A corte constitucional brasileira necessita passar rapidamente por uma grande transformação para inspirar confiança, credibilidade e admiração da população. Essa gigante mudança necessita três pilastras: o papel essencial do Supremo Tribunal Federal, a forma de nomeação dos ministros e, por último e não menos importante, as questões a serem julgadas sob a ótica da última palavra em termos de jurisdição.
Ao tempo em que interveio para conter dessintonia e dissabores entre Legislativo e Executivo, o STF perdeu um pouco de seu papel proeminente de guardião-mor da Constituição Federal. Nossa Carta Política constitucionalizou tudo, desde a saúde, transporte e educação até a integração entre os poderes, infelizmente, pois que o STF não consegue dar conta, mais ainda quando se lhe afigura normal o julgamento sob a égide do foro privilegiado.
Em primeiro lugar, o STF deve retornar a exercer seu papel de mero garantidor da Lei Maior, sem descer a detalhes ou apreciar matérias sem relevância ou repercussão geral. Dessa maneira, não mais do que mil julgamentos por ano deveriam passar pelo crivo da nossa corte, em razão do tamanho do país e do excesso de litigiosidade.
Noutro giro, a nomeação deveria ter mandato por prazo determinado de no máximo dez anos, ampliando-se a composição de 11 para 15 ministros. O funcionamento do recesso seria de apenas 30 dias. As nomeações ficariam em mãos do Judiciário: 7 cargos, sendo 3 cargos pela OAB, 3 cargos pelo Ministério Público, um pelo Executivo e outro pelo Legislativo, totalizando as 15 vagas. As sabatinas seriam feitas dentro do próprio órgão, ou alternativamente, pelo Conselho Nacional de Justiça.
O fim do foro privilegiado é inadiável. Seriam sujeitos a ele apenas o presidente, o vice, o presidente do Senado, o presidente da Câmara e os ministros do Tribunal de Contas da União, do STJ, e do TST; no mais, todos estariam sujeitos ao julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça. Com isso teríamos um desafogamento muito grande da Corte Superior, notadamente com a saída de casos de senadores e deputados federais, que manteriam foro junto ao STJ.
Nessa percepção, o ritmo de julgamento dos processos criminais sucederia por juízes auxiliares, que teriam a função de proceder a toda a instrução e manter o ministro apenas na atividade de proferir seu voto.
As decisões proferidas a partir do chamado mensalão e as transmissões pela TV Justiça despertaram interesse da população e acesa discussão da sociedade a respeito da impunidade e da chamada imunidade parlamentar. Decisões e mais decisões, monocráticas ou não, advindas do STF, mostram um descasamento com a vontade da sociedade civil, e isso revela que temos muito a repaginar a Corte Suprema, não para dar respaldo ao clamor popular, mas de modo a evitar decisões monocráticas de repercussão, eis que a Suprema Corte foi concebida para julgar e absolver muito mais do que para condenar.
Explica-se tal raciocínio na medida em que, sendo a instância última, o que a maioria faz ao se dirigir até o STF é a reapreciação do caso concreto e a soltura de presos pelo excesso do prazo ou o famigerado regime de progressão de pena. Bem nessa visão, o descomprometimento do STF em relação à sociedade tem sido invulgar. A sociedade está indefesa e os crimes hediondos, do colarinho branco e que envolvem principalmente corrupção se eternizam na corte suprema, sem uma resposta que possa combater o ímpeto da classe política e empresarial nos malfeitos com o dinheiro público.
E como fazer para acelerar o julgamento, se os prazos são dilatados, pedidos de vista comuns, e a conotação política supera qualquer expectativa? Não temos e raramente conseguiremos uma corte suprema à altura daquela norte-americana ou alemã, daí porque o funcionamento do STF em Brasília se nos afigura improdutivo, infestado pelas pressões e movimentos dos detentores do foro privilegiado. Na Alemanha, a Corte Constitucional está fora e distante de Berlim, para justamente ter neutralidade e imparcialidade. No Brasil é fundamental transferir a Suprema Corte para longe de Brasília: ou se proporia um rodízio a cada três anos, ou ela se manteria em São Paulo, com facilidade de acesso e malha rodoviária e aérea compatíveis com os interesses dos jurisdicionados.
Bem se denota que o nosso STF, desde o seu papel, passando pela composição e até a forma de julgamento, não se coaduna com a tessitura de seu arcabouço constitucional. As decisões monocráticas de repercussão geral e que afetam a sociedade deveriam ser ratificadas no prazo máximo de trinta dias pelo órgão colegiado, sob pena de perda da sua eficácia e validade e retorno ao statu quo ante.
A demonização da corrupção e o trabalho fabuloso da seara federal, pós-Mensalão, identificam que as instâncias inferiores se conversam, dialogam e têm simetria, ao passo que o STF, sem controle ou sistema de aferição de posição, sinaliza uma assimetria preocupante e que não presta contas de sua tarefa à cidadania. E para tanto vislumbra ponderar que até hoje, depois de mais de 20 anos, não temos marcados os julgamentos dos expurgos inflacionários e demais matérias que causam desconforto e desconfiança da sociedade.
E a propósito, a própria ministra presidente do STF, dias atrás, comentou que a população não tem mais respeito ou confiança em suas instituições, incluindo o Judiciário. O caminho exclusivo para mudar essa situação periclitante e de efeitos devastadores seria encontrar o verdadeiro papel da Justiça, refrear ações inócuas, mudar a sua composição e o seu local de funcionamento.
Eis em resumo algumas diretrizes, as quais, se forem aplicadas, nos darão o norte e a consciência de que a Corte Suprema somente terá seus dias de vanguardismo, acaso perca seu estilo político e desconexo com a realidade do País e acerte os ponteiros de julgar com a ansiedade que ambiciona uma sociedade em permanente estado de crise, mormente trazida pelo fator impunidade e pela demora desrespeitosa em apreciar matérias relevantes, além das pontuações monocráticas salgadas e que espetacularizam desconsertos monumentais na jornada de equilíbrio e no caminhar de uma sociedade civil desenvolvida.
Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Tem doutorado pela USP e especialização em Paris.
Laercio Laurelli é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito Penal e Processo Penal.
Revista Consultor Jurídico, 3 de março de 2017.
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