O artigo 98 da Constituição Federal estabelece que:
“A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I – (Omissis)
II – A justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto,
Universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação”.
Conforme informa Joaquim Falcão, em artigo publicado no Correio Braziliense sobre o título “O STJ e a reforma da Justiça”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por iniciativa da Conselheira Andréa Pachá, já sugeriu aos Tribunais a regulamentação, criação e expansão dos juizes de paz.
Embora estejam previstos na Constituição, até agora, 20 anos depois, nenhum tribunal regulamentou essa Justiça leiga que poderia desafogar o Judiciário, uma vez que o juiz leigo poderá realizar não apenas casamentos, mas conciliação e outras ações pré ou não jurisdicionais.
De acordo com Falcão, o problema é que a Constituição manda que sejam eleitos pelo povo. A razão é que seja uma justiça que expresse, na maior medida possível, os valores do povo. Em seu entender, como fazer isso é uma questão que necessita de imaginação institucional, que deverá ser plural. Cada estado e cada tribunal deve legislar conforme sua imaginação institucional. Os conselhos tutelares para defesa de crianças e adolescentes, por exemplo, são eleitos pelo povo. É um bom precedente.
O Juizado de Paz foi previsto no artigo 162 da Constituição de 1824 (Constituição do Império) e tinha como função efetuar a conciliação entre as partes, condição essa indispensável para o início de qualquer processo, consoante disposto nos artigos 161 e 162. Vê-se que, embora norteada por princípios liberais e autoritários, a Constituição do Império também contemplou a conciliação como pré condição para a propositura de qualquer processo, criando para isso a justiça de paz, com a finalidade de distribuir a paz, a harmonia e a concórdia entre os cidadãos.
Com o advento da república, o governo republicano, em 26 de dezembro de 1890, extinguiu o instituto da conciliação, mas como os Estados-membros tinham autonomia para organizar a sua justiça, alguns conservaram os Juizes de Paz.
A Constituição de 1934 manteve a Justiça de Paz eletiva, conforme artigo 104, § 4º. Também a Constituição de 1937 previu em seu artigo 104 a criação pelos Estados da justiça de paz eletiva, fixando-lhe competência, com a ressalva do recurso de suas decisões para a justiça togada.
A Constituição de 1946, em seu artigo 124, inciso X, alterou a Justiça de Paz, que passou de eletiva a temporária: “Poderá ser instituída a Justiça de Paz Temporária, com atribuição judiciária de substituição, exceto para julgamentos finais e irrecorríveis, e competência para a habilitação e celebração de casamentos e outros atos previstos em lei”. Pela primeira vez, a competência para habilitar e celebrar casamentos, foi atribuída ao Juiz de Paz pela constituição.
A Constituição de 1967 manteve praticamente inalterada a competência do Poder Judiciário. Contudo, com a redação da Emenda Constitucional 1/69, a Justiça de Paz, permanecendo temporária, ficou restrita à habilitação e celebração de casamentos. O Ato Institucional nº11, de 14 de agosto de 1969, extinguiu a Justiça de Paz eletiva, conforme artigo 4º e seu parágrafo único.
Como exemplo da justiça de paz em em outros países, é interessante ressaltar a sua existência no México, onde é também denominada justicia de minima cuantia, com o limite de cinco mil pesos na esfera cível e para a criminal a pena de prisão de no máximo um ano. O Juiz de Paz mexicano pode ser qualquer cidadão, com título de bacharel em Direito, não sendo exigida idade mínima ou experiência profissional, sendo designado pelo Tribunal Superior de Justiça, em sua composição plena. É auxiliado por dois secretários designados por comissão integrada por representantes do Tribunal e do Sindicato de Trabalhadores do referido Tribunal. A função dos secretários é a de promover os acordos nos juízos cíveis e criminais, além de providenciar a documentação e a instrução dos processos e a autenticação das sentenças judiciais e dos atos processuais, sendo auxiliados por um taquígrafo na esfera cível e na criminal além de mais um escrevente, contam também com um oficial de justiça e comissário. A presença do advogado é facultativa, sendo obrigatória apenas nos processos penais e em algumas questões de família, quando uma das partes estiver representada e a outra não.
Roberto Aguiar, em Conferência proferida na Ordem dos Advogados do Brasil, “Novas Práticas Jurídicas e Sociais e Instituintes do Direito”, lamenta que “o modelo romano, que colocava os participantes do movimento decisório no mesmo plano (aí incluído o povo) foi abandonado e a tríade processual tornou-se uma pirâmide de prestação jurisdicional, onde as partes requerem e o Estado presta justiça”.
