quarta-feira, 1 de junho de 2011

Morosidade Judicial X Impunidade

          Sobre o título "E o crime compensa", Wálter Fanganiello Maierovitch, na Carta Capital desta semana, tece comentários sobre a recente prisão de Pimenta Neves, que matou em 20 de agosto de 2000, com dois tiros pelas costas, Sandra Gomide, sua namorada, colega de profissão e de trabalho no jornal O Estado de São Paulo, confessando o homicídio.

          Embora a Justiça de primeira instância houvesse decretado sua prisão preventiva e ele não conseguisse revogá-la no Tribunal de Justiça de São Paulo e no Superior Tribunal de Justiça, recorreu ao Supremo Tribunal Federal, onde obteve sucesso. Pelo voto do ministro Celso de Mello, mesmo sendo réu confesso, foi colocado em liberdade provisória, com a obrigatoriedade de comparecer aos atos processuais.

          Criticando a postura do ministro Celso de Mello que, passados onze anos do crime confessado por Pimenta Neves, sentenciou: "É chegado o momento de cumprir a pena", Maierovitch critica o sistema criminal  legal brasileiro, que "destroi 'castelos de areia' e revela personagens contemplados com equivocadas liminares, como sucedeu com o banqueiro Salvatore Cacciola". E continua: "Não é sem causa ter o Brasil, pelo seu sistema criminal legal, se transformado em refúgio seguro para mafiosos de ponta como Tommaso Buscetta, ditadores sanguinários do porte de Alfredo Stroesner".

          Apesar de Pimenta Neves confessar seu crime, conseguiu protelar seu julgamento por onze anos, utilizando-se de vários recursos nas quatro instâncias recursais, beneficiando-se da morosidade do Judiciário, em decorrência da falta de juízes e de sua estrtura inadequada.

          O incrível é que, como alerta Maierovitch, para Pimenta Neves, hoje próximo dos 75 anos, a situação processual pode ainda melhorar. Da fato, a lei penal estabelece que "o condenado maior de 70 anos pode ser admitido no regime aberto, em residência particular". No seu caso, inobstante tenha direito ao regime semiaberto após cumprir um sexto da pena, pode  via incidente ao processo de execução penal, apresentar atestado médico e passar diretamente para o regime aberto, cumprindo a pena em sua residência.

          Portanto, a pena de 15 anos que lhe foi imposta em 2006, após redução pelo Superior Tribunal de Justiça, pois o Júri Popular o condenara anteriormente a 19 anos de prisão, nem mesmo essa será de fato cumprida, após 11 longos anos de espera.

          Influenciado pelo filósofo francês, Montesquieu, Cesare Beccaria quando publicou seu tratado de Direito Positivo, em reação à tirania e à violência, prevalecentes à época, enfrentou a brutal tradição jurídica vigente. Em seu clássico livro "Dos delitos e das penas", de 1764, mas que só foi publicado no Novo Mundo em 1777, um ano após a independência dos Estados Unidos, Beccaria alerta para o fato de que "quando se verifica que o delito e as provas são exatas, deve-se conceder ao acusado tempo e meios para se defender. Porém que o tempo seja curto, para não retardar o castigo". (Grifou-se).

          Rui Barbosa, em sua obra "Oração aos Moços", enfatiza: "Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta". Nesse sentido, o caso de Pimenta Neves é emblemático.

          Outro caso emblemático quanto à impunidade, também ocorrido recentemente, é o do promotor Luiz Aguinaldo de Mattos Vaz que foi acusado em 1989 de corrupção passiva. Segundo a denúncia, ele aproveitou-se do cargo de Curador de Massas Falidas, entre 1983 e 1984 para participar de várias fraudes, desviando recursos de ermpresas falidas na década de 80. Paralelamente, em 1991 o Ministério Público também deu início à Ação Civil Pública para destituí-lo do cargo. Ele foi afastado, mas continuou recebendo seus vencimentos, pois de acordo com a legislação o corte de vencimentos só pode ocorrer quando do julgamento não couber mais recurso.

          Em 1996, o Tribunal de Justiça de São Paulo o condenou a um ano e seis meses de prisão, mas como os delitos estavam prescritos (o Estado perdeu o direito de punir pelo decurso do tempo), não foi preso. No julgamento da ação civil, em 2000, o TJSP decidiu pela sua exoneração. Mas ele recorreu ao STJ e, após apresentar dez recursos diferentes perante aquela corte, teve sua última derrota em 2010. Recorreu então ao Supremo Tribunal Federal e, em março de 2011, o ministro Ricardo Lewandovski entendeu que a apelação não atendia aos requisitos jurídicos para ser apreciada pelo Supremo. Essa decisão tornou-se irrecorrível no dia 25 de abril de 2011, quando então foi assinada a sua exoneração.

          A estimativa é que durante os 22 anos que ficou sem trabalhar, utilizando-se de artimanhas jurídicas, tenha recebido cerca de mais de Cr$4,7 milhões.

          O histórico dos dois casos exeplifica como o arsenal de recursos, previstos em nossa legislação, permite retardar o desfecho das ações, redundando na impunidade dos réus.

          Embora a urgência de mudanças pareça evidente, não há qualquer interesse dos legisladores em fazê-lo. O novo Código de Processo Civil, por exemplo, que limita substancialmente o número de recursos, fruto de árduo trabalho de brilhantes juristas, apesar de já ter sido votado no Senado, encontra-se paralisado, há seis meses na Câmara dos Deputados.

          Na verdade, esses dois casos emblemáticos demonstram que em nosso País, em nome do respeito ao princípio da presunção de inocência, fortalece-se um sistema consagrador da impunidade.

          Mudanças urgentes são necessárias, sob pena do total descrédito na Justiça pelos cidadãos.


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