons frutos. No Rio Grande do Sul, o projeto Equipe de Trabalho Remoto – Benefício por Incapacidade (ETR-BI), que conta com a parceria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), é um exemplo. A iniciativa chegou a vencer o Prêmio Conciliar é Legal deste ano pela prática que analisa processos previdenciários em primeiro grau, em que foi negada a concessão ou o restabelecimento de benefícios por incapacidade, estimulando a resolução do conflito por meio da conciliação.

Concessão de benefícios

Pelos dados do levantamento “100 Maiores Litigantes”, publicado em 2012 pelo CNJ, o INSS era responsável por um em cada três processos apresentados no 1º grau da Justiça Federal e por 79% das ações ingressadas nos Juizados Especiais. A maioria deles era de pedidos de auxílio-doença que são negados pelo INSS e levados à Justiça. Em dezembro de 2016, a Previdência concedeu 364 mil benefícios, envolvendo um total de R$ 482 milhões. Desses benefícios, mais de 147 mil foram auxílios-doença (40% do total), segundo o ministério. 

Na avaliação da conselheira, se houver aumento do tempo do trabalhador em atividade, a tendência será um incremento nos pedidos de benefícios temporários, uma vez que aumentam as chances de aparecimento de doenças e intercorrências naturais ou provocadas durante o trabalho. Para ela, órgãos como o INSS reduziriam o índice de litigância caso a autocomposição, que pressupõe gerenciamento de trabalho, fosse mais explorada, evitando a judicialização excessiva de questões previdenciárias de fácil solução, mas de grande relevância social.
Antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei n 13.105, de 16 de março de 2015), prevendo audiências prévias de conciliação e mediação como etapa obrigatória para todos os processos cíveis, o Índice de Conciliação da Justiça Federal era de 3% (105 mil), em relação a um universo de 27, 2 milhões de decisões. O levantamento foi feito pelo CNJ, por meio do Relatório Justiça em Números 2016 (ano-base 2015). Na próxima edição do Relatório, com lançamento no segundo semestre deste ano, será possível quantificar o impacto da nova lei em toda a Justiça.
Regina BandeiraAgência CNJ de Notícias







 

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Método que humaniza depoimento de criança na Justiça vira lei

Em meados de 2003, uma garota de sete anos contou em detalhes, na Vara de Infância e Juventude de Porto Alegre, os abusos sexuais que sofreu dentro de sua própria casa.
A obtenção do relato completo da criança, que possibilitou a condenação do padrasto abusador, tinha um significado ainda maior para quem ouviu o depoimento, o juiz José Antônio Daltoé Cezar, atualmente desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Era uma das primeiras vezes no país em que a escuta da criança era feita por meio de depoimento especial, uma técnica humanizada para oitiva de menores vítimas de violência e abuso sexual.

O depoimento especial, que passou a ser obrigatório com a Lei n. 13.431, sancionada no último dia 4 de abril, vem sendo adotado amplamente pelos juízes com base na Recomendação n. 33, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na avaliação do conselheiro Lelio Bentes, o CNJ tem dedicado especial atenção ao tratamento das garantias constitucionais de crianças e adolescentes. “Na função de órgão central e de governança, tem a atribuição de definir políticas públicas de aprimoramento, implementação e sistematização dos incrementos em prol de um sistema jurídico prioritário, ágil e eficiente de proteção à infância e à juventude”, aponta o conselheiro no voto que culminou na criação do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj). 

A técnica que começou em Porto Alegre foi inspirada em um modelo pioneiro da Inglaterra, em que a conversa com as crianças é realizada pela polícia, e, antes de chegar ao Brasil, já estava presente em diversos países como Espanha, Argentina, Chile e Estados Unidos, sendo que, neste último, a entrevista é feita por Organizações Não Governamentais (ONGs). Segundo dados preliminares levantados pela assessoria de comunicação do CNJ em julho do ano passado, ao menos 23 Tribunais de Justiça (85%) contam com espaços adaptados para entrevistas reservadas com as crianças – as chamadas salas de depoimento especial – cuja conversa é transmitida ao vivo para a sala de audiência. 