A criação dos juizados de paz, com juízes eleitos pelo povo, com certeza, viria resgatar, a exemplo do modelo romano, a participação popular nas decisões, desafogando, sobremaneira, o combalido Poder Judiciário.
Nesse sentido, a Justificativa apresentada pelo deputado Bonifácio de Andrada ao Projeto de Lei Complementar nº403, apresentado em 1986, esclarecendo que como o Juiz de Paz era, na maioria dos Estados, eleito pelo sufrágio popular, e ainda comumente sem o título de bacharel, a tendência do governo foi relegá-lo a um segundo plano, na suposição de que litígios pequenos que resolvia, com menos formalidades, seriam dispensáveis no mundo moderno.
No fundo, na visão do deputado, era o apego à lei como obra racional e o desprezo aos costumes e aos mecanismos comunitários e populares de solução de conflitos sociais. Durante os governos militares essa racionalização atingiu, entre nós, os mais elevados níveis, com o apoio de ilustres membros do judiciário vinculados, desde a juventude, aos excessos da visão kelseniana do Direito. E o Juiz de Paz – forma popular e costumeira de se alcançar a justiça por instrumentos pouco formalizadores, mas eficientes e arraigados a muitas comunidades brasileiras – quase foi expulso da legislação, não fosse o protesto dos democratas vividos na faina modesta, mas grandiosa, da nossa vida interiorana.
Quando Presidente do STJ, o Ministro Edson Vidigal defendeu, à época, anteprojeto para regulamentar a justiça de paz, conforme noticia arquivo daquele Tribunal , ao apontar a existência, na Constituição Federal, de dispositivo que permite ampliar a atuação desses juízes. Em seu entendimento, o objetivo é que eles viessem a atuar em pequenos conflitos, transformando-se numa esfera abaixo dos juizados de especiais federais e estaduais.
Na época o Ministro alertou que essa regulamentação deveria preceder a um amplo debate a ser empreendido a partir de Brasília. estando disposto a conversar com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, com o presidente Lula, com o presidente Sarney, com todos os líderes políticos para que fosse debatido um anteprojeto de lei a ser remetido pelo presidente da República ou de iniciativa de alguns parlamentares. Esse anteprojeto poderia servir de piloto para que, mais adiante, essa mesma proposta fosse reproduzida em outros Estados.
A regulamentação do artigo 98, § 2, da Constituição permitiria aos juízes de paz a ampliação de suas atividades, atualmente restrita à celebração de casamentos. A idéia é que tais juízes venham a desempenhar papéis de conciliadores juntos às comunidades. Desse modo, as brigas de vizinhos, os casos de discussão por causa de cachorros e papagaios e até mesmo pequenos furtos, como o ocorrido em Santos (SP), onde um jovem foi condenado pelo roubo de R$ 0,15, estariam sob a alçada desses juízes sendo resolvidos nas mesas de conciliação, nas comunidades
"É preciso que o juiz de paz tenha uma função além de celebrar os casamentos. Que realmente exerça a atividade conciliadora nas comunidades. Nós poderemos imaginar a área de atuação do juiz de paz dentro de uma alçada inferior à dos juizados especiais. Questões que não vale levar para a Justiça estatal, para o juizado especial civil, juizado especial criminal, como briga de vizinhos, seriam colocadas para o juiz de paz. Coisas que, não resolvidas, servem para contaminar a rua, o bairro com intrigas, com coisas que conspiram contra a paz em geral", avaliou o presidente do STJ.
É importante salientar, que a proposta do artigo 98 da Constituição diz que o juiz de paz teria uma remuneração, seria eleito pelo voto direto "universal e secreto", com mandato de quatro anos, para exercer, entre outras coisas "atribuições conciliatórias".
A idéia de regulamentar o artigo conta com a simpatia da juíza de paz Rosa Maria Vieira. Autora do livro "O juiz de Paz do Império a nossos dias", publicado pela Editora UnB. Rosa Vieira manifestou, em sua obra, amplo apoio às mesas de conciliação defendidas pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça.
Embora o Conselho Nacional de Justiça tenha dado prazo aos Tribunais para que criassemem a Justiça de Paz, até julho de 2009, o fato é que não se tem notícia de manifestações nesse sentido. É lamentável, porque diuturnamente se noticia o esgotamento do Poder Judiciário, abarrotado de processos, conseguindo julgar, por ano, em média, pouco mais de 30% dos processos que lhe são submetidos
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