Além das medidas que vêm sendo adotadas para combater a morosidade judicial, vários juristas e a própria Ordem dos Advogados têm alertado de que nada valerá o esforço para acelerar e simplificar os procedimentos processuais, se não se combater também a péssima qualidade da administração da Justiça.
O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, em várias ocasiões, ao criticar a chamada PEC dos Recursos, tem sido categórico ao afirmar que em lugar de uma proposta que introduz mais insegurança e incerteza na esfera jurídica, comprometendo a essência do Estado Democrático de Direito, é hora do Brasil buscar as verdadeiras causas estruturais dos problemas do Judiciário brasileiro, que padece da falta de juízes, da falta de material, da falta de tecnologia, enfim da compreensão do próprio Estado sobre o seu papel de prestar Justiça.
Em artigo publicado no Suplemento "Direito & Justiça", com o título de "As Reformas do Processo", o professor da Faculdade de Direito da USP, José Ignácio Botelho de Mesquita, afirma: "Nestes últimos vinte anos, o Brasil pagou e continua pagando um preço altíssimo pelo erro de supor que haja alguma relação entre a celeridade do processo e a redução dos meios de defesa dos direitos. Agora que está mais do que provado que não está aí a causa da lentidão dos processos, é hora de sofreear o apetite reformista e de dar início ao trabalho de descobrir, por exemplo, porque uma única petição possa levar meses para ser juntada aos autos do processo".
A grande verdade é que o mundo moderno, em que vivemos, exige rapidez e pronto atendimento às demandas postas. A maioria dos setores da sociedade vem se adaptando a essa nova realidade, mas o Judiciário tem ficado ao largo. Tudo é visto pelo ângulo do formalismo. Qualquer demanda segue o mesmo trajeto, perdendo-se na burocracdia das formas. É quase consenso que o sistema oferecido pelo Judiciário não é adequado para os novos tempos.
Nesse sentido, Antônio Álvares da Silva, professor de Direito da UFMG, em sua obra "Reforma do Judiciário", é enfático: "A lógica do sistema exige uma burocracia imensa para sustentá-lo. Quatro instâncias demandam juízes, servidores, prédios, procuradores, advogados. Mobiliza-se uma máquina imensa que, segundo a professia de Luhman, geram outras máquinas, que geram mais máquinas, até o esgotamento da burocracia, num limite que ninguém sabe onde fica. É incrível que, vendo os fatos, só reage o povo. Os segmentos que participam da máquina reconhecem os erros, mas não apontam as soluções adequadas".
Uma pesquisa inédita, realizada no Mestrado Profissional em Poder Judiciário da FGV - RJ, da juíza Rosimeire Pereira de Souza, analisou processos do Estado de Rondônia. A juíza comparou os prazos e execução de cada ato processual com os prazos legais estipulados.
Dentre os processos de primeiro grau (sem recursos para a segunda instância ou para a instâncias superiores), a duração média foi de 758 dias, ou seja, pouco mais de dois anos. Para respeitar integralmente os prazos legais estipulados, o tempo máximo deveria ter sido de 578 dias. O que significou, em média, uma lentidão de 31% além do prazo legal. Como não existe punição, o prazo para julgar vira letra morta quanto ao seu descumprimento. Os maiores responsáveis pela lentidão em Rondônia foram servidores (32,6% da lentidão) e o gabinete do juiz (21,9%). Juntos responderam por 54,5% do excesso de prazo.
Ao ver de Pablo de Camargo Cerdeira, professor da Escola de Direito da FGV - RJ, se Rondônia, que tem uma das menores taxas de congestionamento do país tem uma duração média, para o primeiro grau apenas, de pouco mais de dois anos, pode-se concluir que nos demais Estados, com três vezes mais congestionamento, a duração pode ser proporcionalmente bem maior.
Segundo a juíza Rosimeire, o objetivo da pesquisa é testar metodologia para apurar a lentidão e realizar estudos semelhantes no resto do país. A partir dessas medidas, especialistas pretendem propor alternativas para acelerar a Justiça, tornando-a mais eficiente.
Aliás, não é sem razão que a Administração Pública, como um todo, deve reger-se, conforme o artigo 37 da Constituição Federal, pela eficiência. E o Judiciário, como um dos três poderes, não pode fugir a esta regra.
Para tanto, antes de se propor soluções miraculosas, em primeiro lugar, faz-se necessário radiografar as principais causas do seu mau funcionamento, para depois se propor as mudanças exigidas. Sem enfrentar o problema em si mesmo, qualquer reforma proposta será feita sempre pelas bordas.
Na opinião de Álvares da Silva, há três pontos que precisam ser considerados e de cuja harmonia sairá uma reforma equilibrada e justa: o interesse do Estado, como promotor geral do bem público; o do Judiciário, como agente desta reforma e do povo, como seu destinatário final. "Uma proposta de profunda revisão estrutural do Judiciário deve preceder qualquer proposta de aumento de juízes, servidores e órgãos julgadores", conclui.
Dois pontos, porém, parecem inquestionáveis no que diz respeito à má administração da Justiça: excesso de formalismo, de um lado, e ineficiência, de outro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário