Professor da USP fala sobre a PEC 33 e embate de poderes
A aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda Constitucional 33, que submete decisões do Supremo Tribunal Federal ao Congresso Nacional acirrou ânimos e provocou debates no Judiciário e no Legislativo. O professor titular de Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Virgílio Afonso da Silva, em entrevista à Tribuna do Advogado, falou sobre a PEC e o embate entre os poderes.
Leia os principais trechos da entrevista:
A PEC 33 prevê que uma decisão do STF que declare a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional seja analisada pelo Congresso Nacional, o qual, caso a ela se opuser, deverá enviar o caso a consulta popular. Qual a opinião do senhor sobre isso?
Ao contrário do que muitos parecem supor, a Constituição não define com clareza que cabe ao STF a última palavra sobre emendas constitucionais. O próprio STF, quando se deparou pela primeira vez com a questão, teve que fazer uma deliberação prévia para analisar se ele era competente para controlar a constitucionalidade de emendas. O fato de ter decidido a favor de si mesmo não pode ser um argumento definitivo de que essa é a única forma de ver a questão.
Além disso, quem diz que a PEC 33 fere a separação de poderes tem que definir o que exatamente significa a Constituição dizer que uma PEC não pode tender a abolir a separação de poderes. Significa que o arranjo institucional decidido em 5 de outubro de 1988 é imutável? Não pode ser, caso contrário outras emendas deveriam ter sido declaradas inconstitucionais.
No fundo, trata-se mais de conveniência e oportunidade do que de mera interpretação constitucional: decidir se é o STF — e não o Congresso ou o povo — quem deve ter a última palavra sobre a Constituição que queremos não é algo que decorre da própria Carta, mas envolve questões como tradição jurídica, expectativa de proteção de direitos, estabilidade democrática e legitimidade do Poder Legislativo, dentre outras.
A aprovação da admissibilidade da PEC colocou em evidência o embate entre Legislativo e Judiciário acusado por parlamentares de exercer, cada vez mais, protagonismo no processo legislativo. O senhor avalia que, de fato, o Judiciário tem avançado nas competências do Congresso?
Não existe uma fronteira sempre nítida entre as competências desses poderes em matéria de interpretação da Constituição. Nos últimos anos, o STF tem tido um protagonismo que nunca teve antes. Isso, em si, não é bom nem ruim, apenas um fato. O que é ruim é o uso estratégico, por parte do STF, de suas possibilidades de interpretação constitucional.
Às vezes, o Supremo, claramente e sem grande constrangimento, avança na competência do Legislativo. Em outras ocasiões, quando não quer ter o ônus de decidir, diz que não pode fazê-lo porque não quer avançar no campo legislativo. Essa variação estratégica na definição dos limites de sua própria competência é algo que confunde os termos do debate.
Alguns estudiosos da área jurídica, a despeito de repelir a possibilidade de esvaziamento do Judiciário e sua submissão ao Congresso, avaliam que a PEC tem aspectos interessantes. No que diz respeito às súmulas vinculantes, seria razoável a exigência de que sejam chanceladas pelo Legislativo.
A súmula vinculante nasceu acusada de inconstitucionalidade. Muitos pareciam não se conformar com ela e a acusavam de avançar na competência do Legislativo. É interessante perceber como, menos de dez anos depois, uma tentativa de limitar um pouco a competência do STF na edição de súmulas vinculantes — mas sem chegar nem perto de voltar ao status quo de dez anos atrás — é vista por tanta gente como inconstitucional.
Parece-me que há duas razões para isso: em primeiro lugar, muitos simplesmente gostaram das súmulas vinculantes e, em segundo lugar, uma proposta de limitar uma competência do STF que seja apresentada pelo Legislativo parece despertar a desconfiança automática de todos (mesmo daqueles que eram contra as súmulas vinculantes no passado). Neste âmbito, também, não há uma resposta clara, que decorra da Constituição. Ou seja, não é uma questão de interpretação constitucional, mas de política legislativa e judicial.
Mas, na medida em que o Legislativo, se quiser, pode superar uma súmula vinculante (por meio da edição de uma nova lei cujo teor seja contrário a ela), exigir que as súmulas sejam aprovadas pelo Legislativo talvez seja um obstáculo a mais no já amarrado dia a dia do Judiciário e do Legislativo.
Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB -RJ.
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