Em 2004, um ano após ter sido introduzida no país, mais dez comarcas do Rio Grande do Sul ganharam salas de audiência e, atualmente, 42 varas contam com o espaço – até o fim do ano serão 70 das 164 comarcas do Estado. 

Outro avanço é que a metodologia do depoimento especial atualmente é uma matéria exigida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) para o vitaliciamento de juízes, que ocorre dois anos após ingressarem na magistratura por meio de concurso público. 
Somente no Distrito Federal foram atendidos, ano passado, 691 menores em situação de violência sexual pela Secretaria Psicossocial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), responsável por realizar o depoimento especial das crianças. A equipe do tribunal se desloca diariamente entre os 16 fóruns do Distrito Federal que contam com salas de depoimento especial e realizam até oito entrevistas com crianças por dia. 
“O método usado protege a criança, propiciando um ambiente mais seguro e menos hostil, ao mesmo tempo que permite um depoimento mais fidedigno por meio da técnica adequada”, diz Raquel Guimarães, Supervisora do Serviço de Assessoramento aos Juízos Criminais (Serav) do TJDFT.
O depoimento especial – nomeado anteriormente “depoimento sem dano“ , consiste na aplicação de uma metodologia diferenciada de escuta de crianças e adolescentes na Justiça, em um ambiente reservado e que seja mais adequado ao seu universo. Na prática, servidores da Justiça são capacitados para conversar com crianças em um ambiente lúdico, procurando ganhar a sua confiança e não interromper a sua narrativa, permitindo o chamado relato livre. A conversa é gravada e assistida ao vivo na sala de audiência pelo juiz e demais partes do processo, como procuradores e advogados da defesa, por exemplo. A criança tem ciência de que está sendo gravada, informação que é transmitida de acordo com a sua capacidade de compreensão. 

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Relato único

O juiz transmite por ponto eletrônico ou telefone as perguntas para o técnico que está com a criança, que as transforma em uma linguagem. “O método tradicional era horrível, inadequado”, diz o desembargador Daltoé. Na opinião dele, apesar disso muitos juízes ainda têm resistência ao depoimento especial por se tratar de um procedimento mais longo. “Querer que uma menina de seis, sete anos, fale igual a um adulto é um absurdo, natural que o depoimento demore mais”, diz. Mais adequada e amigável, na tentativa de extrair a verdade dos fatos. Dessa forma, a criança é ouvida apenas uma vez e na presença apenas do técnico, sendo que o testemunho serve como prova antecipada em todo o processo – até então, ela tinha que dar o depoimento cerca de sete vezes em órgãos como delegacias de polícia, Conselho Tutelar, no Ministério Público, além da audiência na vara de Justiça, na qual pelo menos quatro pessoas estavam presentes.

Você tentou seduzi-lo?

A técnica evita que perguntas impertinentes e que causem sofrimento sejam feitas à criança, já que o magistrado tem a possibilidade de “filtrar” o que será perguntado e indeferir questões que não considerar pertinentes. De acordo com a juíza Karla Jeane Matos de Carvalho, da Vara de Infância de Coelho Neto, no interior do Maranhão, antes da criação das salas de depoimento especial era muito comum que crianças pequenas tivessem de responder a perguntas feitas, durante a audiência, por advogados de defesa, como: “você tentou seduzi-lo? Você teve prazer na relação? Que roupa você estava usando?”. 

Criando um vínculo

Para a juíza Karla, o depoimento especial valoriza a fala da criança, que muitas vezes é a única prova de um processo, e é dada em um contexto complexo que difere dos demais crimes. “O abuso geralmente é cometido por longo tempo, por pessoas próximas e da confiança da criança, com quem ela tem uma relação de afeto. Sabemos que alguns não vão conseguir relatar durante toda a vida”, diz Karla. O método do depoimento especial começou a ser aplicado no Maranhão em 2010, e atualmente cerca de 30 das 112 comarcas contam com as salas de depoimento especial. De acordo com a juíza Karla, antes disso, com frequência crianças entravam chorando muito na audiência, após ficar frente a frente com o suposto abusador, e os juízes ficavam sem saber se adiavam o julgamento, ou se começavam mesmo assim. Sem ter muita alternativa, por vezes os juízes acabavam pedindo para que homens se retirassem da sala no caso da oitiva de meninas. “O estupro é um crime que causa vergonha e culpa na vítima, mulheres adultas já se desestruturam nos depoimentos, imagine crianças”, diz Karla, que é membro da Coordenadoria da Infância do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) e ministra treinamentos para juízes e servidores por todo país.

