Com o título "Uma Jornada para o Inferno", a revista inglesa The Economist diz em reportagem de sua última edição que as prisões na América Latina estão longe de ser um lugar seguro para reabilitação. Ao contrário, são incubadoras violentas do crime. Mas há alguns sinais de mudança. Alguns países estão reduzindo as taxas de reincidência de presos libertados, com a reforma de seus sistemas prisionais. A revista diz que examinou presídios em São Paulo, Cidade do México, Caracas e Santiago do Chile.
A reportagem conta que, em 28 de agosto, seis membros do Conselho de Direitos Humanos da Paraíba fizeram uma visita ao presídio Romeu Gonçalves de Abrantes, em João Pessoa, onde encontraram celas imundas, superlotadas, com prisioneiros doentes e com sede, alguns deles com ferimentos não tratados. Os carcereiros se recusaram a abrir a porta da ala das celas de disciplina, que cheirava a vômito e fezes. Uma câmera passada por uma entrada de ventilação, voltou com imagens de prisioneiros nus, amontoados em celas escuras. Por causa disso, os conselheiros foram detidos e só libertados depois de seis horas.
Tais condições estão mais perto da regra do que da exceção nas prisões da América Latina, diz a reportagem. Comparada com outras partes do mundo, a região mantém encarcerada uma percentagem maior de sua população, perdendo apenas para os Estados Unidos. "Poucas prisões na América Latina cumprem as funções básicas de punir e reabilitar criminosos. Os presos são frequentemente sujeitos a tratamento brutal, em condições de superlotação e sordidez extraordinária. E muitas prisões são controladas por gangues de criminosos", afirma a revista.
Peculiaridade brasileira Uma peculiaridade brasileira, diz a revista, é que uma das mais poderosas gangues do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC) nasceu dentro do sistema prisional. O PCC foi fundado no presídio de Taubaté, em São Paulo, em 1993. O objetivo inicial da organização era lutar pelos direitos dos prisioneiros e vingar o massacre, no ano anterior, de presos do Carandiru, em São Paulo. Mas a organização se transformou em uma gangue que opera extorsões, tráfico de drogas, prostituição e assassinatos. A reportagem lembra que, em 2006, a organização paralisou São Paulo, quando o governo ordenou a caça a seus líderes, e coordenou revoltas em 73 das 144 prisões do estado, além de ordenar roubos de banco e incêndio de ônibus.
Segundo a reportagem, o PCC controla, hoje, a maioria das prisões de São Paulo (e outros estados têm gangues semelhantes). A organização proíbe comunicação com os carcereiros, que chamam de "alemães" (significando "nazistas"). A reportagem cita declarações do advogado Marcos Fuchs, do grupo de direitos humanos Conectas, segundo as quais ele não consegue falar com um cliente, sem que um chefe de gangue esteja na escuta. De outra forma, há riscos de retribuição, como derramar garganta abaixo do preso um "Gatorade" (jargão para uma mistura de cocaína, Viagra e água) – em certa quantidade, essa mistura induz à parada cardíaca.
Além do controle das prisões por gangues, outra falha sistêmica das cadeias e presídios da América Latina é a superpopulação, que resulta em péssimas condições humanas. As prisões brasileiras, por exemplo, mantinham 515 mil detentos no ano passado – a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia, e três vezes mais do que sua capacidade. Em 1990, haviam apenas 90 mil prisioneiros. Fuchs disse à revista que já viu celas construídas para oito presos com 48, casos de gangrena e tuberculose não tratados e prisioneiros mantidos em contêineres de metal sob o sol quente.
Algumas prisões no Brasil são caóticas porque os detentos não são liberados quando as sentença deles vencem, diz a revista. Outros prisioneiros, como Marcos Mariano da Silva, um mecânico preso por assassinato em 1976, são vítimas de troca de identidade. Ele passou seis anos em uma cadeia em Pernambuco, antes que o verdadeiro culpado foi preso – e ele foi solto. Mas, três anos mais tarde, ele foi parado por um guarda de trânsito, que o prendeu como se fosse fugitivo. Ele passou mais 13 anos na cadeia, onde contraiu tuberculose, e morreu horas depois de uma audiência, em que o governo do estado perdeu um recurso, sendo condenado a pagar compensações a ele.
