Para o atual Secretário da Reforma do Judiciário do Ministério a Justiça, Flávio Caetano, o Brasil precisa enfrentar decisivamente a crença de que ter acesso à Justiça é entrar com processos nos fóruns e tribunais do país. O cidadão que tem direitos violados quer mais do que as portas do Judiciário abertas a suas demandas, quer e busca uma resposta efetiva que recoloque as coisas em seus devidos lugares. E isso pode ser feito no Poder Judiciário ou, preferencialmente, fora dele.
É com esse conceito em mente que o secretário encomendou seis linhas de pesquisa para identificar os problemas que tornam o Judiciário lento e obter soluções para colocar em prática uma política nacional de acesso à Justiça que tenha como um de seus eixos a resolução de conflitos por meio de mediação e conciliação. Também estabeleceu, de pronto, um canal de diálogo com juízes, desembargadores, ministros e com o Conselho Nacional de Justiça para encontrar seu campo de atuação.
O secretário considera que o Brasil se destaca em termos de segurança jurídica, entre os países que compõem o chamado Bric. Para ele, o arcabouço legislativo e a estrutura do Poder Judiciário do país são exemplos, em muitos pontos, para outros países. O problema é a morosidade. E morosidade se resolve com gestão e investimento. “Dos possíveis problemas, a gestão é o menor. Se tivéssemos de mudar o arcabouço legal ou a estrutura do Judiciário, levaríamos mais de um século”, afirmou.
Em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico, Flávio Caetano contou alguns de seus planos: a aprovação de linhas de financiamento, via BNDES, para investimentos nos órgãos que compõem o sistema de Justiça e a possibilidade de se estabelecer parcerias público-privadas no Judiciário. “Temos de ser criativos”, afirmou.
A criação de uma rede de advocacia popular e a fixação de câmaras administrativas de solução de conflitos em torno de serviços regulados, como energia elétrica e telefonia, dentro das agências reguladoras, são duas das possibilidades de aperfeiçoamento do sistema de Justiça lançadas pelo secretário. A ideia é estudar as possibilidades e, a partir dos resultados dos estudos, conversar com as instituições que possam auxiliar na implantação das soluções. “Não se faz política pública sem diálogo”.
Para ele, a principal preocupação da Secretaria hoje é o Acesso à Justiça. Para tanto, pretende participar e promover alguns eventos sobre esse tema. O primeiro, no Mercosul, possivelmente em novembro, com todos os países integrantes e associados. No ano que vem, pretende realizar a primeira conferência nacional sobre acesso à Justiça. A ideia é que da conferência nasça um projeto de política nacional de acesso à Justiça. Para isso, é importante fazer pesquisas. "Nossa percepção é a de que, embora o Brasil viva um excesso de litígio com 84 milhões de processos em andamento, ainda há muita gente sem acesso à Justiça. Quando se fala em acesso à Justiça, remete-se ao Poder Judiciário. Mas, muitas vezes, esse acesso pode se dar por mediação extrajudicial. O que importa é que a pessoa que tem um direito violado possa reclamar esse direito. No Judiciário ou fora dele."
Indagado se o Acesso à Justiça não significava necessariamente ajuizar processos respondeu que esse é um termo com maior amplitude. E ter acesso à Justiça não é só entrar. É sair. O cidadão tem que poder discutir seu direito, mas ter uma resposta efetiva. Para achar os mecanismos corretos, pretende encomendar pesquisas. Lançamos uma série de editais dentro de uma linha que nós chamamos de “Pensando a Justiça”, para identificar soluções e formular políticas públicas de acesso, enfatizou.
Como exemplo, também mencionou pesquisas sobre como resolver, na esfera judicial e extrajudicial, conflitos fundiários urbanos e agrários. Isso não está bem resolvido no Brasil.
Nessas situações, quem está presente sempre é a polícia. A polícia como a última força, nem sempre agindo como deve agir. Às vezes, com abuso de autoridade. E o sistema de Justiça, que deveria estar presente para observar direitos, fazer a mediação e resolver o conflito, muitas vezes está de longe. Sua ideia é fazer uma pesquisa que dê diretrizes para aproximar a Justiça dos conflitos.