Na opinião da supervisora Raquel, do TJDFT, é importante que o profissional que realiza o depoimento especial crie um vínculo de confiança com a criança e consiga deixar claro que ela não está sendo avaliada. Para ela, um caso que marcou muito foi o depoimento de um menino de nove anos que narrou o abuso de sua irmã mais nova por parte do padrasto. “Ele tinha muita dificuldade de falar e tivemos de ter muita sensibilidade para ele conseguir expressar o que tinha visto”, diz. 
“É impossível não se compadecer do sofrimento da criança”, diz a juíza Karla, do TJMA. Segundo ela, embora a maioria dos casos confirme o abuso, por vezes acontece de a técnica utilizada no depoimento especial permitir que se percebam acusações falsas. “Isso aconteceu, por exemplo, no depoimento de uma criança que inocentou um pai que era, na verdade, vítima de boatos da população local”, conta. 

Saiba como funciona o depoimento especial.

CNJ Serviço: Como funciona a sala de depoimento especial para crianças?


O depoimento especial utilizado na escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência já é realidade em pelo menos 15 Tribunais de Justiça do país. O depoimento especial consiste em uma metodologia diferenciada de escuta judicial dessas crianças e adolescentes, executada por equipe multidisciplinar, objetivando, principalmente, minimizar a revitimização da criança ou adolescente e contribuir para a fidedignidade do depoimento, por meio da utilização de uma metodologia cientificamente testada.
A Recomendação 33/2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), determina a implantação de sistema de depoimento videogravado para as crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência e sugere algumas estratégias de localização e instalação de equipamentos eletrônicos. O depoimento, de acordo com a recomendação, deve ser realizado em ambiente separado da sala de audiências e oferecer segurança, privacidade, conforto e condições de acolhimento.
O depoimento especial não se resume, porém, a um espaço físico amigável, mas representa nova postura da autoridade judiciária, que complementa a sua função com a participação de uma equipe de psicólogos, assistentes sociais e profissionais de outras áreas capacitados em técnicas de entrevista forense. Isso porque o depoimento tradicional costuma gerar grande desconforto e estresse em crianças que precisam repetir inúmeras vezes os fatos ocorridos, nas várias fases da investigação. Outro fator relevante é que o depoimento especial aumenta a fidedignidade dos relatos dos depoentes. Pesquisas demonstram que se questionada de forma inadequada, crianças e adolescentes – assim como adultos – podem relatar situações que não ocorreram ao se sentirem constrangidas ou mesmo ter falsas memórias implantadas. Por esta razão, é fundamental que os entrevistadores sejam altamente qualificados na técnica.
Para o depoimento especial devem ser seguidos alguns passos que a ciência demonstrou eficazes para proteger o depoente e garantir a fidedignidade do relato. Existem variações, mas o eixo central aponta que a vítima deve ser incentivada a rememorar o fato, sem ser interrompida. As eventuais perguntas do juiz, promotor ou advogado são repassadas por telefone ao entrevistador, para que este adeque os questionamentos aos padrões de perguntas que pesquisas indicam como produtoras de respostas fidedignas e que preservam a criança ou adolescente de violência emocional.
A grande maioria dos tribunais utiliza-se da videoconferência para os depoimentos especiais, onde câmeras de filmagem transmitem em tempo real a imagem da criança ou adolescente para a sala de audiências. Há alguns tribunais que empregam uma divisória de vidro entre a sala de audiência e a sala de depoimento com uma película que impossibilita a criança ou adolescente visualizar os profissionais do Direito e o réu presentes do lado oposto. Em ambos os casos, o magistrado, por meio de telefone ou de microfone, pode fazer perguntas ao profissional que está com a criança, no momento em que o protocolo utilizado permitir.
Agência CNJ de Notícias