A respeito do assunto, transcrevo artigo do penalista, desembargador Ali Mazloum:
Domínio do fato não exime quem acusa do ônus da prova
No julgamento da ação penal 470 – cognominada de mensalão – tem sido recorrente a invocação da teoria do domínio do fato. O que vem a ser isso? Praticado um crime, surge o desafio de estabelecer com precisão a responsabilidade, para que inocentes não venham a ser condenados ou culpados absolvidos. A maioria dos delitos tem natureza monossubjetiva, ou seja, podem ser praticados por uma única pessoa. É o caso do homicídio. Outros há em que se exige a presença de mais de um agente. São os plurissubjetivos: a bigamia é um bom exemplo.
As dificuldades de se divisar a participação ou o modus operandi de cada agente surgem no primeiro caso, vale dizer quando duas ou mais pessoas agem com unidade de desígnios para a realização de um determinado tipo penal monossubjetivo.
No concurso de pessoas, enquanto um realiza o verbo núcleo do tipo, como matar, subtrair, o outro presta auxílio: segurar a vítima enquanto o comparsa desfere facadas mortais. Ordinariamente, só é autor quem realiza o verbo nuclear do crime, sendo considerado partícipe quem de outra maneira contribui para a sua realização.
O primeiro tem pena mais grave que o segundo, daí a importância de se conhecer a diferença entre coautoria e mera participação.
O Código Penal resolve a dilemacidade do concurso de pessoas no artigo 29: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.” Essa é a regra regente, da qual, somadas a outras, extrai-se a possibilidade da aplicação da teoria do domínio do fato em nosso ordenamento jurídico.
Essa refinada teoria alemã supre, no pensamento de Roxin, a hipótese do autor mediato, aquele que não aparece e normalmente vale-se de terceira pessoa para a prática delitiva. Imagine-se o médico que, pretendendo matar o paciente diabético, determina à enfermeira a aplicação letal de glicose. Apenas o médico tinha conhecimento da doença e apenas ele tem o domínio funcional do fato: impedir que a glicose seja efetivamente ministrada. Portanto, tem domínio do fato quem pode fazer cessar a atividade criminosa ou quem domina a vontade do executor do crime.
Por conseguinte, o autor imediato do delito é quem o executa, aquele que seguiu as ordens do mandante realizando o verbo nuclear do tipo penal. Este efetua disparos de arma de fogo contra a vítima, visando matá-la, por determinação daquele. O mandante não aparece na cena do crime, não realiza o ato de matar, mas por ter o domínio funcional do fato pode impedir sua ocorrência.
Questão interessante atine ao aspecto da prova. Como e quando o autor mediato pode ser responsabilizado pelo delito?
Da mesma forma que se exigem provas para condenar o executor, devem existir provas também contra o mandante. A circunstância de ter o acusado o domínio do fato não exime quem o acusa do ônus de provar a acusação. Nosso sistema processual penal, na avaliação da prova, adota o sistema do livre convencimento motivado, exigindo do magistrado decidir a causa de acordo com sua livre convicção, desde que fundamentada em elementos constantes dos autos.
Neste sentido, “prova” seria a soma dos fatos produtores da convicção, o que pode se dar até mesmo por meios indiciários, analisados em conjunto, formando um quadro probatório robusto. A lei estabelece que indício é a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato que se quer provar, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra. O método indutivo pretende extrair uma regra geral a partir da recorrência de determinadas circunstâncias particulares. Figurativamente, agente com faca em punho perto do corpo da vítima pode ser, prima facie, o assassino.
Percebe-se que a “teoria do domínio do fato” também requisita, ao menos, indícios para que se possa vincular o mandante ao crime realizado pelo executor. Indícios, porém, não suplantam indigência probatória. Inadmite-se presumir responsabilidades ou aplicar regras da experiência em substituição à prova. Não é na cabeça do juiz, nem da opinião pública ou da “opinião publicitária”, que esses indícios devem coeexistir, mas, sim, no bojo do processo criminal. Dali é que devem ser hauridos. Lidar com indícios, como se vê, requer muita cautela, pois nem sempre onde há fumaça há fogo.
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