[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desta segunda-feira (10/2)]
Ao criar a TV Justiça, o ministro Marco Aurélio, e os ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ricardo Lewandowski ao maximizarem seus efeitos no mensalão, deram passo sem precedentes para a democratização das relações entre Supremo Tribunal Federal, mídia e opinião pública. Paradoxalmente, ao mesmo tempo, envelheceram muitas das práticas decisórias do próprio tribunal.
Como qualquer colegiado ou conselho, judicial ou não, o Supremo tem procedimentos de governança, hoje definidas na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), de 1979, no regimento interno de 1980 (mesmo atualizado), nas sucessivas resoluções administrativas e na sua cultura, informal, não escrita, detida pelo estável corpo administrativo.
Muitos desses procedimentos compõem uma cultura jurídica patrimonialista, individualista e isolacionista incompatível com o ator político, relevante e legítimo que o Supremo quer hoje ser.
Não basta ser presidente do Supremo nomeado na democracia. Os ministros sabem disso.
Todos os últimos presidentes da corte, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa, propuseram-se a mudar a lei orgânica da cultura jurídica do passado, a Loman. Não conseguiram.
Não tiveram em si próprios suficiente força política interna para enfrentar interesses corporativos ali petrificados. Interesses oriundos de uma época na qual o Judiciário tinha privilégios, mas não tinha poder nem responsabilidade.
Mas não é necessária lei nenhuma para enfrentar essa cultura jurídica do passado. As associações de magistrados, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o Ministério da Justiça, universidades e os próprios ministros --como Luís Roberto Barroso-- já ofereceram milhares de sugestões. Só depende do colegiado.
Cito medidas como exemplos. Cada ministro distribuir seu voto antes, para que os outros possam focar, melhor preparar e encurtar os julgamentos. Publicar 30 dias antes as pautas, para não haver surpresas. Assegurar melhor a defesa. Produzir votos mais sintéticos. Abandonar citações pantagruélicas. O povo não é barroco. Na comunicação, demais é menos.
Exercitar a grandeza da humildade e dizer apenas: acompanho o voto dos meus colegas. Não precisam dar aulas repetidas de argumentos. Como disse recentemente o ministro Stephen G. Breyer da Suprema Corte dos Estados Unidos: "Não estamos aqui para fazer doutrina. Mas para decidir casos".
A ementa do acórdão deve ser o principal objeto da votação. Nela reside o poder. Nela deve-se democratizar as palavras, torná-las palpáveis e entendíveis. Sair da cultura judicial isolacionista e arquivística para a cultura democratizante comunicativa digital. Nada disso depende do Congresso Nacional ou do Poder Executivo. Por que, então, não se promovem mudanças?
Essa nova geração de ministros do Supremo Tribunal Federal já deve ao Brasil a mudança da cultura jurídica anciã, cheia de personalismos e privilégios sem responsabilidades. Essa deve ser a prioridade política e o consenso mínimo entre os ministros.
A anciã cultura jurídica egocêntrica valoriza em excesso o poder individual de veto a iniciativas coletivas. Como está hoje, com alma de novato e movimentos de ancião, o Supremo Tribunal Federal caminha com dificuldades.
Essa nova geração de ministros não poderá culpar ninguém — nem o Congresso Nacional, o Poder Executivo, a mídia, ou a opinião pública — se antes não completar o caminho interno da democratização de sua própria governança.
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