Conselho Nacional de Justiça absolveu a juíza Kenarik Boujikianjá e anulou a pena de censura dada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) pela concessão de onze alvarás de soltura a presos que já haviam cumprido suas sentenças.
O entendimento, seguido pela maioria dos conselheiros, se deu durante a 257ª Sessão Ordinária do CNJ, durante o julgamento de uma revisão disciplinar, na qual a magistrada questionava a condenação do tribunal paulista.
O caso envolvia a concessão da liberdade, entre 2014 e 2015, a réus presos pelo crime de tráfico de drogas, que já haviam cumprido o tempo de pena fixado na sentença. Nenhum dos presos tinha advogados particulares para requerer o alvará de soltura.
Na ocasião, a juíza atuava como substituta no tribunal paulista. A magistrada foi punida pela pena de censura em um processo administrativo proposto pelo desembargador Amaro Thomé Filho, do TJSP.
A juíza Boujikian foi acusada de desrespeitar o princípio da colegialidade, por ter concedido sozinha a liberdade aos presos, e, segundo a acusação, por não agir de acordo com o dever de cautela, pelo qual o juiz deve atuar de forma cautelosa e atenta às consequências que pode provocar. O processo contou com parecer favorável à magistrada do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. Para o Ministério Público, ao determinar a soltura dos réus a juíza agiu de acordo com seu livre conhecimento com base nas provas dos autos.
A juíza foi representada no CNJ pela advogada Débora Cunha Rodrigues, que defendeu o fato de a juíza Kenarik Boujikian ter verificado que as prisões eram ilegais, já que os réus estavam encarcerados há mais tempo do que havia sido determinada na sentença. A Juíza, segundo a advogada, também em nenhum momento impôs sua convicção aos demais membros do tribunal, já que todos os recursos foram levados para apreciação do colegiado.
O conselheiro Carlos Levenhagen, relator da revisão disciplinar do CNJ, foi o único a não conhecer o pedido da juíza e manter, dessa forma, a pena de censura imposta pelo TJSP. Para o conselheiro Levenhagen, a pena de censura mostra-se adequada aos fatos imputados à juíza e em consonância com a Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Já o conselheiro Gustavo Alkmin, que inaugurou a divergência, considerou que a juíza foi punida em razão do teor de suas decisões, o que seria uma afronta à Loman. “Punir o magistrado por sua compreensão jurídica é maior violência à sua liberdade e à sua independência”, disse Alkmin.
Os demais membros do Conselho acompanharam a divergência e a pena de censura foi anulada. Para a ministra Carmen Lúcia, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, há uma diferença óbvia entre censura como pena e o fato de ser censurado, que é algo que a Constituição proíbe. “Nesse caso, com todo o respeito ao grande TJSP, parece que a magistrada tenha sido censurada pela sua conduta e compreensão de mundo incidindo sobre os fatos por ela examinados, e isto é grave”, disse a ministra Cármen Lúcia.
Para a ministra, nenhum país democrático, e nenhum cidadão, pode dormir sossegado se não tiver a certeza de que o juiz foi conduzido pela convicção do direito. “É isto que dá a necessária segurança jurídica de direitos e liberdades”, disse. A ministra ressaltou ainda que o tribunal alegou que haveria diferença nas decisões da juíza em relação à jurisprudência prevalecente. “Se jurisprudência prevalecente fosse determinada vinculante, o direito morreria. Porque ele se torna vivo e atualizado exatamente porque o voto vencido de hoje pode ser o vencedor de amanhã”.
Para o conselheiro Carlos Eduardo Dias, a juíza Kenarik fez aquilo que se espera do magistrado, sobretudo no que diz respeito à liberdade. “Esta magistrada foi punida por trabalhar”, diz o conselheiro. Para ele, as onze pessoas que foram soltas pela juíza são pobres, já que, se não o fossem, teriam advogados muito bem pagos que iriam manejar a ordem de habeas corpus.
Engajada na defesa dos direitos humanos
Os conselheiros do CNJ ressaltaram que as referências da juíza Kenarik Boujikian são as melhores possíveis. Conforme o processo, é de conhecimento comum que a magistrada se destaca pelo seu engajamento na defesa dos direitos humanos, da democracia, das garantias individuais e processuais, com especial preocupação para a situação carcerária e para condição da mulher presa.
A juíza é uma das fundadoras da Associação Juízes para a Democracia (AJD), da Pastoral Carcerária Nacional(CNBB) e atuou no caso do médico Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão em 2010, pelo estupro de 56 pacientes.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias
Nenhum comentário:
Postar um comentário