Outra pesquisa é sobre transparência. O objetivo é alcançar um sistema de Justiça aberto e transparente. Hoje há situações no Poder Legislativo em que votações são sigilosas, atos do Executivo e do Judiciário guardados por sigilo. Mas sigilo deve ser a exceção. A regra é que os atos sejam públicos. Por isso, será feito um levantamento para entender bem qual é o conceito de transparência ativa e qual é o conceito de transparência passiva. Transparência ativa supõe aqueles dados que devem estar disponíveis para consulta a qualquer tempo, sem qualquer requisição. A passiva traria dados que são divulgados a partir de uma provocação do cidadão. O cidadão não precisa mais dizer os motivos ou justificar o seu pedido. Basta pedir. Há um procedimento e prazos para isso. A ideia é estudar mais detalhadamente quais são esses conceitos, como aplicá-los ao sistema de Justiça e analisar como é a prática em outros países.
Outro ítem a ser estudado, segundo o Secretário, é o fenômeno da advocacia popular. Há mais de 800 mil advogados no país. Ele afirma que, em alguns estados, a resistência ao crescimento da Defensoria é proporcional ao número de advogados que atuam como dativos. Se for assim, porque não estudar essa advocacia popular como uma rede que pode complementar a Defensoria, indaga.
Para ele, enquanto nós não temos a Defensoria dos nossos sonhos, que é aquela que esteja à disposição do cidadão que não tem condições de pagar um advogado, podemos ter uma rede de advocacia popular, com advogados capacitados para atender os mais pobres. Não basta dizer que eu tenho um advogado dativo quando esse advogado não está capacitado para me atender. O importante é ter em mente que o cidadão não pode ter uma defesa apenas formal. Alguns relatam situação de negativa geral em uma contestação, por exemplo. Não é assim que se faz uma defesa. A defesa tem que ser material, atacar todos os pontos da acusação. No estudo dessa rede de advocacia popular, poderíamos pensar em algo que complementasse o atendimento, mas a partir da Defensoria. A Defensoria seria a senhora do sistema, responsável por capacitar e aperfeiçoar essa advocacia popular.
Outra ideia muito importante, defendida por ele é a de também formatar uma Escola Nacional de Mediação. Afirma: "A mediação pode ser uma ferramenta muito importante para combater a morosidade e o excesso de litígio. Com mediação, conciliação e até de arbitragem, as taxas de êxito de resolução de conflitos são muito altas. Na Justiça do Trabalho, chegam a 40%. Alguns dizem que nos Juizados Especiais já chegou a atingir o patamar de 80%, que hoje é mais baixo. As formas de composição podem ser extrajudiciais ou judiciais. Em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, podemos capacitar não só juízes para serem mediadores, mas advogados e leigos de determinadas comunidades".
Em sua visão, se a Justiça deve ser contemporânea aos fatos, quanto mais rápida a solução, melhor e diz não concordar com a ideia de que a Justiça tarda, mas não falha. Só por tardar, já está falhando.
Interrogado sobre o que será feito com o resultado dessas pesquisas, esclareceu que a partir dos diagnósticos das pesquisas, serão elaboraradas propostas de políticas públicas para aperfeiçoar o sistema de Justiça. Acredita que haverá pontos a serem trabalhados junto com o CNJ, outros com o Conselho Nacional do Ministério Público e outros que podem se transformar em projetos de lei. Isso tem dado certo.
Como exemplo, cita o estudo feito pela Secretaria chamado o 3º Diagnóstico das Defensorias Públicas dos estados onde se constatou que elas aplicam 97,8% dos recursos em custeio. Sobram apenas 2,2% para investir. Ou seja, as defensorias pagam suas contas e não crescem. De posse dos dados, solicitou-se ao BNDES uma linha de financiamento para investir nas defensorias estaduais. A proposta foi levada à discussão no Conselho Monetário Nacional e aprovada. O BNDES financiou R$ 300 milhões para as defensorias dos estados, com o principal objetivo de aparelhá-las. Ou seja, dinheiro para equipamentos, softwares, capacitação e pesquisas. O estado que irá receber menos ficará com R$ 8 milhões. E o que receberá mais, ganhará R$ 12 milhões.
A ideia é padronizar o sistema a partir de um atendimento de qualidade em todo o Brasil. É necessário criar um Disque-Defensoria, que deve ser o número 129, como há o 190 da Polícia, que funcione 24 horas por dia. Passa a ser um salto de qualidade nesse serviço que é vital para o cidadão. Ações como essas só se fazem assim, a partir de um diagnóstico. Esse é o modelo que o governo preza: trabalho a partir de dados empíricos, que mostrem a realidade para que, então, se pense em soluções conjugadas com outros órgãos. Não se faz política pública sem diálogo, conclui.
Tais atitudes e a postura do Secretário enchem de entusiasmo aqueles que lutam pela democratização e efetividade do Acesso à Justiça!
Dados extraídos da Revista Consultor Jurídico de 22 de julho de 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário