Considerando que, no Brasil, o Supremo Tribunal não é uma autêntica corte
constitucional, uma vez que acumula funções de corte constitucional e suprema
corte, uma ideia para diminuir a morosidade judicial, desafogando o STF, seria
alterar a Constituição Federal para que ele passasse a ser apenas Corte
Constitucional. Uma corte constitucional tem como função principal julgar a
constitucionalidade de leis e decretos dos poderes Executivo e Legislativo,
analisando a sua harmonia à luz da Constituição Federal. Já uma suprema corte
tem caráter de última instância de corte de apelação.
A primeira corte constitucional foi
criada pela Constituição Austríaca de 1920, cuja redação foi inspirada em Hans
Kelsen, criador da Teoria Pura do Direito. Esse tipo de corte atua como
legislador negativo, isto é, não legisla, mas tem competência para retirar de
forma total ou parcial as leis do ordenamento jurídico ao declará-las total ou
parcialmente inconstitucionais.
O Brasil, desde a primeira
Constituição Republicana de 1891, por influência de Rui Barbosa, adotou o
chamado controle de constitucionalidade difuso, nos moldes do modelo americano,
com o Supremo desempenhando as funções de corte constitucional e de suprema
corte.
A atual Constituição Federal
informa, em seu artigo 92, que compete ao Supremo Tribunal, precipuamente, a
guarda da Constituição, mas hoje em função do excesso de demandas (na média sobe
para o STF mais de 100.000 processos por ano), a função precípua do STF de
guardião da Constituição encontra-se obscurecida, sendo exercida
precariamente.
As seguintes pesquisas feitas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pelo próprio
Supremo, retratam a realidade daquela Corte.
Pesquisa da FGV:
13 milhões de processos em andamento
entre 1988 e 2010
90% dos processos têm origem no
Executivo
90% dos processos que chegam ao STF
já foram decididos em pelo menos duas instâncias
5,8% dos procesos surgem no próprio
STF
3,3% das ações têm origem no Superior
Tribunal de Justiça (STJ)
52 mecanismos distintos foram usados
para o acesso ao STF nos últimos 21 anos.
Pesquisa do próprio
STF
64.185 recursos
extraordinários e agravos de instrumento protocolados entre 2009 e 2010
5.307 processos traram de matéria
criminal (cerca de 8% do total).
145 recursos e agravos aceitos sobre
matérias penais (2,7%).
O que nais impressiona é que conforme
a pesquisa Supremo em Números, o Executivo federal tanto na condição de réu,
quanto na de autor, responde por 90% das causas, sendo que somente a União, a
Caixa Econômica Federal e o INSS respondem por 50% delas. Os números demonstram,
ainda, que entre 1988 e 2010, 92% dos processos julgados não diziam
respeito a matéria constitucional, indicando, com isto, que o STF está longe de
ser uma Corte Constitucional. De acordo com os dados, somente 0,5 das ações
originárias da Suprema Corte tratam de matéria constitucional.
Conforme Joaquim Falcão, um dos
coordenadores da pesquisa da FGV, não existe Corte no mundo que permita tantos
mecanismos de acesso como o STF. Desde 1988, 52 formas diferentes já foram
usadass para ingresso de ações. Hoje são 37. "É como se fosse uma casa, em que
todos os dias à noite é necessário fechar 37 portas", conclui.
O Supremo Tribunal Federal julgou mais de 42 mil processos no primeiro semestre deste ano. No mesmo período, a Corte recebeu 34.621 processos e se manifestou em 813 julgamentos. Entre os temas mais relevantes julgados pela Suprema Corte estão a distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita entre partidos, cotas raciais, Lei da Ficha Limpa, Lei Maria da Penha e interrupção de gravidez em caso de anencefalia.
O destaque do semestre foi a definição do calendário de julgamento do mensalão, que começará no dia 2 de agosto. O ministro Ricardo Lewandowski, revisor da Ação Penal 470, liberou o processo para julgamento do STF na última terça (26/6).