A segunda razão para a superpopulação dos presídios é a atitude pública e oficial contra o crime. No Brasil, diz a revista, os juízes mandam para a cadeia, de forma rotineira, pessoas acusadas de transgressões na área de drogas e o número está explodindo. Em 2005, um décimo dos presos eram pessoas envolvidas com drogas. Hoje, é um quarto.
Apesar da evidência de que as prisões brasileiras são infernais e trancafiam muitas pessoas erradamente, há pouca simpatia por aqueles atrás das grades, diz a reportagem. Em uma pesquisa de opinião de 2008, 73% dos entrevistados declararam que as condições das cadeias deveriam ser ainda mais duras. Os brasileiros pobres e negros são tão linhas-duras, segundo o The Economist, quanto os brancos ricos, embora eles estejam mais sujeitos a acabar em uma prisão.
No Brasil, a população prisional tem um nível escolar extremamente baixo (dois terços não terminaram o primeiro grau) e são pobres (95%). A população negra das prisões é duas vezes maior que a branca (os habitantes de raça negra representam dois terços da população carcerária e apenas metade da população do país). Enquanto isso, funcionários públicos, políticos, juízes, padres ou qualquer um com formação universitária não vão para uma prisão comum, enquanto aguardam julgamento. Essa é uma razão porque a reforma do sistema prisional não vai para a frente, diz a revista.
Novos modelos de prisões
Há indícios de mudanças na América Latina. Elas têm acontecido principalmente na República Dominicana, que iniciou uma reforma das prisões em 2003. Quase a metade de suas 35 cadeias agora são operadas sob novas regras. No Chile, depois do fogo de San Miguel, o governo apresentou um plano radical de reforma do sistema, para melhorar suas condições, construir quatro novas prisões (a um custo de US$ 410 milhões), recrutar 5 mil carcereiros, segregar prisioneiros pela gravidade de seus crimes e reduzir condenações à prisão, substituindo-as por serviços comunitários. O objetivo é cortar o índice de extrapolação da capacidade prisional de 60% para 15% até 2014. O Chile tentou privatizar prisões. Mas as novas cadeias ficarão sob controle estatal.
Sementes de esperança - No Brasil, há algumas "pequenas sementes de esperança", disse à revista o padre João Bosco do Nascimento, da Paraíba. "Alguns juízes iluminados estão usando seu poder para condenar réus a prestar serviços comunitários, em vez de mandá-los para a prisão", ele declarou.
O Conselho Nacional de Justiça examinou os casos de 300 mil prisioneiros, nos últimos dois anos, libertando 22,6 mil que não deviam estar na prisão. "O governo federal pode fazer pouca coisa para melhorar as condições das prisões, porque são os juízes que condenam as pessoas à prisão e os estados que operam os presídios", disse à revista Augusto Rossini, do Ministério da Justiça.
As quatro unidades federais de alta segurança, construídas desde 2004 para abrigar líderes de gangues, têm ajudado os estados a administrar suas prisões e cortar o número de rebeliões em 70%, disse Rossini. Uma quinta unidade está sendo construída. Nos próximos dois anos, o governo vai aplicar R$ 1 bilhão em tratamento de saúde nas prisões e está trabalhando na digitalização dos registros prisionais. No ano passado, um decreto federal baniu detenções pré-julgamento para criminosos primários, acusados de pequenos crimes. O Congresso aprovou uma lei que corta um dia da sentença de cada prisioneiro, para cada 12 horas que passam estudando ou trabalhando.
A reportagem ressalta que um retorno dos membros do Conselho de Direitos Humanos da Paraíba ao presídio Romeu Gonçalves de Abrantes, oito dias depois de serem detidos, mostrou que a prisão estava mais limpa e os detentos estavam decentemente vestidos e com acesso a banheiros. Para a revista, o sucesso virá tanto de pequenas vitórias como de grandes reformas. Tão logo a população se dê conta de que prisões decentes reduzem a criminalidade – em vez de premiá-la – será melhor para os prisioneiros e para todos os latino-americanos.
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