Em estudo desenvolvido pela cientista
política Maria Tereza Sadek, em 2005, onde foram ouvidos 3.258 juízes de todo o
país, na pesquisa promovida pela AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros,
concluiu-se que especializar o Supremo Tribunal em corte constitucional é a
vontade de 85% dos juízes ouvidos. Para esses juízes que defendem o papel do
Supremo como controlador da constitucionalidade, a Corte hoje tem-se ocupado de
causas de menor abrangência, decidindo sobrre ações penais, extradições, ações
que discutem interesses particulares, diluindo a sua missão de guardião da
Constituição.
Essa realidade leva a Supremo Tribunal a protelar julgamentos de constitucionalidade de leis, que muitas vezes, totalmente inconstitucionais são votadas sem qualquer compromisso pelo Poder Legislativo e enquanto não retiradas de circulação continuam gerando efeitos e insegurança para os cidadãos.
Essa realidade leva a Supremo Tribunal a protelar julgamentos de constitucionalidade de leis, que muitas vezes, totalmente inconstitucionais são votadas sem qualquer compromisso pelo Poder Legislativo e enquanto não retiradas de circulação continuam gerando efeitos e insegurança para os cidadãos.
As ações diretas no Supremo Tribunal Federal ultrapassaram a marca dos 5 mil. De 1988 até maio de 2012, a corte recebeu 5.008 ações que contestam a constitucionalidade de leis ou a lesão a preceitos fundamentais. As Ações Diretas de Inconstitucionalidade já são 4.716, mostrando-se a principal ferramenta utilizada. Para o procurador-geral do estado de São Paulo, Elival da Silva Ramos, professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo, o número mostra que o sistema jurídico brasileiro caminha para a centralização do controle de constitucionalidade, típica do sistema europeu.
O ministro Marco Aurélio, do STF, concorda que a tendência é a corte se transformar em um tribunal de controle constitucional. Isso, porém, depende da reforma do Judiciário. “Precisamos que enxuguem a competência do Supremo. Não é razoável cada ministro receber uma média de cem processos para julgar por semana”, afirma.
Marco Aurélio enviou, no último dia 19 de junho, ofício ao presidente do STF, ministro Ayres Britto, mostrando números de ações que aguardam decisões do tribunal e classificando como descabível a interrupção da jurisdição prestada pelo tribunal para julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão. O ministro sugere, no documento, que sejam convocadas sessões extraordinárias às quartas e quintas-feiras pela manhã para que os outros processos sejam submetidos ao Plenário da corte. O resíduo atual é de 711 processos.
No controle centralizado — sistema europeu, baseado na Constituição austríaca de 1920 —, uma única corte decide se a lei questionada em um determinado processo é constitucional ou não e devolve o caso para o juiz de origem, que deverá julgar com base naquele entendimento. Com isso, o Supremo não julgaria casos concretos, mas apenas a constitucionalidade questionada.
“Com cinco mil contestações em pouco mais de 20 anos fica claro que é necessário que o sistema seja adequado, para que essas ações passem a ir direto a um colegiado especializado, evitando que juízes julguem a questão de forma diferente de acordo com suas interpretações e jurisprudência, como no nosso modelo de controle difuso”, diz o professor Ramos. Ele palestrou na última sexta-feira (29/6) sobre controle de constitucionalidade no 12º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
O atual modelo de controle de constitucionalidade brasileiro segue o padrão estadunidense, no qual uma mesma lei pode ser considerada constitucional por um juiz e inconstitucional por outro, até que a matéria seja analisada pelo STF. Os moldes servem, diz o procurador-geral de São Paulo, para Estados liberais, mas se tornam “mortais” quando são aplicados em um Estado com perfil democrático social.
Das 4.716 Ações Diretas de Constitucionalidade impetradas no STF, 1.186 (25%) ainda aguardam julgamento. O segundo instrumento mais usado é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental que, até agora, foi utilizada 245 vezes, sendo que 88 (35%) ainda não foram julgadas. A ADPF é usada como uma “espada mágica”, na figura de linguagem do professor Elival Ramos. “Quando não cabe nada, entram com ADPF”, diz ele.
As Ações Diretas de Constitucionalidade impetradas no Supremo somam 30, sendo que cinco aguardam julgamento. As Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão distribuídas foram 17, cujo estoque atual do tribunal está em dez casos.
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